29 fevereiro 2016

ALEMANHA É CONTRÁRIA A NOVOS PLANOS DE ESTÍMULO FISCAL DO G20


É curioso como esta notícia, oriunda da France Press, é já de sexta-feira passada (26/02/2016) e a comunicação social portuguesa atravessou todo o fim-de-semana que se lhe seguiu fazendo pouco ou nenhum caso da reunião ou, quando fez caso, «esqueceu-se» desta perspectiva que parece isolar a Alemanha num recanto ideológico da política económica e financeira mundial. Quais são as opiniões dominantes, afinal?

OS NOSSOS AMIGOS ALEMÃES

Mario Luciolli (1910-1988) foi um quase anónimo diplomata italiano cuja carreira começou em 1933, ainda antes da Segunda Guerra Mundial. Paradoxalmente ou talvez não, considerado o teor deste poste, a única entrada que dele consta na Wikipedia está redigida em alemão. De um percurso feito, como um diplomata de carreira, das colocações nos locais mais díspares - Suíça (1934-36), França (1936-38), Austrália (1940-40), Alemanha (1940-42), Espanha (1943-44), Estados Unidos (1948-55), Chile (1955-61), Turquia (1961-64) e final e novamente a Alemanha, agora como embaixador (1964-75) - o período a que o próprio atribuiu mais interesse terão sido os seus primeiros anos, sobre os quais ele escreveu o livro acima. Do seu espólio desses anos faz parte um relatório cujo transcorrer dos anos tem vindo a tornar progressivamente mais interessante. Elaborado depois da sua chegada a Roma recém-vindo de Berlim em 1942, durante a vigência do famoso Pacto de Aço que unia a Itália à Alemanha e imediatamente depois da expansão da Guerra à União Soviética e aos Estados Unidos (segundo semestre de 1941), os seus pensamentos sobre a forma como o aliado da Itália estava a lidar com as questões levantadas pela globalização do conflito tiveram um sucesso tal na diplomacia italiana da época que o seu memorando acabou sobre a secretária do próprio Benito Mussolini. Que o acolheu comentando que há muito tempo (...) não lia nada (de) tão significativo e acutilante. O documento, naturalmente classificado e redigido por um profissional arguto com um pouco mais de 30 anos, conseguirá, por causa da idade do redator, combinar a maturidade técnica e a honestidade das opiniões que exprime com a falta de maturidade política quanto os risco das implicações para a sua carreira futura em as manifestar. Continha passagens que têm uma ressonância estranhamente actual, 75 anos depois:
Defender até à morte o muito que até agora foi conquistado, explorá-lo, organizar a vida económica e política da Europa a fim de lhe aumentar a força de resistência e desenvolver as suas capacidades ofensivas - tudo isto parece capaz de constituir um objectivo claro e rigoroso, um programa que pode colher aderentes e consenso, não fora o facto de ser precisamente nesta missão política que a Alemanha mostra, de forma decisiva e obstinada, não estar à altura da sua tarefa.
A enfática decisão alemã de organizar a Europa de forma hierárquica, como uma pirâmide com a Alemanha no topo, é bem conhecida. No entanto, isto não capta a abordagem do regime aos problemas da reconstrução europeia. Em nenhum país, nem naqueles que até há pouco tinham uma clara atitude anti-alemã, havia falta de personalidades e correntes políticas dispostas a admitir que a ordem internacional que emergiu da Revolução Francesa e que culminou em Versailles foi definitivamente ultrapassada e que os Estados-nação teriam de dar lugar a entidades políticas muito maiores... Assim, o conceito de uma organização hierárquica da Europa não era, em si mesmo, inaceitável. Contudo, aquilo que salta à vista a qualquer pessoa que contacte com os alemães é a sua concepção puramente mecânica e materialista da ordem europeia. Para eles, organizar a Europa significa decidir que quantidade de determinada matéria-prima deve ser produzida e quantos trabalhadores devem ser utilizados. Não admitem que uma ordem económica possa funcionar sem se basear numa ordem política, e pensam que para fazer trabalhar o operário belga ou boémio não basta apenas prometer-lhe um certo salário, mas é também necessário incutir-lhe o sentido de estar a servir uma comunidade, da qual ele é parte integrante, com a qual sente uma afinidade e na qual se reconhece
.¹
A avaliação de Mario Luciolli, a esta distância dos acontecimentos e conhecida a evolução que a Europa sofreu depois daí, oferece-se a um potencial infindo de comentários. Se calhar, haverá muito quem considere que o que ali se escreve nem estará assim tão desactualizado, apesar do texto estar prestes a celebrar as sua bodas de diamante. Repare-se que as críticas não se dirigem ao europeísmo enquanto objectivo, mas aos métodos desastrados dos alemães para o alcançar. Luciolli ficou com a reputação de entender os alemães, fama que virá a ser coroada com uma colocação de onze anos em Bona. A via que eu quero explorar, porém, é a de ver nos italianos, mais do que o despeito de um parceiro em pé de igualdade que só o era na teoria, a sabedoria milenar e intuitiva vinda dos seus antepassados romanos de que uma hegemonia continental se faz não só de pão mas também de circo. E que terá sido a conjugação dos dois que fez o seu império (romano) durar cerca de cinco séculos. Ora os alemães não parecem perceber isso. Deve ser genético. Eu ainda sou do tempo em que, sem precisar de o fazer, o comissário Lorenzo Natali (acima, não por acaso um italiano...) nos fazia uma campanha de charme antes da nossa adesão à CEE ao som da música da Ode à Alegria de Beethoven, transformada em hino europeu. Hoje isso são memórias, Há que reconhecer que depois da reunificação alemã e do estabelecimento progressivo da sua hegemonia dentro da União (1990) cada vez se ouve menos aquela música alemã e cada vez se ouvem mais discursos (...descomposturas) em alemão...  

