Pourtant, 223 ans aprés ça
n’ira pas comme ça... O truque de saltar os gradeamentos já está um bocado batido. (Excepcionalmente, este poste está redigido essencialmente em francês porque o trocadilho só faz sentido nessa língua)
31 outubro 2012
A BASQUETEBOLISTA QUE PERMANECEU NO FRIO
Ao contrário do protagonista da famosa novela de espionagem de John Le Carré, a atleta da ex-União Soviética Uljana Semjonova nasceu e desenvolveu
toda a carreira desportiva no frio. Medindo 2,13 metros quando adulta – o que já seria uma
altura imponente para um homem – a gigante soviética nasceu fadada para se tornar basquetebolista
e rapidamente se tornou numa referência mundial da modalidade por causa da diferença
da sua altura para com as suas adversárias e colegas (acima). Não se movimentando
em campo com especial dinamismo, nem sequer com graciosidade, a sua
contribuição para os consecutivos sucessos das equipas que integrava não
deixavam por isso de ser extremamente efectivas. E irritantes, por causa da ausência de emoção.
Na fotografia acima, que foi tirada durante os Jogos Olímpicos de Montreal (1976),
Semjonova aparece a lançar rodeada por toda uma frustrada equipa de cinco(!) japonesas que
tentam em vão impedi-la de o fazer, num jogo que a equipa soviética (que se viria a sagrar campeã em
duas olimpíadas consecutivas) ganharia tranquilamente por 98-75. Mas se
Semjonova se tornou num activo importante para a máquina de propaganda desportiva
soviética nesses anos de rivalidades da Guerra Fria, do outro lado, o contra-ataque centrou-se
na sua imagem disforme, na faceta assustadora do seu gigantismo. Não tardou que
a comparassem a Jaws (o actor Richard Kiel), apropriadamente um dos vilões bizarros (com dentes de aço...) dos
filmes de 007 James Bond…
30 outubro 2012
O LEILÃO DA VIRGINDADE
As
frioleiras só se tornam interessantes quando insólitas. Este moço aqui acima
chama-se Alexander Stepanov e dispôs-se a colocar a sua virgindade em leilão, num
leilão que decorreu à escala mundial, pela internet. A coisa foi pouco emotiva, houve poucos lances de
candidatas interessadas e acabou mesmo por ser um brasileiro a licitar mais alto… O moço confessa-se embaraçado, provavelmente por não ter antecipado essa maneira de perder
os três, mas pergunto-me porque é que não vejo razão para me condoer
dele?...
SANDY - UM FURACÃO INFORMATIVO MUITO MAIS ARRASADOR QUE O FURACÃO METEOROLÓGICO
Cada ano há dezenas de tempestades tropicais. Por convenção, elas são baptizadas com nomes começados
pelas letras sucessivas do alfabeto. A baptizada por Sandy será portanto a 18ª de 2012 – das formadas nas Caraíbas e América porque as da Ásia Oriental têm uma contagem e denominação autónoma… Nem todas têm o mesmo grau de violência, há mesmo uma escala,
mas muitas chegam a causar milhares de vítimas e milhões em prejuízos no caso de atingirem terra. Mas as
desgraças do Haiti, China, Cuba, Filipinas, parecem não ter qualquer comparação em destaque
noticioso aos sofrimentos que o fenómeno parece estar a provocar na Costa Leste dos Estados Unidos. Nada
como despropósitos como esta cobertura desmesurada do furacão Sandy, onde se dá um relevo
planetário ao que objectivamente não passa de uma notícia local, para se apreciar o grau de influência
mediática, de colonização mesmo, que os Estados Unidos exercem em todo o resto
do Mundo.
29 outubro 2012
E AÍ VÃO MAIS UNS QUANTOS…
Hoje aconteceu com a UBS, mas tornou-se um costume rotineiro as
multinacionais tentarem amenizar o fracasso dos seus resultados financeiros
anunciando-os acompanhados de planos de redução de pessoal que se cifram semprepelos milhares de trabalhadores despedidos – uma espécie de sublimação pelos
milhões em falta nos lucros. São
daqueles anúncios que se anunciam à jornalista: desacompanhados de qualquer
reflexão do significado do que se anuncia: se a empresa se permite prescindir
de todos aqueles milhares de trabalhadores, um de dois cenários se justifica:
a) a contribuição do seu trabalho é relevante e o seu despedimento vai ter impacto nos
resultados futuros da empresa o que é preocupante para a sua rentabilidade em bolsa; ou então b) essa contribuição é irrelevante e então o despedimento anunciado deveria
incluir os próprios gestores que a anunciam, porque demoraram tempo demais a
aperceber-se dessa ineficácia.
