30 junho 2012

É TUDO GENTE SÉRIA…

O meu realce da notícia da multa record de 360 milhões de € que foi atribuída ao Banco Barclays por causa da manipulação das taxas de referência (Libor e Euribor) vai, não para a notícia em si, mas para a forma como ela é especialmente tratada pelo Jornal de Negócios, órgão da nossa imprensa especializada. Indo por ele, o mais importante em toda aquela bronca é o pormenor responsável dos administradores do dito banco terem abdicado dos seus direitos a bónus como consequência do escândalo. Como se tudo não tivesse passado de uma traquinice de que agora se arrependiam. Como no filme de Martin Scorsese (acima), estar-se-ia perante gente honrada, não se desse o pormenor, noticiado já há uns tempos pelo mesmo jornal, que essa parcela da remuneração já havia sido cortada por causa dos maus resultados alcançados pelo Barclays no ano passado. Mas é sempre simpático anunciar-se que se renunciar a algo, sobretudo quando já não se o tem… É embaraçoso é um jornal especializado – e é caso para perguntar: especializado em quê? – noticiar uma coisa e outra e esquecer-se de fazer a respectiva sinapse.

29 junho 2012

O MAIS FAMOSO ORGASMO DA HISTÓRIA DO CINEMA


O mais famoso orgasmo da história do cinema não se deve exclusivamente a Meg Ryan. A elaboração das personagens principais do filme When Harry Met Sally deverá muito à própria e a Billy Cristal que com ela contracena, mas a dinâmica das perspectivas distintas dos sexos opostos que atravessa todo o filme e que lhe dá aquele o seu carácter único, vai-se inspirar muito – confissão dos próprios – às características pessoais do realizador, Rob Meathead Reiner e da argumentista, a recém-falecida Nora Ephron a quem assim pretendo homenagear, e à forma como se chocaram ao longo da rodagem do filme. Por curiosidade, a famosa frase final da cena – I’ll have what she’s having – é proferida pela mãe de Reiner, Estelle, então com 75 anos…

28 junho 2012

A NOTÍCIA E A NÃO NOTÍCIA

Eu gosto de notícias tão instrutivas quanto inesperadas, como esta do cabeçalho acima. Miguel Veiga costumava ser apresentado nos media como uma das figuras históricas do PSD. Era por causa dessa condição de histórico que os mesmos media lhe atribuíam um ascendente intelectual e moral que se traduzia numa projecção inexplicável que era dada às suas opiniões. Sempre me intrigou, mas não será para este caso relevante estabelecer se Miguel Veiga será realmente histórico ou ainda se, sendo-o, esse estatuto mereceria a importância que era conferida àquilo que dizia. Agora ter sido condenado com uma acusação de plágio é bastante mau

E não é apenas por ter existido plágio. É pelo facto do autor do texto plagiado não poder ser considerado um dos pensadores de vanguarda da filosofia ocidental¹. Pior ainda, foi a convocatória do sector intelectual/tripeiro do PSD com Vasco Graça Moura e José Pacheco Pereira acompanhados ainda do omnipresente Professor Marcelo que vieram dar uma conotação política àquilo que não passa de uma fraude intelectual. E claro, na onda de popularidade que o tem acompanhado de Norte a Sul do país, tinha mesmo que calhar a Cavaco Silva ter a sorte de se deixar fotografar recentemente junto ao réu, conforme aparece na revista Caras da semana passada
¹ João Sousa Dias é professor de Filosofia na Escola Artística Soares dos Reis no Porto.

KOLBERG

A cidade de Kolberg, que se situa junto ao Báltico, foi o palco de um episódio maior do patriotismo germânico, quando a praça prussiana, comandada pelo seu governador militar August von Gneisenau conseguiu resistir invicta entre Março e Julho de 1807 ao cerco de um exército invasor francês. Em 1944 a Alemanha voltava a ver-se perante a mesma possibilidade de uma outra invasão de tropas estrangeiras e no III Reich atribuiu-se um tal valor de propaganda a esse episódio de Kolberg que se fez um filme a esse respeito. O filme mobilizava meios – sobretudo figurantes – como nunca se vira até então na Alemanha: milhares de soldados foram mobilizados apesar da guerra em curso. O filme foi terminado em Janeiro de 1945 mas, como se pode ver abaixo, mal escondia os seus propósitos de propaganda: apesar do guarda-roupa, o Gneisenau que ali ouvimos discursar não se distingue de um dirigente nazi decalcando o estilo de Adolf Hitler…

Ironicamente, dois meses depois da estreia do filme e 138 anos precisos depois do primeiro cerco, Kolberg voltou a ser cercada, agora pelos exércitos soviéticos. Só que dessa vez só conseguiu resistir duas semanas embora a cidade tenha ficado quase totalmente (80%) destruída. Ainda mais ironicamente, depois da Guerra, a maioria da população – que era alemã – foi expulsa e hoje Kolberg, com o nome de Kołobrzeg, tornou-se uma cidade polaca

27 junho 2012

ENTRAR A GANHAR POR 0,25 a 0


Como aconteceu nas meias finais do Campeonato do Mundo de Futebol de 2006, mais uma vez Portugal e Itália interpõem-se naquela que parece ser a composição desejável da final de um Campeonato de Futebol. A novidade deste Euro 2012 é que essa composição já não se deduz, foi prestimosamente anunciada pelo desbocado Michel Platini. Acontece que em 2006 essa final desejável (Alemanha - França) não teve lugar: se a França conseguiu superar Portugal com um golo alcançado através de uma grande penalidade - inquestionável! - a Alemanha desperdiçou a sua grande penalidade - também inquestionável! - diante de Buffon e foi arrastada para um prolongamento onde o acaso fez das suas numa última jogada ao cair do pano... São estes pequenos imponderáveis - que culminaram com a cabeçada de Zidane e o título dos italianos - que mostram que os azares ainda acontecem e dão interesse à coisa porque, no futebol de topo da actualidade, as marcas do placard do estádio, por estarem arredondadas, não contam a verdade toda: esta tarde, a acreditar em certos factores, a Espanha poderá entrar em campo a ganhar por uns 0,25 a 0... 