¹ Transcrito e traduzido em Mark Mazower, O Continente das Trevas, pp. 170-1

AS ELEIÇÕES FORAM AONDE MESMO?

Mais de 48 horas depois do encerramento das urnas das eleições legislativas irlandesas ainda não há resultados completos sobre a composição do futuro parlamento. Ainda restam 10 lugares (7% do Dáil) por preencher por causa da complexidade do sistema adoptado, o voto único transferível. É um sistema que consegue combinar as vantagens da representação proporcional e da votação por lista partidária, mas com a possibilidade do eleitor hierarquizar a ordem por que deseja que os membros da lista sejam eleitos. Melhor, nesse processo de hierarquização o eleitor pode personalizar as suas escolhas sem adoptar qualquer fidelidade partidária. O sistema mostra-se também amigável para com as candidaturas independentes (como se pode ler acima, há 20 deputados independentes eleitos). Com tantos predicados, o senão do sistema é, para que tudo isso seja possível, o processo de escrutínio é complicado e muito moroso. E, pelos padrões da comunicação social moderna, não se consegue gerir uma espectativa que se arraste assim por mais de dois dias - a não ser que se trate da eleição de um papa ou então da noite dos óscares. Com a sobreposição destes dois eventos (as eleições irlandesas e os óscares), quando terminar o escrutínio desconfio que já ninguém se lembrará onde foram as eleições.

28 fevereiro 2016

OS ÓCULOS

A propósito do frio, da neve deste fim de semana e dedicado a todos aqueles que já dedicaram meses da sua vida à procura dos respectivos óculos, que nunca estão nos sítios onde os deixámos. A ideia, classificável no âmbito da Arte Urbana, foi de Pavel Pukhov (1983-2013). Veja-se nesta ligação algumas das suas outras obras.

DECATHLON, A VERSÃO DO SÉCULO XXI DO SENHOR OLIVEIRA DE FIGUEIRA?

Calhou esta semana ter acompanhado alguém que ia fazer compras a uma loja da Decathlon. E não foi só por ele ir comprar um conjunto de artigos de quem se preparava para ir para a neve que me lembrei desta cena d'Os Charutos do Faraó. Nela, Tintin encontra o senhor Oliveira de Figueira e sai do encontro repleto de artigos completamente inúteis, onde pontifica - daí a associação - um famoso par de skis de neve de onde pende uma gaiola com um papagaio dentro. Não encontrei papagaios à venda na Decathlon, é verdade, mas os corredores estão repletos de artigos cuja utilidade me pareceu tão misteriosa quanto a do regador e da cartola.