Na realidade, estes anúncios parecem possuir a seriedade de uma peripécia de telenovela de
hora de almoço: não me lembro da publicitação de qualquer relatório da execução
destas magnas reduções de pessoal apesar de sempre anunciadas com espalhafato. E o facto
da UBS ser uma organização pouco simpática, conhecida pelo seu eclectismo na
cativação de clientes (acima), torna a produção de um desses relatórios ainda
mais improvável. Mas suponho que o perigo não se centrará no despedimento dos
tais dez mil trabalhadores da UBS, despedimento esse que, se calhar, nem virá a
ter lugar: centra-se na leveza como o anúncio é feito, na sua contribuição
para a recriação de um certo espirito de menosprezo pela condição humana – parecido com o de há cem anos atrás, temperado de outros eventos
jornalísticos interessantes que já não se estranha reaparecerem: abaixo a notícia de 1919 do atentado contra Alfredo
da Silva, que era então o patrão da CUF…
28 outubro 2012
O DRAMA DOS SÓSIAS DE PALCO
O guarda da aldeia onde moram Zig e Puce, que tem o nome engraçado de Amadeu Fonducoeur, notabiliza-se por se exprimir sempre em verso. Os que conhecem as histórias dessas duas figuras clássicas da BD sabem que, por detrás dessa peculiaridade, está um drama, uma vocação dramática perdida por causa de uma semelhança infeliz com um comediante famoso, que fazia com que o infeliz Fonducoeur arrancasse descoroçoantes gargalhadas aos auditórios, apesar da seriedade dos papéis que interpretava.
Agora, que o programa semanal Governo Sombra se estendeu da TSF (rádio) para a TVI24, reforçei a minha impressão que um dos participantes daquele programa vive um drama muito parecido: Ricardo Araújo Pereira. Tanto que suspeito que o visado até já se resignou. Nem o imagino a fazer um comentário em sério e a sério no Governo Sombra com o receio de o auditório arrancar em gargalhadas, por causa da extrema semelhança da sua figura e voz com aquele membro mais alto dos Gato Fedorento.
MOMENTOS KODAK: PARA MAIS TARDE RECORDAR – 2
Momento de uma acção de campanha para as eleições legislativas de Março
de 2002 com o então presidente do PSD José Manuel Durão Barroso acompanhado da
candidata cabeça-de-lista por Castelo Branco, Maria Elisa Domingues. Abrir os
partidos à participação civil, como tantas vezes se apregoa, pode ter destas consequências e não me estou a
referir propriamente ao mau gosto do aspecto da criança ao colo de Durão Barroso,
que parece uma militante jihadista com o lenço na testa mais o vestidinho
folgado, apropriado para acomodar as cargas explosivas.
27 outubro 2012
«CONSCIÊNCIA TRANQUILA»
Agora é com Miguel Relvas mas, se há expressão mais abusada e de que mais se
abusa na comunicação social, é a da consciência tranquila. Parece que no
jornalismo só se encontram detentores de consciências dessas – das outras, as atormentadas,
por pior que seja a escroqueria praticada, não há quem as encontre… Se calhar
porque quem comete tais actos nem consciência terá: comete-os
inconscientemente e toma a inexistência de reacção interior por tranquilidade…de algo que não existe.