Nota: Se, entre hoje e amanhã, Platini acertar na sua previsão não se livrará dos comentários irónicos sobre como, para uma próxima vez, não será preciso mobilizar tanta gente, tantos recursos e tantas selecções; ele convida a dupla que entender e, numa tarde, o título europeu fica entregue...

26 junho 2012

STALIN, O MELÓMANO


A peça musical acima é o pouco conhecido Concerto nº 23 em Lá maior de Mozart. Provavelmente, ao leitor não interessará ouvir os 23 minutos que demorará a sua execução, se eu lhe explicar que o que mais interessará para esta minha história é a identidade da solista desta versão: Maria Yudina (1899-1970), que era uma pianista soviética muito apreciada por Stalin. Certa noite, Stalin passou uma parte do seu serão ouvindo rádio, onde nesse dia se transmitia uma interpretação muito parecida com esta (de 1943) do Concerto nº 23 de Mozart com ela ao piano. E tanto terá gostado dela que mandou que a rádio lhe mandasse uma gravação… que não existia: o programa fora transmitido ao vivo e não ficara registado.

Contudo, a União Soviética sob Stalin era uma sociedade socialista muito avançada, onde não se brincava em serviço, senão a brincadeira arriscava-se a terminar na Sibéria – ou com consequências ainda piores… E foi assim que, assinalando mais uma evidência do progresso socialista, uma sonolenta Maria Yudina foi tirada da cama a meio da noite para se ir juntar ao mesmo grupo de músicos num estúdio de gravação de Moscovo onde se repetiu, gravando, madrugada fora, a interpretação do Concerto nº 23 que tanto agradara ao camarada Stalin. E eles não foram os únicos a terem uma madrugada agitada pois no dia seguinte, o disco, acabadinho de prensar, já lá estava no Kremlin…

O que a História perdeu foi o registo do número de vezes (se alguma...) que Stalin o terá ouvido, ao disco da madrugada, mas deve ser um gosto para aqueles comunistas que nunca esmoreceram, nem depois do Muro, ouvir estas histórias de outrora sobre a eficácia do Verdadeiro Socialismo

COMO CAVALOS QUE SÓ SERVEM PARA COLA

Retirados de um livro qualquer, eis três esquemas da evolução do sistema de alianças globais ao longo da Segunda Guerra Mundial, reproduzindo as posições em 1939, as redefinições de 1941 e as conclusões depois de 1945. Trata-se de exemplares daqueles meios pedagógicos auxiliares que será forçado criticar mas para os quais, sinceramente, nunca se vê grande utilidade...
À força de terem de ser simples, o conteúdo informativo destes esquemas é sintetizado, omitindo por isso os casos particulares - para dar um exemplo neste caso concreto, isso acontece com a evolução das relações entre a União Soviética e o Japão (potência do Eixo) que foi distinto do apresentado: houve uma guerra em 1939, paz de 1939 a 1945, e outra guerra em 1945...
Finalmente, os esquemas explicam evidências. E a minha pergunta de fundo relaciona-se com a existência de leitores para os quais eles tenham uma real utilidade esclarecedora. A existirem, receio que a sua competência sobre o assunto seja como a incapacidade demonstrada pelos cavaleiros abaixo - que os esquemas acima equivalem aos cavalos tão mansos lá citados, daqueles que só servem para cola...

24 junho 2012

STALIN, O AVOZINHO

 A fotografia acima foi publicada na primeira página do Pravda em Junho de 1936, quando se estava ainda nos primórdios da era que viria a ser conhecida como Yezhovshchina, época em que 724.000 quadros soviéticos foram condenados à morte e executados. Mas a imagem que nos é transmita por Stalin nessa fotografia situava-se nos antípodas desse ambiente, empunhando um ramo de flores e abraçado a uma rapariguinha de seis anos que se chamava Engelsina (Gelya) Marzikova. A fotografia fora tirada durante uma recepção a uma delegação regional do partido comunista da República Socialista Soviética Autónoma da Buriácia, região que faz fronteira com a Mongólia e o pai de Gelya, Ardan Marzikov, era o segundo secretário local do partido.      

Não era apenas Stalin armado em avozinho, era um avozinho que mostrava simpatia por uma das minorias étnicas do império soviético. A cena tornou-se famosíssima, projectada nos noticiários de todas as salas de cinema (acima), afixada em cartazes por todo o lado (abaixo), chegou mesmo a ser esculpida! Porém, o que a torna mais interessante pelo seu simbolismo é a história posterior da infeliz Gelya Markizova. No ano seguinte e por causa da Yezhovshchina o seu pai foi preso e fuzilado, a mãe também foi presa e desterrada para o Cazaquistão, onde veio a morrer em circunstâncias misteriosas em Novembro de 1940. Aos dez anos, órfã e aos cuidados de uma tia, Gelya Markizova mudou-se para Moscovo, alterando o nome, conseguindo desaparecer de circulação

A HONRA DOS ALMIRANTES E GENERAIS ALEMÃES

No final da Segunda Guerra Mundial, houve 53 de 554 generais do exército alemão (Reichsheer), 14 de 98 dos da força aérea (Luftwaffe) e ainda 11 dos 53 almirantes da sua marinha de guerra (Kriegsmarine) que se suicidaram¹. Em percentagem, isso representou 10% dos generais de terra, 14% dos generais do ar e 21% dos almirantes do mar. Conhecendo-se as características do conflito e a participação relativa nele de cada um dos ramos da Wehrmacht², fica a constatação que a intensidade como os seus oficiais generais conceberam o seu conceito de honra no final do mesmo terá variado - estranhamente... - na proporção inversa ao engajamento do seu ramo na Segunda Guerra Mundial…
 
¹ Christian Goeschel, Suicide in Nazi Germany  
² Para orientação sobre qual a contribuição relativa dos ramos, em Junho de 1941, o Reichsheer contava com 4.900.000 efectivos (72,5%), a Luftwaffe com 1.485.000 (22,0%), a Kriegsmarine com 298.000 (4,4%) e as Waffen SS com 80.000 (1,1%). 