27 fevereiro 2016

O «MOMENTO MÉLENCHON» DE JOÃO SOARES

Aqui há coisa de dois anos foi notícia de um jornal francês a cobertura dispensada por um canal televisivo (TF1) a uma manifestação organizada por um político muito querido dos média chamado Jean-Luc Mélenchon. Creio que a montagem acima explica tudo: a imagem inserta é a que era captada pelas câmaras de televisão, a fotografia maior mostra o enquadramento geral... Esta semana e às portas do nosso parlamento, houve uma cena idêntica, protagonizada pelo ministro da Cultura, João Soares (veja-se a fotografia mais abaixo). A SIC mostra-nos o momento de uma determinada perspectiva e houve um amigo da onça que tirou uma fotografia que nos fornece uma panorâmica mais abrangente da cena... Acresce ao caricato que, de acordo com a notícia da SIC, os manifestantes faziam parte de uma plataforma Cultura em Luta, que (sic) reúne mais de 50 estruturas culturais. Comprovadamente, terá havido algumas estruturas que tiveram falta de comparência na luta embora, em contrapartida e ao lado de João Soares, se possa reconhecer a actriz Joana Manuel que é, só por si, mais do que um estrutura, é uma superestrutura, para além da criadora de expressões inolvidáveis como elite cultural pensante, massa crítica ou utensilagem mental, entre muitos outros neologismos de que a língua portuguesa anda muito precisada...

"RECUPERAÇÃO"? QUAL "RECUPERAÇÃO"? ou OS DADOS DO PORDATA SÃO UMA CHATICE PARA AS ALDRABICES POLÍTICAS

Cortesia da Lusa, um lote de órgãos da comunicação social afixou como seu um pré-confeccionado feito na agência de notícias, onde se anuncia que Cavaco Silva pontificou em mais um sessão de condecorações. Pior mesmo, foi o PR ter empregue na ocasião a expressão recuperação económica. É mesmo caso para perguntar: qual recuperação económica? De acordo com o agora indispensável Pordata, cortesia da insuspeita Fundação Francisco Manuel dos Santos, considerando os crescimentos reais do PIB que ali constam, a que se deve acrescentar o valor de crescimento de 1,5% que tem sido adiantado para 2015 e, mesmo assim, o PIB actual ainda é mais de 4,5% inferior ao de 2010. Ou seja, os "heróis" sê-lo-ão, mas prematuramente, de uma recuperação, que ainda não aconteceu. Com aspas ou sem elas, já aqui disse que o gesto era privilégio seu e ele que condecore os "heróis" que quiser, mas em vez de o ganhar, apetece dizer ao presidente que não vá recuperar juízo, olhe que no fim fica com menos do que tinha...