26 outubro 2012
MOMENTOS KODAK: PARA MAIS TARDE RECORDAR
Para que
mais tarde não nos venhamos a esquecer, o prazo de validade da estratégia orçamental do
governo de Pedro Passos Coelho terminou no mesmo dia do produto contido na lata
acima: no último dia de Abril de 2012 quando, para citar literalmente o que primeiro-ministro
dissera nos primeiros meses do ano, se configuraria a notícia correcta dos efeitos das medidas que ele (governo) adoptara no orçamento para este ano (2012). O resultado está cada vez mais à vista dos portugueses: foi um FIASCO, que ainda se tentou
apresentar inicial e eufemisticamente como uma evolução em linha, mas que divergiu
gradualmente a cada mês que passou entretanto para uma dissociação em coluna…
O CAPITÃO E O IMEDIATO
François Bourgeon (1945- ) é um
aclamado autor de BD que em vez dela poderia ter sido, com vantagem, um
excelente autor numa outra forma de expressão artística alternativa – em cinema,
por exemplo. Este par de imagens, que foi retirado do primeiro álbum da sua série
Os Passageiros do Vento (p.31), é um exemplo flagrante de uma cena mal
planificada, demasiado palavrosa para as duas cenas em que ficou compactada.
Mas o tema discutido é interessante e pode passar mesmo por propício aos tempos que
correm: o Capitão de um navio do Século XVIII (Pedro Passos Coelho), inseguro das
suas capacidades navais num momento de batalha decisivo, pendura-se na
capacidade e experiência do seu Imediato (Vítor Gaspar), que o é apenas por ser
menos qualificado do ponto de vista aristocrático. São especulações que nos ocorrem
quando surgem dúvidas entre quem parece mandar e quem manda mesmo e até demais…
25 outubro 2012
A QUEM PERTENCERÁ O «AMANHû?
Não considero a utilização desta cena do filme Cabaret (1972), onde a interpretação convicta de um cantor da juventude hitleriana galvaniza toda uma esplanada de convivas na Alemanha de Weimar, como uma evocação muito original. Mais. O impacto da cena é capaz de já ter sido muito malbaratado pela sua repetição pelos antifascistas do costume que, nestes quarenta anos passados, andaram sempre prestos a alertarem-nos para os lobos dos totalitarismos, que muitas vezes não passavam de latidos de cachorros, e mesmo nestes, só cachorros de algumas espécies que, na perspectiva dos antifascistas so costume, alguns totalitarismos de esquerda até podiam ser protagonizados por bichinhos felpudos…
Regressando ao significado da cena, seria simpático que Passos Coelhos e a trupe dele tivesse uma coisa por certa: se chegar o amanhã que o puto – deus nos livre disso – canta e considera seu – a canção intitula-se O Amanhã pertence-me – o actual primeiro-ministro português irá juntar-se a um caixote de lixo muito selecto, atestado de manobristas políticos (como os alemães von Papen ou von Schleicher) que não se aperceberam que estavam a presidir a uma tal mudança na sociedade tal que as regras políticas que os haviam levado até ali já não lhes valiam para nada para lá se perpetuarem…
Nota: Para quem gosta de analisar estas situações de debilidade perante o exterior de uma perspetiva financeiramente rigorosa, como parece ser o caso da equipa de Vítor Gaspar, convém tomar em consideração que enquanto o moço arrebatava a esplanada com a sua interpretação sobre o futuro, um outro (o terceiro...) plano mais suave de pagamentos devidos pela Alemanha aos Aliados vencedores da Primeira Guerra Mundial (o Plano Young) estava a entrar em colapso, apesar da suavidade do ritmo dos reembolsos estabelecidos para esse futuro, agora escalonado por um horizonte de 59 anos – i.e., a Alemanha teria acabado de pagar a dívida em 1988! Idiomaticamente, poder-se-ia escrever que a Alemanha acabou por não pagar a ponta de um corno. Em rigor, e porque não é pertinente excedermo-nos colossalmente na descrição da situação, é mais rigoroso escrever que a Alemanha terá pago a ponta dos ditos mas não mais.
24 outubro 2012
DEVERAS?!
No mesmo dia em que o ministro das finanças português afirma no nosso parlamento
que não existe qualquer margem de manobra negocial com a nossa troika, o seu homólogo
grego anuncia no parlamento dele ter concluído algumas negociações com a troika deles,
que resultaram, entre outras consequências, na prorrogação por mais dois anos do prazo de cumprimento do seu programa de ajustamento. Até se pode considerar não ser do nosso
interesse receber uma prorrogação idêntica à conseguida pela Grécia mas, perante
a coincidência e conhecendo-se a situação financeira relativa dos dois países, só se pode concluir ter
havido uma colossal manipulação da descrição da nossa posição negocial versus os representantes dos nossos credores. Enquanto Vítor Gaspar, que nos qualificou como o melhor povo do mundo, parece descobrir em nós cada vez mais virtudes, nós descobrimos nele cada vez mais defeitos...