23 junho 2012

EX PRESIDENTES E «ANTIGAS» FORMAS DE NARRAR A HISTÓRIA

De um venerando livro escolar sobre História de Portugal cá de casa recuperei as duas fotografias da direita deste mosaico acima, os marechais Gomes da Costa (1863-1929) e Óscar Carmona (1869-1951), que foram respectivamente o segundo e o terceiro presidentes da República após o golpe militar de 28 de Maio de 1926, do qual veio a resultar a instauração do Estado Novo, regime que ainda vigorava quando o venerando livro foi publicado. Mas não era apenas pelas imagens que se notava um esforço para sonegar a importância daquele que fora o antecessor daqueles dois, o almirante Mendes Cabeçadas (1883-1965), atente-se só à redacção dos acontecimentos constante do livro escolar:

Foi contra essa situação verdadeiramente grave que o exército e a marinha resolveram fazer (…) um golpe político renovador. Chefiaram a revolta militar, entre outros, o almirante Mendes Cabeçadas, um dos fundadores do regime republicano e o general Gomes da Costa, herói de África e antigo comandante das tropas portuguesas na Flandres. Bernardino Machado entregou o poder pacificamente ao almirante Cabeçadas, enquanto Gomes da Costa, vindo de Braga, marchava para Lisboa à frente do exército.
Gomes da Costa tomou em breve a chefia do Estado e Cabeçadas afastou-se. Em volta do general havia republicanos e monárquicos (…) mas foi resolvido governar sob forma de ditadura militar, não discutindo o regime. Poucos meses depois, Gomes da Costa era substituído por Carmona, general sem passado político, como aliás Gomes da Costa. (…)

Mas afinal, pelas datas precisas descobre-se que o presidente Bernardino Machado (1851-1944) ainda esteve três dias à espera de ver em que é que paravam as modas antes de se decidir a ceder o poder a Mendes Cabeçadas (31 de Maio). O golpe congeminado pela facção mais dura do movimento para afastar este último teve lugar pouco mais de duas semanas depois, a 17 de Junho. E Gomes da Costa também não durou muito mais do que três semanas no poder: o golpe que o depôs teve lugar a 9 de Julho. Contudo, o segredo para aquela diferença de tratamento entre os dois (Cabeçadas e Gomes da Costa) está nas datas dos seus falecimentos: enquanto Gomes da Costa morreu logo em 1929 e pôde ser recuperado para a hagiografia do Estado Novo, Cabeçadas só veio a falecer em 1965, sempre pessoalmente hostil ao regime de que fora um patrocinador inicial.

Era assim que se escrevia a História. Não se trata de uma questão de posicionamento político mas de estilo. Tanto, que ainda há quem a escreva assim, mesmo quando, alegadamente, se manifestam preocupados com a nossa memória.

22 junho 2012

A GRÉCIA TERRESTRE E A GRÉCIA SIDERAL

Ainda a propósito da Grécia, uma possível explicação sardónica para a decadência grega será que a nata da sua civilização, os atlantes, se viu forçada a emigrar para o espaço, conforme as imagens fixadas (acima¹ e abaixo) por Edgar P. Jacobs no final de O Enigma da Atlândida 
¹ O que eu nunca me resignei, naquele enredo, foi à ausência de uma explicação para o reenchimento da Lagoa das Sete Cidades...

OHÍ OAI O PAI MORREU ATROPELADO

Quem se lembrar da velha anedota, recorda-se que o miúdo gago teve que cantar, para anunciar à mãe (por sugestão dela...) aquela funesta notícia. Neste outro caso moderno, as notícias continuam a ser muito desagradáveis mas a música é fornecida pelo futebol e o mensageiro – Vítor Gaspar – não gagueja mas fala muito de-va-gar. Que se aproveitou da euforia nacional causada pelo apuramento da selecção no Euro 2012 para nos dar conta que a execução orçamental é um fiasco. Significativamente, a notícia do Público a esse respeito data das 0H31 de hoje - ou seja, horas depois do jogo.

Nem se esperou que o ministro regressasse do Luxemburgo e se organizasse uma conferência de imprensa em boa e devida forma no Terreiro do Paço como acontecera no mês anterior: foi logo ali que se espetaram, quais bandarilhas, as más notícias quando no ar ainda pairava a boa disposição! Com o balanço, os assessores tentaram usar ainda a ocasião para, via TSF, tentarem amenizar a imagem hiperfleumática de Vítor Gaspar, descrevendo-o postado à frente da TV a vibrar com o jogo da selecção – mas parece-me que, maior o esforço, mais ele se parecerá com o Droopy…

21 junho 2012

ALEMANHA - GRÉCIA

O sketch já vai completar 40 anos. Há, entre os seus autores, os Monty Python, quem o considere desactualizado, porque a maioria das audiências já não conseguirão acompanhar as referências aos filósofos que nele aparecem - nomeadamente deixarem escapar o pormenor, na equipa alemã, de que Franz Beckenbauer era realmente um jogador de futebol... Mas a evocação desse passado pretensamente sábio, suscita-me a pergunta se terá havido alguma vez essa maioria a acompanhá-las, às referências filosóficas?... Mas o sketch torna-se novamente actual, a pretexto do encontro de amanhã do Euro 2012, em que parecem vir a encontrar-se, mais do que duas selecções, duas concepções de Europa - connosco a torcer, como nos é próprio, pelo desgraçadinho grego. Mau grado as nossas simpatias e, ao contrário do que acontece no sketch, como costuma ser costume, a bola vai ser redonda e hão-de ser onze de cada lado e no fim arrisco predizer que irá ganhar a Mannschaft... (Predisse, e predisse muito bem: 4-2)

FASCISTAS… GREGOS?