26 fevereiro 2016

OS MAIORES DAS RESPECTIVAS RUAS

Confesso que é com uma certa curiosidade que tenho acompanhado o processo das eleições primárias republicanas nos Estados Unidos. Contra a esmagadora maioria das opiniões expressas e apesar dos disparates que profere, assiste-se a um Donald Trump a acumular sucessos. Tantos que, na próxima semana, tudo pode ficar decidido para a sua nomeação como o candidato republicano às eleições de Novembro próximo. Tendo já ganho três das quatro disputas eleitorais estatais, na próxima Terça-Feira, 1 de Março, vão-se realizar simultaneamente eleições primárias em 12 outros estados e Trump é dado pelas sondagens como favorito para vencer em todas elas, salvo 3. It´s the democracy, stupid. Donald Trump notabilizou-se em produzir ideias que deixam as bases republicanas em êxtase: desde a expulsão de 11 milhões de emigrantes ilegais mais as suas famílias, à interdição de que os muçulmanos viajassem para os Estados Unidos ou ainda à construção de um muro a expensas do México, já houve de tudo no domínio do disparate e a ideia parece ser a de manter a coisa dinâmica: todas as semanas há um disparate novo, agora foi o de levantar a suspeita que o juiz do Supremo Tribunal Antonin Scalia, que morreu este mês e que era conhecido pelas suas opiniões ultraconservadoras, fora assassinado. Trump bem se pode assemelhar àquele amigo estúpido do facebook que partilha as ideias mais idiotas que por lá aparecem publicadas e põe likes nas teorias da conspiração mais descabeladas mas a verdade é que deve haver muitos como ele entre as bases do partido republicano nos Estados Unidos, porque o homem acumula sucessos. O que se pode vir a tornar um problema para os dirigentes e os quadro do partido caso ele consiga a almejada nomeação. Donald Trump pode ser um sujeito muito popular lá na rua dele - esta analogia só funciona para quem se lembrar do tempo em que as crianças vinham brincar para a rua - mas tem um registo francamente negativo quando se pede a opinião a todos os norte-americanos. Ou seja, é muito mal visto no bairro. Segundo as últimas sondagens e para uma notoriedade notável de 96%, aos 36% que o vêem favoravelmente opõem-se os 60% que o vêem desfavoravelmente, dos quais mais de 40% o vêem muito desfavoravelmente. Para os notáveis republicanos parece ser uma angústia virem a disputar umas eleições presidenciais apoiando um candidato assim.
Porém, o problema da impopularidade de Trump para os republicanos passará por uma pera-doce quando comparado com o problema que se estará a colocar aos notáveis do PSD face a Pedro Passos Coelho. É que Donald Trump bem pode ser acusado dos maiores dislates mas, ainda assim, tem o crédito de nunca se ter desdito, porque ainda não ocupou o poder. Pedro Passos Coelho por seu lado, tem-se notabilizado, depois do regresso à oposição, por já ter desmentido quase tudo o que dissera quando estava no governo. Assim, e só para dar dois exemplos mais recentes, houve a abolição dos quatro feriados que visava contrariar o risco da deterioração económica agora já não deteriora nada, visto que os partidos da antiga coligação governamental se abstiveram quando da votação para o seu restabelecimento. E houve também a apresentação de contas do Novo Banco, o banco que ficou com os activos considerados não problemáticos do BES, conhecido no jargão por banco bom e que recebeu na altura 4,9 mil milhões de euros para capitalização*. 20% deles voaram entretanto com os 980 milhões de prejuízo registados no exercício de 2015. Ainda bem que se está a falar do banco com os activos não problemáticos, imagine-se se fossem activos dos que dessem problemas. Nem se percebem as provisões que Stock da Cunha diz ter constituído... Mas, mais sofisticado ainda e ainda em assuntos da banca, Pedro Passos Coelho já conseguiu desdizer-se já depois de ter passado para a oposição, quando se pronunciou (abaixo em vídeo) sobre o Banif, apoiando originalmente a solução aplicada e criticando-a nem dois meses depois. Infelizmente em Portugal não se realizam (ou não se tornarão públicos os resultados das) sondagens que apurem a intensidade com que se gosta ou se desgosta de um figurão da política, como vemos que se faz nos Estados Unidos com Donald Trump. Mas teria curiosidade de saber quanto os números de Passos Coelho se diferenciariam dos de Trump. Tenho porém a intuição que actualmente há, como com Trump, uma maioria de portugueses que não gosta dele e, nela, por sua vez, uma maioria que não gosta mesmo nada dele. Enquanto assim for, e por muito que o aparelho do PSD seja controlado pelos seus próximos e ele seja o maior lá da rua dele, parece-me que o partido não terá quaisquer hipóteses de regressar ao poder. A quantidade e a qualidade da animosidade social para com Passos Coelho será o melhor cimento da actual maioria governamental.

A INFANTILIZAÇÃO DA GUERRA

Retirada de uma página do Expresso on-line, onde a vedeta é o porta-aviões francês Charles de Gaulle (por acaso, um vaso de guerra com um historial cheio de problemas técnicos...), esta forma tão infantil de o apresentar em todas as suas performances como elemento de combate relevante da guerra contra o jiadismo, chega a ser agressivo para a inteligência do leitor razoavelmente informado. É que os problemas que grassam no Próximo Oriente são assaz complexos e a luta contra uma das facções intervenientes não se pode reduzir a (mais) um episódio da saga Star Wars... Que se saiba, e para exemplo do disparate, o Charles de Gaulle não pode navegar pelo Sena acima, até Paris. Numa outra perspectiva da infantilização do conflito, em que é que este exercício do Expresso difere substantivamente do de Donald Trump, quando este usou a referência da personagem de Harrison Ford em Air Force One para referir perfis presidenciais?...