A «WEATHERGIRL» DO VIETNAME
Atendendo à
qualidade técnica da imagem e ao estilo da roupa da apresentadora, é possível
datar o instantâneo da transmissão televisiva acima da década de 1960. E uns
conhecimentos adicionais de geografia permitem identificar no quadro por detrás
dela as fronteiras rectilíneas dos estados da região das grandes planícies centrais
dos Estados Unidos. Porém, a emissora de televisão que assim anunciava o boletim
meteorológico dos Estados Unidos por acaso estava sediada em Saigão... no Vietname do Sul.
A emissora até tinha uma designação típica de estação de televisão local americana, como
as havia às centenas nos Estados Unidos, uma associação de três a seis letras de que quase ninguém compreendia o significado: aqui a sigla era AFVN-TV.
Mas, enquanto a
AFVN Radio se veio a tornar mundialmente conhecida por causa dos delírios de
Robin Williams no filme Good Morning, Vietnam (acima), a AFVN-TV ainda permanece
injustamente na sua sombra. A característica mais marcante desta estação era o proprietário –
as forças armadas norte-americanas – e a sua audiência – os militares então destacados
no Vietname do Sul – os que conseguissem captar as emissões… É que, num país
carente do terceiro mundo como era o Vietname do Sul, não deixa de constituir
um paradoxo que as emissões de televisão tivessem arrancado em Fevereiro de 1966
e que, na substituição das torres emissoras e retransmissoras ainda por construir, a emissão do sinal fosse assegurada por aviões voando em círculos durante essas horas…
O sucesso da
AFVN é comprovado pela sua quota-parte de atentados com que o Vietcong o mimoseou:
na véspera de Natal de 1964; precisamente dois anos depois em 1966, a 3 de Maio de 1968, etc. Por outro lado, a AFVN-TV ia-se afirmando como um canal de televisão
de um formalismo militar, mas muito sui-generis, sobretudo no estilo destinado a animar a
malta, onde a curtíssima mini-saia da menina da meteorologia (Weathergirl),
que se pode apreciar nestas fotografias (ela chama-se Bobbie Keith), gerava compreensivelmente muito
mais popularidade do que qualquer outro apresentador… Pormenor curioso (ou
talvez não…): a parte mais apreciada da sua apresentação era a referente ao tempo
que fizera e iria fazer nos Estados Unidos propriamente ditos…
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23 outubro 2012
TRATADO DE VIDA
Durante o apogeu da Espanha franquista (1940s/50s/60s), Francesc Català-Roca fotografou este instantâneo de uma daquelas cenas de caridade natalícia - agora previsivelmente fadadas para recrudescer, não apenas em Espanha
mas um pouco por todo o lado da Europa meridional. Compreende-se isso de
imediato pela sobriedade das caixas que embrulham as bonecas - iguais - oferecidas àquelas
duas crianças. Mas o interesse excepcional da fotografia está nas expressões contrastantes
das duas recipientes: há ali quem se pareça acomodar com o que a vida lhe vai
dar; há quem ali já mostre intuição para apostar na rentabilidade de uma pose sofredora.
A NOIVA DO COWBOY
As contribuições para este poste espalham-se por uns trinta anos. Um Sivuca adolescente compôs a canção original em 1946, uns quinze anos depois Colin O'Brien fotografou o instantâneo acima e mais quinze anos passados Chico Buarque escreveu-lhe a letra que se lhe encaixa como uma luva. Há o mérito dos autores mas também vale a imortalidade dos sonhos e das brincadeiras da infância...
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22 outubro 2012
O DUKW DO PAI DO GREGÓRIO
DUKW é a designação técnica de um camião anfíbio de concepção norte-americana colocado ao serviço pelas suas forças armadas durante a Segunda Guerra Mundial (acima). A elaboração técnica que levou à denominação DUKW bem depressa foi simplificada pelos utilizadores para duck – a palavra inglesa para pato – que se mostrou mais do que mais adequada: foi um nome de sucesso que se percebia correspondente à funcionalidade do veículo.