 Há cerca de um ano foi publicado em Portugal o livro acima. O autor é um sociólogo britânico (Michael Mann) que lecciona e trabalha principalmente nos Estados Unidos. A edição original data de 2004 mas, tratando-se de um tema que costuma suscitar tanta relutância em ser abordado, a sua publicação em português vem a revelar-se muito útil. A edição portuguesa distingue-se pelo destaque que é dado na capa ao prefácio de António Costa Pinto – 18 páginas. Compreende-se o expediente comercial: quase ninguém saberá quem é o autor enquanto o prefaciador é um daqueles que costuma dar na televisão. O contributo de Costa Pinto vem a tornar-se importante porque procura colmatar uma das graves lacunas do livro: a ausência de referências a Portugal...
 O livro começa por uma análise sociológica dos fascismos, relembrando aquilo que, sendo óbvio, foi durante décadas deliberadamente omitido, para hoje se tornar esquecido: que, nascendo como reacção aos excessos do capitalismo liberal, a estrutura social dos militantes fascistas não se distinguia substantivamente de outras ideologias partilhando essa mesma génese – nomeadamente dos comunistas. O caso emblemático é o de Benito Mussolini (acima), que começou por ser o editor do Avanti!, o jornal oficial dos socialistas italianos, mas há milhares de outros exemplos de militantes que transitaram da extrema esquerda para a extrema direita (e em sentido inverso…) por aquele túnel que aproximava todos os que preconizavam soluções totalitárias anti-democráticas.
 Posteriormente, o livro procura explicar as causas para a ascensão daquela ideologia na Europa dos dois decénios de entre as Guerras (1919-39). E vai procurar fazê-lo através do que ocorreu em vários países europeus: Itália, Alemanha, Áustria, Hungria, Roménia e Espanha. O autor escolheu casos canónicos como o italiano. Outros são mais curiosos do que importantes: o austríaco – poucos se dão conta que a Áustria já era uma ditadura fascista antes da Alemanha a anexar em 1938 (o Anschluss). Noutros ainda, a história é protagonizada por confederações de organizações autoritárias da direita nacionalista e não exclusivamente por fascistas: os casos da Hungria, Roménia e Espanha. Finalmente, há os casos dos países que o livro esqueceu: Portugal, a Grécia ou a França de Vichy. 
 Não fora o preâmbulo de António Costa Pinto e Portugal não apareceria neste Fascistas que afinal inclui vários outras contribuições não fascistas. Mas foi mais recentemente, ao consultá-lo a propósito da Grécia e do regime do general Metaxas (nas duas últimas fotografias) que melhor me apercebi das lacunas – e do pretensiosismo implícito do título – do livro de Mann. Tratava-se – agora sem possibilidade de acusações de facciosismo patriótico… – de uma outra omissão grave. Onde o ponto comum mais óbvio que encontro nos dois regimes (português e grego) – e não insinuo com isso que tenha sido essa a causa do esquecimento de Mann – é o facto de qualquer deles ter colocado os seus interesses estratégicos antes dos alinhamentos ideológicos durante a Segunda Guerra Mundial.
Em suma e quanto ao livro: se sobre estes tópicos aceitarmos que em terra de cegos quem tem olho é rei, vale a pena destacar que neste caso o rei é zarolho…

20 junho 2012

RACISMO

A fotografia é de Elliott Erwitt (1928-    ).

TV NOSTALGIA – 68


A personagem de MacGyver até era simpática, creio que aquilo que a tornaria insuportável de inverosímil era a infalibilidade de todos os seus improvisos. Ou seja, até se aceita que houvesse um herói engenhoso, mas agora um cujos esquemas funcionavam sempre à primeira tentativa?...Tornava-se irritante. E, quando leio por aí que a execução orçamental está em linha com o estabelecido, pela improvisação lembro-me logo dele...

19 junho 2012

O MARÇANO



Kurtz: – Eles chegaram a dizer-lhe, Willard, porque é que queriam acabar com o meu comando?
Willard: – A minha missão é classificada, meu coronel.
Kurtz: – Deixou de ser classificada, não é verdade? Chegaram a dizer-lhe?
Willard: – Disseram-me que tinha enlouquecido completamente e que os seus métodos se tornaram preversos.
Kurtz: – E os meus métodos são preversos?
Willard: – Sinceramente, meu coronel, não vejo qualquer método.
Kurtz: – Estava à espera de alguém do seu género. De que é que estava à espera? É um assassino?
Willard: – Sou um soldado.
Kurtz: – Não é uma coisa nem outra. É um marçano, enviado por merceeiros para cobrar a conta.