25 fevereiro 2016

BREXIT: OS RESULTADOS DAS SONDAGENS E AS COTAÇÕES DAS APOSTAS

Ao ler uma notícia sobre o próximo referendo no Reino Unido, apercebi-me que as sondagens e as apostas se contradizem quanto ao seu desfecho: as sondagens - que, apesar de falíveis e manipuláveis, ainda são consideradas um método científico - apontam para que exista uma vantagem estável (ainda que ténue) entre os eleitores que preferem a permanência do Reino Unido na União Europeia; as casas de apostas e os apostadores - que, mesmo sendo um caso canónico de comportamento dos mercados, neste caso ninguém os quer vistos tratados dessa maneira: os mercados! - dão a espectativa (numa proporção de 15 para 8) que a maioria dos britânicos irá votar pela saída do seu país da União. É absurdo? As pessoas enquanto apostadoras não se comportam racionalmente? Parece-me evidente que sim. Mas o que é mais importante reter é usar a analogia para a próxima vez em que o jornalismo voltar a invocar os mercados e a evolução das yields da nossa dívida pública como elemento relevante da política portuguesa.

ESTA VIDA, CADA VEZ MAIS DIFÍCIL, DOS PEÕES DE BREGA DA POLÍTICA...

Reconheça-se como estas tecnologias modernas atormentam cada vez mais a profissão ingrata (mas indispensável!) de peão de brega da política nacional. Agora, qualquer bicho sabichão pode chegar ao You Tube, fazer uma montagem e publicá-la, expondo uma figura destacada como José Matos Correia, um dos mais proeminentes parlamentares do PSD, ao ridículo total. Desmentindo-o e fazendo-o passar por mentiroso. Há que respeitá-los, aos parlamentares! É triste que, por falta de respeito, a Democracia representativa não se esteja a dar bem com esta tendência última de democratizar a Democracia, estes hábitos de colocar representados a poderem-se confrontar directamente com representantes.

SOBRE A BELEZA DAS FLORES

A geração actual encanta-se com a beleza de Sara Sampaio assim como a dos seus avós se encantava com a de Maria Cabral (à esquerda). O que se progrediu nestes quase cinquenta anos é que se parece ter percebido lucidamente que o que é bonito é para se ver, mas apenas para ser visto. Ainda não dei, felizmente e apesar do entusiasmo, por que alguém tivesse proposto promover Sara Sampaio de modelo a actriz...

SOB AS ARCADAS DO TERREIRO DO PAÇO

Há um pouco mais de 70 anos a separar as duas fotografias, o local onde foram tiradas consta do título e esta é uma daquelas montagens que só perde se a explicarmos e/ou comentarmos.

24 fevereiro 2016

OS FIOS DAS MEADAS

As notícias que eu mais aprecio são aquelas que têm o potencial de, se e quando desenvolvidas, poderem degenerar num embaraço para quem parece aparentemente insuspeito e alheio ao caso quando do seu anúncio. É assim que, recuperando abaixo os cabeçalhos de O Sol e começando por aproveitar as escutas telefónicas, essa instituição nacional que se parece com o ditado das bruxas (não devemos acreditar nelas mas que as há, há), ficámos a saber que um ex-primeiro-ministro, em querendo e estando bem relacionado, pode tentar condicionar a escolha os directores de jornais assim como um presidente de um grande clube de futebol pode fazer o mesmo aos árbitros dos jogos que o seu clube disputa. Azar para Proença de Carvalho que tem conseguido flutuar como rolha de cortiça por cima das vicissitudes da política portuguesa e para os interesses que ele representa. Ficámos também a saber que Miguel Relvas continua em forma nas suas mescambilhas, apesar de aparentemente há muito ter caído em desgraça e abandonado o governo. Azar (mais um...) de Pedro Passos Coelho que assim demonstra que se mostrou incapaz de manter o seu aliado político com rédea curta para não o deixar fazer mais disparates. E ficámos a saber qual uma das explicações possíveis para as razões pelas quais as elites angolanas se movimentavam com tanto à vontade em Portugal, apesar da natureza suspeita de muito do que se ia sabendo que faziam. Azar para a classe dos magistrados justiceiros (linha Cândida Almeida ou Maria José Morgado) quando se levantam as suspeitas de que a essência de um certo tipo de problemas de corrupção (que tanto os indignava) podia afinal radicar em episódio ocorridos em gabinetes ao lado dos seus.