Foram construídos mais de 20.000 ao longo da Guerra, além de vários outros milhares de cópias produzidas pelos soviéticos depois dela. A Ocidente porém sobravam viaturas anfíbias, remanescentes do conflito que acabara de terminar e que agora ninguém queria comprar (apesar de serem pechinchas) por causa dos custos de manutenção (40 a 60 litros/100 km em estrada, o quádruplo disso na água!).
Abstraindo-nos dessa realidade, torna-se muito engraçado ler estes episódios de Gregório, cujo pai era um banal pai de família holandês desses anos, que num impulso de saldos se atreveu a comprar um DUKW com o endosso entusiasmado do filho, viatura que lhe conferia uma outra personalidade, apesar de todas as críticas da vizinhança. E, quando se tem a idade do Gregório, não se dá tudo para ter um pai como aqueles?…
21 outubro 2012
ZORBA... E OS OUTROS GREGOS
Em 1964, com
o filme Zorba, o Grego, ter-se-á criado uma imagem global popular dos gregos, que era
personalizada pela figura desenrascada de Zorba, um grego simples e
entusiasmado, que dançava uma música tradicional que não tinha tradição alguma,
que era representado no filme por um actor de ascendência mexicana que era por sua vez dirigido por
um realizador cipriota.
As filmagens
tiveram lugar na ilha de Creta e, por coincidência, nessa mesma ilha e nesse mesmo ano, podem-se
apreciar estas outras imagens dessa mesma população local, como estas três velhas
cretenses então fotografadas por Irving Penn, num registo diferente ao do lugar-comum
das pessoas retrogradamente acolhedoras em paisagens turisticamente encantadoras.
Os gregos podem não se adequar ao formato bilhete postal: anos depois (1968) aprecie-se mais outra fotografia (de Ron Galella) de um outro grego famoso, Aristóteles Onassis. Ao contrário de
Zorba, Onassis não era simples nem simpático, e a fotografia que o mostra como
o Monstro que acompanha a Bela, não parece perdoar a um grego a ousadia do seu casamento com a viúva de John Kennedy.
AO RITMO DE UM «ASSASSINATO DE ROGER ACKROYD»
O Assassinato de Roger Ackroyd (1926) terá sido provavelmente o livro mais responsável por catapultar Agatha Christie para a notoriedade que a tornou na rainha de um certo estilo policial. O efeito fatal da história, guardado para o fim do livro, é que o assassino de que todos andam à procuram, e de que todos são suspeitos de ser, é afinal o próprio narrador que está a contá-la – que se aproveita da atitude descontraída e desatenta dos leitores daquele estilo literário para não nos escamotear uns quinze minutos cruciais da sua vida (peço desculpa por alguma imprecisão colateral: estou a citar de memória). Sendo um estilo específico, ele há quem parece ler e escrever essa mesma ligeireza em que não se dá
pelas omissões do doutor Sheepard - o tal que ajudou Hercule Poirot a desmascarar-se a si próprio.
A outra história que me fez lembrar a de Roger Ackroyd, redigida para um público com essa mesma disposição descontraída, apareceu num blogue aqui da vizinhança, é engraçada e versa o tema dos companheiros que se apanham numa longa viagem de avião, predispostos a usar a conversa como terapia ocupacional para o tempo de voo enquanto a nossa é outra… No caso do narrador desta outra história, é a leitura de livros, revistas, jornais, todos em francês, já que ele ocupa vários cargos em Paris. E é lá para o fim da historieta que, quiçá leitor severo demais para um blogue daqueles, tropecei com o meu momento Roger Ackroyd, ao ler a confissão do narrador que duas horas depois do início da viagem já despachara um recém saído livro de 300 páginas, La Nuit et le Jour de Henri Guaino, um ex-assessor de Sarkozy.