Neste filme, é difícil antipatizar com o dilema de Willard, conhecida a sua missão de assassinar o seu compatriota e camarada Kurtz, mas também é impossível discordar de Kurtz quando este menoriza o seu interlocutor tratando-o displicentemente por marçano (errand boy) ao serviço de interesses que em muito o ultrapassam… É isso que me torna aquela frase cada vez mais recorrente nos dias que correm, todas as vezes que penso em Pedro Passos Coelho…  

A LIDERANÇA ALEMÃ

Sempre que há referências à política Europeia e ao papel decisivo nela representado pela Alemanha, os subentendidos do discurso apontam-nos para a visão estratégica de águias como Otto von Bismarck (1815-1898). Mas tomemos, para contraste, o exemplo de um outro estadista alemão de origem nobre, este que aparece na fotografia acima a fazer-nos lembrar o popular Manuel – Não Cantas Puto!... – Moura dos Santos. Lutz, Conde (Graf) Schwerin von Krosigk (1887-1977) foi o ministro das Finanças da Alemanha de Junho de 1932 (portanto ainda antes da chegada de Hitler ao poder) até Maio de 1945. Seria tão tecnocraticamente neutro que os nazis nem se incomodaram a afastá-lo. Isso que não quer dizer que não se mostrasse um ministro diligente, aplicado e preocupado.

Em Janeiro de 1945, a três meses do fim da Guerra, o ministro das Finanças compilou um inquietante dossier que foi distribuído pelas figuras gradas do III Reich como Hitler, Himmler, Bormann e Goebbels. Nele se estabelecia que a actual situação financeira e monetária do Reich se caracteriza pelo aumento acentuado das despesas militares, a diminuição das receitas fiscais, o aumento da moeda em circulação com a consequente diminuição do seu poder de compra – ou seja, a tão temida inflação… Por isso, concluía-se, era preciso contrariar urgentemente essas tendências inflacionistas, reduzindo as despesas governamentais, aumentando o preço das tarifas postais e ferroviárias e os impostos sobre itens como o tabaco, o álcool, os bilhetes de cinema ou as actividades hoteleiras...

Contudo, para quem pensar que Schwerin von Krosigk delirava enquanto propunha promover uma reforma fiscal num regime que se preparava para entrar no seu colapso total, diga-se que, meses depois, o almirante Karl Dönitz (1891-1980) o escolheu precisamente a ele para encabeçar o seu governo quando em Maio de 1945 sucedeu a Hitler. Durou umas três semanas esse tal governo que se mostrou incapaz de exercer qualquer autoridade numa Alemanha já quase toda ocupada pelos Aliados… Ao lado dos Bismarcks, há esta escola do pensamento político-administrativo na Alemanha cujos protagonistas se mostram capazes, em situações limite, de dar mostras de uma abstracção total diante de colapsos apocalípticos. Desconfio que Angela Merkel seja mais discípula desta última escola…  

18 junho 2012

«LE GRAND CHARLES»

Como se pode apreciar acima, Charles de Gaulle era mesmo muito alto. Todavia, se os membros da sua entourage se referiam nas suas costas (como prova de respeito) ao general como Le Grand Charles (que também é o nome de uma mini-série biográfica para televisão) estariam a referir-se mais às características da sua personalidade – a começar pelo seu infindável ego! – do que propriamente aos seus 1,94 metros de altura.
Uma tal estatura era um bónus para a imagem da França por ocasião das fotografias protocolares. Numa troca de cumprimentos com Léopold Senghor do Senegal (acima) não se prestava a dúvidas sobre quem fora a potência colonial. Contudo, ao mesmo tempo, era um pesadelo para a segurança. É que Le Grand Charles constituía, mesmo por detrás dos vidros opacos de uma janela de um gabinete, uma silhueta inconfundível…

NEM LÁ VOU, NEM LÁ FAÇO FALTA

Decerto que todos já teremos encontrado exemplos parecidos com a mensagem que nos é transmitida pela linguagem corporal da lojista desta fotografia acima… Como diz o ditado popular: Nem lá vou, nem lá faço falta. Contudo, a curiosidade aqui é o facto da fotografia ter sido tirada em 1989 na União Soviética, ou seja, numa sociedade que culturalmente interiorizara essa atitude de desresponsabilização profissional. Tratava-se de momentos que se iriam tornar brevemente num canto de cisne do modelo mas isso tanto o fotógrafo como a fotografada não podiam antecipar.

O que é anacrónico é, mais de 20 anos passados e quando entretanto o Mundo sofreu transformações radicais, ver pessoas que em Portugal parecem continuar enquadradas por aquele mesmo mapa mental Quando vejo as greves de hoje a serem protagonizadas pelos trabalhadores efectivos da função pública ou de empresas estatais que não correm o risco – até ver… – de cessarem a actividade, como a CP, a Carris, a Transtejo ou o Metro, pergunto-me quantos deles se aperceberão do quão privilegiados são e de como isso deixou de acontecer com todo o resto da sociedade?
(Acima, é Ana Avoila discursando perante esse proletariado do Século XXI, que ainda gosta de ouvir mensagens revolucionárias, mas instalado à sombra…)

17 junho 2012

A DIREITA NA TELEVISÃO


Muitas das discussões a que assisti sobre ser-se de esquerda ou de direita acabam por se revelar pueris. E costumam sê-lo porque, mau grado a sofisticação dos argumentos dos intervenientes, as posições assumidas acabam normalmente por assentar em estereótipos e preconceitos sobre os contrários. É a troçar com isso que aqui insiro este pequeno momento de televisão protagonizado por uma apresentadora (a britânica Cat Deeley) que me parece indubitavelmente de direita…

NOVILÍNGUA

Novilíngua era o idioma criado pelo governo totalitário de Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, a obra genialmente actual de George Orwell. Obviamente, Orwell não terá adivinhado propriamente as palavras da novilíngua que se iriam forjar no futuro mas antecipou certamente a concepção e o formato como elas iriam ser forjadas – além das inverdades, das imparidades, dos ajustamentos ou das execuções orçamentais em linha, houve agora um cromo de uma agência qualquer que descobriu que é menos assustador para a opinião pública comunicar-lhe que a taxa de emprego caiu do que dizer, como se fez nestes cinquenta anos precedentes, que o desemprego aumentou. E, não havendo totalitarismos como os preconizados por Orwell, vale a pena constatar que os meios à disposição de quem governa não se comparam com os de quem se lhe opõe, confira-se pelo facto de uns serem pagos para criar estes malabarismos da língua, mas não se costumar remunerar os outros que os denunciam…  