«PORTUGAL NÃO É UM PAÍS PEQUENO» nas versões europeia e norte-americana

Quem conheça a história da propaganda do Estado Novo já se terá deparado com o cartaz acima, onde se sobrepunha o império colonial português a um mapa da Europa, potenciando a expressão da sua dimensão territorial. Menos conhecido, porém, é o cartaz abaixo, onde esse mesmo processo é aplicado aos Estados Unidos. Com um resultado visual ridículo, reconheça-se. A ideia de preencher os 2,2 milhões de km² das várias possessões portuguesas, que parecia resultar na Europa, tinha um impacto diluído sobre uma enorme base de 7,8 milhões de km² correspondentes ao território norte-americano. Pior que isso, e para os mais imaginativos e conhecedores de História, e porque o continente era o americano, o expediente podia desencadear uma associação nostálgica (e não muito lisonjeira) a um outro Portugal grande de 8,5 milhões de km² que fora perdido nos inícios do Século XIX na metade sul do continente... O mapa teve muito menos sucesso que o original.

23 fevereiro 2016

«THOSE WITH LOADED GUNS... AND THOSE WHO DIG»

Há cinquenta anos, nos tempos em que Sergio Leone realizava os seus Westerns Spaghetti percebia-se o Mundo. Em primeiro lugar as disputas processavam-se todas numa só divisa: o dólar, como se percebe por estes cartazes adjacentes. E depois, entre aqueles que se disputavam e disputavam a posse dos dólares, e como Clint Eastwood explica primorosamente no vídeo que aparece mais abaixo, havia os que tinham as armas carregadas (those with loaded guns) e havia os outros, os destinados a cavar como Eli Wallach (you dig). E isso era verdade tanto na ordem internacional quanto na ordem interna. Havia as superpotências que, no formato de armas nucleares, eram as que possuíam as loaded guns que impunham a ordem internacional;
...e quando as potências permitiam e dentro das respectivas esferas de influência, havia os que possuíam as loaded guns nas ordens internas nacionais (tradicionalmente eram os militares), que davam uns golpes de Estado para que tudo se comportasse conforme. E quem tinha que cavar (há sempre alguém que acaba a cavar nestas histórias...) lá cavava. O que mudou depois de 1989 é que agora já não se usam as armas carregadas embora se use o dinheiro – e já não necessariamente apenas dólares, que os euros adquiriram entretanto muita força – para intimar os outros a cavar. De uma certa forma, é como se Clint Eastwood e Eli Wallach tivessem repartido afinal o tesouro que perseguiram ao longo de todo O Bom, o Mau e o Vilão e agora se tivessem instalado como respeitáveis banqueiros.

Mas, se Sergio Leone ressuscitasse e fizesse uma sequela daquele filme (talvez já não um Western Spaghetti...), creio que continuaria a tratar aquelas duas personagens como os escroques pouco fiáveis que nunca deixaram de ser. Mas o problema principal dos dias que correm nem sequer é esse, o da amoralidade dos que fazem os outros cavar. O problema principal é identificá-los. Quem são? Os que empunhavam as armas carregadas tinham-nas à mostra. Actualmente, sabendo-se quem deve, não se sabe a quem se deve. Cava-se para benefício de quem? Porque quem pensasse que, simplificadamente, tudo acabava no bolso de alguns empórios alemães deve ter ficado bem surpreendido com as (más) notícias a respeito do Deutsche Bank. O enredo desta (outra) história parece bem mais complicado.