O resultado cronometrado disso equivale a uma leitura a um ritmo médio ininterrupto de 24 segundos por cada página durante aquelas duas horas, o que diz imenso sobre: a desenvoltura do leitor em francês (nem uma palavra que suscitasse dúvidas?); a sua capacidade de concentração (nem uma interrupçãozita sorridente da hospedeira a perguntar se beberia qualquer coisa?); a resistência da sua bexiga (…?). Pelos vistos, em França tais proezas ainda passarão por verosímeis e os comentadores daquele blogue validam-nas por boas. Em Portugal, mesmo perante um auditório subqualificado como o da TVI, não: até o próprio Marcelo
já se deixou de dizer que lia todas aquelas dúzias de livros que apresentava por causa das suas insónias nocturnas...
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20 outubro 2012
«VOYEURISMO», MAS SÓ DO QUE É PERMITIDO «VOYER»
E, por falar nos dois protagonistas do vídeo imediatamente abaixo, gostaria de mostrar este par de fotografias que foram feitas em Londres nos princípios dos anos 70 e onde aparecem reunidos à mesma mesa uma tripla de celebridades do rock & roll: Lou Reed (sem óculos escuros...), Mick Jagger e David Bowie. Mas a interessante é a outra fotografia dessa mesma altura e local, a que apanha o momento em que o primeiro e o último se beijam na boca diante de Jagger. Dispensam-se explicações porque teria sido uma fotografia de arromba na primeira página do jornal do dia seguinte… que não foi. A tão propagada pulsão do voyeurismo que força a imprensa a reacções comerciais afinal tem momentos menos... compulsivos. Este é apenas um exemplo velho de quarenta anos para que não nos restem dúvidas que, quando se invocam esses motivos para que as fotografias dos mamilos de Kate Middleton sejam cabeçalhos de jornal, a causa não são, garantidamente, os ditos mamilos…
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DANÇANDO NA RUA & PANELEIRANDO NA TELA
Ontem, as imagens da tela do restaurante onde jantei estavam activas, sintonizada na MTV, mas o som demasiado distante para que se deixasse ouvir. Videoclips que já conhecia doutras eras tornaram-se assim uma (péssima) revelação, apreciados apenas sob a sua (in)estética visual, como este Dancing in the Street acima da dupla Jagger & Bowie que, do dançando na rua, se lhe tirarmos o som, se fica por uma coreografia ridícula de espectáculo de drag queen apenas moderado pela inexistência das tradicionais roupas exuberantes...
19 outubro 2012
PYRAMIDEN
As cidades fantasmas tradicionais das histórias costumam
situar-se no velho Oeste americano, são o resultado do fervor súbito por um
minério nobre – o ouro, de preferência – que se localizam normalmente num filão que se vem a
revelar escasso e que rapidamente se esgota. De todos essas características lendárias,
Pyramiden (acima, à direita, o monumento da cidade) apenas cumpre a de ser uma genuína
cidade fantasma.
Pyramiden (Пирамида no original) foi uma
cidade russa/soviética localizada no Arquipélago de Svalbard, junto ao círculo
polar árctico (vejam-se os mapas acima), que chegou a contar com cerca de um milhar
de habitantes que trabalhavam à volta de uma concessão mineira…mas de carvão. Instalada
em território norueguês mas explorada por soviéticos a cidade era simultaneamente uma vanguarda do império soviético e um
mostruário do socialismo.
É assim que, apesar de a cidade ter sido abandonada em 1998, ainda
se podem encontrar nas paredes que o tempo congelou cartazes demonstrativos de uma rivalidade confrontacional
de guerra-fria, como este soldado soviético que apela em várias línguas: Para
Oeste! Muito melhor que isso, não há como um busto de Lenine bem preservado deixado para trás para
nos evocar o sabor especial do socialismo dos bons velhos tempos…
Mas os poucos anos pós-soviéticos ainda foram suficientes
para que a cidade gelada se enfeitasse com os símbolos esquecidos e recuperados da Rússia
eterna, a de Ivã-o-Terrível e de Pedro-o-Grande. Ao fundo, mesmo defronte do
Lenine mais setentrional da Terra, pode reconhecer-se um urso polar que se passeia orgulhoso
pelo topo do Mundo com a paisagem árctica por detrás - como que questionando Lenine se a sua ideologia será indispensável para o destino imperial da Rússia.
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