16 junho 2012

A LÍNGUA DE ALBERT EINSTEIN

Como muitos dos grandes momentos, os que precederam a famosa fotografia em que Albert Einstein aparece a deitar a língua de fora também está revestido de casualidades. Ela foi tirada no dia em que Albert Einstein completava 72 anos – 14 de Março de 1951 – à porta do Princeton Club, local das celebrações do evento. Quando o aniversariante se vinha embora, havia uma chusma de fotógrafos à sua espera. Vendo isso, um dos convivas, o Dr. Frank Aydelotte e a sua esposa, ofereceram-se para lhe dar boleia, embora isso não tivesse desencorajado os fotógrafos que ali haviam esperado horas. Enquanto se acomodavam no carro, e no meio de uma torrente de pedidos para que sorrisse pela enésima vez naquele dia, Einstein teve aquela reacção momentânea de saturação e desabafo que apenas foi captada pela câmara de Arthur Sasse...
Surpreendentemente, a decisão de a publicar foi muito reflectida: não se adequava aos padrões da época – relembre-se que se estava nos anos cinquenta – exibir aquela faceta menos convencional de um académico reputadíssimo. Quem adorou a fotografia foi o próprio Einstein que pediu várias cópias para si, recortadas sem os acompanhantes, com o formato que agora conhecemos. A título póstumo, a irreverência de Einstein veio mostrar-se adequada à década que se seguiu e a fotografia tornou-se uma das favoritas para a selecção final entre aquela dúzia que simbolizará o Século XX. Porém, normalmente não é a escolhida em primeiro lugar. É possível que isso venha a acontecer mas só daqui por séculos, quando, como acontece actualmente com Leonardo da Vinci, se se puder avaliar devidamente a valia e a validade dos trabalhos teóricos de Albert Einstein...

TV NOSTALGIA – 67


Outro dia, enviei este genérico para uma verdadeira Wonder Woman. Em contrapartida, a da série da TV, Lynda Carter, era um fiasco. A demonstração dos super-poderes dos super-heróis, que se torna sempre ridiculamente inverosímil nestas séries com actores reais, era aqui potenciada por si, com uma delicadeza de quem se preocupa em não partir unhas, enquanto a sua personagem tinha que demonstrar a agilidade de um macaco, a capacidade de salto de um canguru ou a força de um elefante. Como é que se podia piorar isto? Representando mal… Que o genérico (acima) fosse piroso era apenas um retrato adequado do que se iria seguir... 

15 junho 2012

SENTINELA

Mais de trinta anos passados continuo a achar que há algo de visceralmente misterioso no sincretismo desta canção de Milton Nascimento.

UMAS OUTRAS ELEIÇÕES GREGAS (1862)

 Enquanto a Europa aguarda ansiosa o desfecho das eleições que terão lugar na Grécia no próximo Domingo permitam-me aqui evocar umas outras eleições gregas que, como estas, envolveram a atenção de toda a Europa (diplomática), eleições onde os gregos manifestaram inequivocamente a sua vontade, vontade essa para a qual a dita Europa se esteve pura e simplesmente a marimbar – um risco não despiciendo de se repetir nestas próximas. Essas outras eleições gregas tiveram lugar em Dezembro de 1862 embora o escrutínio dos votos se tivesse arrastado até Fevereiro de 1863. Percebe-se: o objectivo das eleições era escolher um novo monarca para a Grécia e os eleitores podiam escrever no boletim de voto qualquer nome da sua escolha – o democraticíssimo sistema do write-in.
 Como se havia chegado àquela situação? A Grécia independente tinha cerca de trinta anos. Nesses trinta anos o primeiro monarca grego – que fora escolhido por acordo das potências europeias – revelara-se um fiasco. Otão I (1815-1867) era um príncipe bávaro que viera para a Grécia acompanhado de um staff governamental e de uma guarda de corpo de 3.500 homens da mesma origem. Manteve-se católico enquanto a esmagadora maioria dos gregos eram ortodoxos. Casou com uma princesa alemã protestante. O casamento foi na Alemanha quando teria tido importância que se realizasse em Atenas. Por tudo isto, é compreensível a azia que a tutela germânica desde aí despertou nos gregos que até criaram a palavra bavarocracia (Βαυαροκρατία). Mas o pior é que Otão não tivera herdeiros que lhe sucedessem…
 Depois da deposição do desastrado Otão em Outubro de 1862 (acima), tiveram lugar às tais eleições para escolher um sucessor adequado. De entre as 27 respostas válidas dos 241.202 votantes (uma participação impressionante tendo em conta que a Grécia tinha 1.100.000 habitantes na época), 95,36% votaram em Alfredo (1844-1900), o segundo filho mais velho da rainha Vitória. O príncipe Alfredo do Reino Unido foi solenemente proclamado rei na Assembleia Nacional grega. Mas as potências europeias tinham um acordo que impedia que qualquer dos familiares das respectivas casas reais aceitasse a coroa grega. E foi por negociação destas que a escolha acabou por recair no príncipe Guilherme da Dinamarca (1845-1913), que recebera 0,0025% dos votos e que adoptou o nome de Jorge como rei dos helenos. 