AQUELES HOMENS QUE SE TORNAM «MAIORES» QUE AS CAUSAS

A história dos Tigres de Libertação do Eelam Tamil (LTTE na sigla da organização em inglês) é uma daquelas histórias de uma organização política armada que, apesar da espectacularidade intrínseca à sua actuação, nunca interessou particularmente a Informação ocidental. Há guerras que têm fases em que aparecem quase todos os dias nas notícias e há outras que nunca aparecem, aconteça-lhes o que acontecer. A provocada e travada pelos Tigres foi uma destas últimas apesar de, por causa dela, ter havido um ex-primeiro-ministro indiano a ser vítima de um atentado que o matou (Rajiv Gandhi em 1991). Mas aquilo que acontece no subcontinente indiano nunca foi prioridade da comunicação social norte-americana e/ou europeia. Numa ilha remota daquelas paragens, que Luís de Camões designou por Taprobana e que actualmente é um país conhecido por Sri Lanka, apareceu uma organização secessionista que se bateu militarmente durante décadas pela formação de um estado tâmil no Norte e no Leste da ilha (vejam-se os contornos desse estado à direita na foto abaixo). A Guerra Civil que se veio a travar entre os Tigres e o exército regular do Sri Lanka terá causado entre 40 a 100 mil mortos até terminar em 2009. Para a vencerem, as forças armadas do Sri Lanka passaram gradualmente dos 8.800 efectivos com que contavam em 1970 para os 161.000 que possuem actualmente. Seguindo a tradição que herdara do colonialismo britânico, o Sri Lanka independente (1948) tornara-se um país que não precisava de muitos efectivos nas suas forças armadas... até precisar. This Divided Island é um livro de um jornalista indiano (tâmil) que foi publicado originalmente em 2014 para quem não se contente com o (pouco) que veio noticiado nos jornais a respeito do conflito. Cinco anos passados após o fim da guerra civil ele faz um balanço da mesma a partir dos depoimentos de quem a viveu, especialmente do lado tâmil (o autor não fala cingalês, a língua da maioria da população). Aparece-nos recomendado pela sua selecção para o Prémio Samuel Johnson de 2015, mas acabei o livro em esforço, apesar das suas 320 páginas não parecerem aparentemente um abuso de prolixidade. Fiquei porém com aquela sensação que o essencial da história podia ter sido contado em 200 a 250 páginas e com vantagem para as duas partes. E o essencial da história inclui a figura e a pessoa de Velupillai Prabhakaran (1954-2009), o líder dos Tigres. Como aconteceu com outras figuras carismáticas da guerrilha - estou a lembrar-me nomeadamente do caso de Jonas Savimbi e da UNITA em Angola - a pessoa, as suas idiossincrasias, o seu poder pessoal despótico, acabaram por abafar a causa que diziam promover. O fim da guerra confunde-se com a eliminação física do líder.

22 fevereiro 2016

ELEIÇÕES IRLANDESAS: TRÊS DERROTAS DE ENFIADA? A REVOLTA DOS PIGS?

Neste próximo dia 26 de Fevereiro a Irlanda vai às urnas para eleger os 158 deputados (TD) do Dáil Éireann. O governo em funções desde as eleições anteriores de Fevereiro de 2011 é formado por uma coligação entre o Fine Gael, um agrupamento de centro-direita liderado por Enda Kenny que é o actual primeiro-ministro (Taoiseach), e o Partido Trabalhista irlandês. Como acontecia em Portugal em Outubro e em Espanha em Dezembro passados, há quem espere também aqui que a representação parlamentar do governo se mantenha maioritária embora com o natural atrito da perda de algum número de lugares no Dáil. A actual maioria governamental é confortável: 99 lugares (66+33). Se assim acontecer, será uma eleição histórica na Irlanda, porque Enda Kenny seria o primeiro líder do Fine Gael a ser reeleito como Taoiseach desde que o partido foi fundado há mais de oitenta anos (1933). Contudo, as sondagens indiciam que a oposição (composta pelo Fianna Fáil, um partido populista de centro, o Sinn Féin, que é um partido nacionalista de esquerda, ainda por um grande número de agrupamentos menores e ainda pelos TD independentes que ocupam actualmente 10% da câmara) poderá vir a registar grandes ganhos, e que essa histórica reeleição do Kenny, considerada a complexidade do sistema eleitoral irlandês, está muito longe de poder ser dada por segura.

Porém, estas eleições irlandesas podem muito bem vir a ser um acontecimento histórico, não apenas para o Fine Gael e a história eleitoral irlandesa, mas também ter um impacto ampliado em termos de política europeia. O país foi duramente atingido pela crise financeira de 2007 a 2009, e viu-se forçado a aceitar um programa de resgate no valor de 67,5 mil milhões de € da União Europeia, do Banco Central Europeu e do FMI – a famosa tróica... - para evitar o colapso do seu sistema bancário. Em resultado disso, em 2012 a economia irlandesa decaiu 14% e o desemprego subiu para mais de 15%, por causa de um programa que impunha a redução da despesa pública e o aumento de impostos. Mas, desde esse choque, a Irlanda parece ter-se recuperado de seus problemas económicos e melhor do que todos os outros países, tanto da União como da zona euro, tendo saído do seu programa de resgate em Dezembro de 2013 e tendo registado daí para cá crescimentos da sua economia cifrados em cerca de 4,8% em 2014 e 6,0% em 2015.