14 junho 2012

ARITMÉTICA SOBRE NÁDEGAS RASCAS

A fotografia que a simboliza à geração rasca é de Alfredo Cunha e data de 1994. O tema das nádegas ao léu tornou-se indissociável da imagem daquela geração. Há todavia uma outra fotografia esteticamente menos conseguida mas que se sobrepõe à de cima em notoriedade, quando de uma sessão com o ministro da Educação da altura Couto dos Santos (abaixo). Foram precisos quatro contestatários mais oito nádegas para cada letra (e espaço) de maneira a que o destinatário fosse devidamente informado da indisponibilidade dos exibicionistas em pagar: (NÃ)(O )(PA)(GO)

Os problemas por que passamos actualmente são muito diferentes. Já não se trata da questão daquilo que se paga: com os cortes dos subsídios de férias e Natal da função pública e a taxa de desemprego a subir vertiginosamente é antes uma questão de tudo o que se deixou de receber. Agora imagine-se que, passados 18 anos, a forma de manifestação da geração rasca era recuperada… Até por aqui se vê a gravidade da nossa situação actual: em vez de quatro rabos (e oito nádegas) eram precisos cinco (com dez nádegas) para informar devidamente Passos Coelho que: (NÃ)(O )(RE)(CE)(BO)…

EM JEITO DE QUANDO O TELEFONE TOCA…


Já aqui me referi e expliquei como funcionava esse saudoso programa da rádio com o título de Quando o Telefone toca… Permitam-me associá-lo, que me veio a propósito depois do Caminheiro de ontem, a uma outra canção de festival, neste caso o de 1980. O disco pedido será a canção a que podem assistir acima, Lição de Português cantada por Madi, reconhecível pelo inconfundível sotaque do intérprete mas também - prestem atenção ao vídeo - pela categorizada composição do coro que o acompanha. Quanto à frase que serviria para pedir o disco, peço que me desculpem, mas é um críptico: Então a Ritinha já desistiu de me querer provocar?...

13 junho 2012

O CONVITE P'RA VOCÊ, PRESIDENTE


Convidamos p’ra você ver… ver um jogo… estar presente nos nossos jogos no Europeu. 'Tá?!

Este episódio chegou-me por referência de pessoa amiga, que não dei por ele na comunicação social, embora esteja publicado em várias entradas no Youtube. É um embaraço para os dois. Cristiano Ronaldo podia ter despendido uma ínfima parte da fortuna que já tem a ter umas poucas lições de boas maneiras - a aprender que há uma terceira forma de tratamento além do tu e do você. E Cavaco Silva não precisa de fazer aquele sorriso de emplastro nem precisa de ficar obrigadíssimo a alguém que acabou de o tratar daquela forma canhestra. Mas a minha maior crítica vai para a comunicação social que, nestes momentos de unanimidade patriótica, se dispõe sempre a deixar passar estes episódios bacocos, não seja a desestabilização que as críticas pudessem causar nos nossos heróis a causa do nosso fracasso... futebolístico.

VEM O CAMINHEIRO


Teatro São Luís. Segunda-Feira, 21 de Fevereiro de 1972. IX Grande Prémio da TV da Canção. A terceira canção era da autoria de Rui Serôdio e Joaquim Pedro Gonçalves, interpretada por Manuel Vargas e intitulava-se Vem o Caminheiro (acima). O caminheiro que ali vinha parecia inspirar-se nas raízes da música popular portuguesa, o que se tornava notório (até mesmo para os leigos) com a importância que era dada pela orquestração (da autoria de Jorge Machado) a um instrumento tão castiço quanto o adufe. Dar destaque às raízes populares da música começava então a estar na moda, porém, como a dupla de autores não seria próxima dos equivalentes para a música ligeira daqueles que, no poste abaixo, estabeleceram desde a estreia que Belarmino era uma obra marcante do novo cinema português, o Caminheiro passou desapercebido. Ou seja, não foi marcante

12 junho 2012

BELARMINO

Quando se passou mais de um mês depois da morte do cineasta Fernando Lopes (1935-2012), pergunto-me quantos, de entre os (incontáveis) autores dos (incontestáveis) elogios fúnebres que então foram produzidos, terão dispensado algum do seu tempo na mais apropriada homenagem ao defunto, vendo ou revendo alguma(s) das suas obras principais. Propus isso a quem as não conhecia, enviando-lhes a cópia integral de Belarmino que até está disponível no YouTube (também mais abaixo neste poste…), filme que parece continuar a ser considerado como o mais significativo da obra do cineasta.

Porém e pelas reacções, o filme, que continua a ser tão gabado pela sua nova linguagem cinematográfica quanto o foi desde a estreia, parece-me continuar a despertar o mesmo desinteresse entre a audiência do que quando o recordo originalmente há 40 anos atrás, quando ele passou (presumo que pela primeira vez) em televisão, em Outubro de 1972 - durante o fascismo! Mas 38 anos de democracia já deveriam ter sido suficientes para educar o povo em cinema...

Exemplarmente, foi um filme que terá tido significado, mas apenas para uma pequena elite intelectual de uma certa geração. Que, por essas razões sentimentais e acolitada dos seus apaniguados, defenderá a excelência do filme até ao fim. Aliás, não será por acaso que podemos ler nomes como os de Baptista Bastos ou de Manuel Jorge Veloso na sua ficha técnicaAo fim e ao cabo, trata-se daquele mesmo grupo geracional que se recusa agora a sair de cena ou que continua a achar, por exemplo, que o Maio de 1968 teve consequências profundas na História da França e da Europa…

O cartaz foi retirado daqui com os meus agradecimentos.

DESMENTIDOS À MARCELO

Assim como Bulhão Pato criou nos finais do Século XIX a receita de amêijoas que ficou com o seu nome, nos finais do Século XX Marcelo Rebelo de Sousa tornou-se o criador de um estilo muito próprio de fazer desmentidos à imprensa que se veio a tornar indissociável do seu. A receita das amêijoas pode ser consultada aqui enquanto a técnica de Marcelo consiste não apenas em desmentir uma notícia verdadeira como também em fornecer ao jornalista a frase enfática que virá a ser o cabeçalho desse desmentido: Tipicamente: o Nem que Cristo desça à Terra com que em 1996 ele negou a sua intenção de se candidatar à liderança do PSD – que os factos vieram a provar depois ser mentira.
Para o caso, a discípula mais recente de Marcelo é uma outra estrela da TVI, Luciana Abreu, que aqui há coisa de uma semana desmentira a sua separação de Yannick Djaló com um rotundo Já nos fartámos de rir, é tudo falso! Hoje, provavelmente depois de já lhe ter passado a dor de barriga com tanta risota, o Yannick anunciou que se ia mesmo separar da mulher. Reconheça-se que, a acrescentar aos seus reconhecidos predicados artísticos demonstrados pelo programa de variedades logo a seguir ao show do Marcelo, Luciana Abreu pode ter um futuro como jotinha

11 junho 2012

KAMERUN!

Ao contrário do que se pode ler no subtítulo do livro acima, a guerra que se travou nos Camarões entre 1955 e 1971 nunca esteve escondida. Foi sobretudo numa guerra acessória, rapidamente esquecida e hoje desconhecida, mas isso só acontece porque há uma conjugação de factores a si associados que fizeram com que praticamente tudo nela passasse na época ao lado da cobertura noticiosa mais intensa, mas também porque veio a ter um desfecho desinteressante como instrumento de propaganda para as partes ali envolvidas. Mas é esse quase anonimato congénito que torna livros a seu respeito como o de cima, mais as suas 650 páginas, muito raros, preciosos para conhecer melhor esta outra guerra africana. Mas a robustez factual é condição necessária mas não suficiente para a valia de um livro...
Quando eclodiram as primeiras acções armadas da guerrilha da UPC (União das Populações dos Camarões¹) estava-se em 1955 e toda a atenção mediática da França se concentrava na Argélia. Os meios militares disponíveis para a contra-insurreição eram mínimos por causa disso mas, em contrapartida, essa situação obrigou os franceses a ser muito mais imaginativos na forma como lidaram com a revolta neste território que, ainda por cima, não era uma colónia tradicional, mas sim um Mandato internacional, cuja acção administrativa era escrutinada pela ONU. Houve que associar os políticos locais e dinamizar as incipientes estruturas militares e policiais camaronesas para a resposta repressiva à insurreição e aquelas circunstâncias fizeram com que houvesse uma africanização da guerra desde o seu começo…
A acrescer, em breve a UPC iria perder a razão principal para arregimentar as simpatias que se tornam indispensáveis nessas guerras de libertação nacional: a França mostrou-se disposta a conceder rapidamente a independência aos Camarões. Esta teve lugar a 1 de Janeiro de 1960. O que não quer dizer que a França se afastara do conflito: ainda em finais desse ano, os seus serviços secretos envolveram-se numa operação suja para assassinar na Suíça o dirigente máximo da UPC, Félix Moumié. Mas, conforme a terminologia revolucionária, a guerra colonial passara a ser neo-colonial. Passara a ser, sobretudo, uma guerra civil. A facção governamental desenvolvera os seus apoios tribais por todo o país enquanto o apoio da UPC  se concentrara nos bamilekés e nos bassas (cerca de 25% da população) da Região do Oeste.
O número estimado de vítimas que a guerra terá causado varia mas o número mais mencionado costuma ser o de 70.000 mortos. Quando a guerra foi dada por finda, em 1971, já o continente africano presenciara uma outra guerra civil, a do Biafra na vizinha Nigéria, que ofuscara mediaticamente as guerrilhas da UPC nos Camarões. A guerra do Biafra e o seu milhão de mortos chamara politicamente a atenção – a colonialistas, neo-colonistas e anti-colonialistas – dos perigos secessionistas das organizações políticas quando elas estão demasiado dependentes de uma base étnica. Em síntese, não só a situação da guerrilha no terreno se mostrara cada vez mais débil, como aqueles que haviam apoiado a UPC até então (os países do bloco Leste) mostravam-se agora descrentes da utilidade dos resultados políticos dela.
Tratou-se de uma vitória da contra-subversão. É tão mais romântico quando acontece ao contrário… Quanto ao livro Kamerun!², ele será a antítese de Covert War, um livro que aqui já comentei sobre outra guerra desconhecida, a da Namíbia. Enquanto ali se falava exclusivamente da guerra e nada da sua envolvente política, em Kamerun! cai-se no extremo oposto. A capa com os militares está lá só para despistar… Nas 650 páginas não se descreve qualquer acção militar e os autores só se indignam militantemente com os massacres das forças governamentais, que eles não são daqueles de camuflar as suas simpatias… O livro é útil mas os autores tornam-no tonto. Tratou-se de uma guerra. São supérfluas as indignações com as práticas crueis da facção vencedora, a fazer crer que o desfecho não lhes agradou…
¹ O nome da organização pode ter servido de inspiração à UPA angolana. Os dirigentes desta última não se mostraram particularmente imaginativos quanto aos nomes da sua organização. Quanto mais tarde lhe mudaram o nome para FLNA, foram-se inspirar nitidamente na Frente de Libertação Nacional argelina. São notas de rodapé, mas que corroboram de algum modo as acusações que os dirigentes da UPA/FNLA gravitavam mais à volta do mundo cultural francófono do que lusófono.
² A designação Kamerun, adoptada pela UPC e seguida pelos autores do livro, é a forma de designar o país em alemão, que foi a potência colonial entre 1884 e 1914. Trata-se de uma atitude: uma exibição da rejeição do colonialismo francês (Cameroun) e inglês (Cameroon). Em rigor, a designação mais neutra do país seria a original, do Século XV, em português: Camarões.