É um contraste significativo com os governos de centro-direita que perderam consecutivamente o poder na Grécia, em Portugal e em Espanha, como resultado de irritação pública com os duros programas de austeridade rematados por fracos desempenhos económicos nas fases prometidas para a recuperação. Agora, se o Fine Gael não conseguir vir a ganhar esta reeleição na Irlanda com uma economia que, para variar, está claramente em recuperação, o temor só pode aumentar para aqueles governos de outros países europeus da área da moeda única que em breve vão enfrentar, por sua vez, os seus testes eleitorais. As manifestações de desagrado nas urnas com a prioridade dada às questões financeiras, ao saneamento bancário e à austeridade por parte de Bruxelas serão um fenómeno que, por contágio, se pode alastrar Europa fora e aumentar as pressões sobre Bruxelas para finalmente mudar de rumo em termos de política económica. Antes que as coisas venham a repetir-se num daqueles países europeus que, numa União de países iguais e como dizia António Esteves Martins, são mais iguais do que os outros...

58º ANIVERSÁRIO DE UM PROJECTO ROTUNDAMENTE FALHADO

Em 22 de Fevereiro de 1958 os presidentes Gamal Abdel Nasser do Egipto e Shukri al-Quwatli da Síria assinavam o acordo para a fusão dos dois países que daria origem ao nascimento da República Árabe Unida. Paradoxalmente, a iniciativa partira da Síria, onde, espantemo-nos, naquela época e ao contrário do Egipto, até havia uma opinião pública e eleições com um grau mínimo de liberdade. Era essa opinião pública que, entusiasmada com a projecção da imagem de Nasser no mundo árabe após a guerra do Suez, empurrava as elites políticas sírias para uma associação com o Egipto. A situação deu margem de manobra para que Nasser pudesse impor as suas condições para a fusão. A República que nascia decalcava quase todas as suas instituições das egípcias, a começar pelo monopartidarismo, que era estranho às tradições políticas sírias¹. Contudo, os dados dos referendos que, realizados no dia anterior (21 de Fevereiro), validavam a assinatura dos dois presidentes, eram indicativos do que se poderia esperar, a prazo, daquela unidade. Não por causa dos resultados, que eram, como seria de esperar, entusiásticos no seu unanimismo pela fusão, mas pelos 1.313.000 eleitores da Síria quando comparados com os 6.104.000 do Egipto.
Sem contrapartidas de segurança, conhecidas as condições desequilibradas em que o acordo fora firmado, o ascendente do presidente egípcio e o facto de, demograficamente, haver seis egípcios por cada sírio, antecipava-se que o processo não tardaria a degenerar, como degenerou, num descarado Anschluß (do nome da anexação da Áustria pela Alemanha em 1938). Variados exemplos do tratamento subordinado dado à Síria e aos sírios podem ser lidos na Wikipedia. Um caso que se veio a revelar importante foi o das forças armadas sírias, que Nasser tentou mas não conseguiu controlar com a nomeação de comandantes egípcios e sírios que lhe fossem leais. Três anos e meio depois das ilusões, quando, entre outras medidas, se quis introduzir a união monetária entre os dois países, a situação política na Síria já degenerara tanto que em Setembro de 1961 um grupo de oficiais do exército sírio deu um golpe de estado que não teve quase nenhuma oposição. Uma ideia de união que fracassou porque as sociedades árabes haviam evoluído muito e já não se viviam anos em que um projecto daquela envergadura se podia efectuar à volta da figura, ainda que carismática, de uma espécie de califa laico.
¹ Para além das tradições históricas distintas dos dois países, até no seu passado colonial, o Egipto fora um protectorado britânico (1882-1952) enquanto a Síria fora um mandato francês (1919-1946).

21 fevereiro 2016

CENTENÁRIO DA BATALHA DE VERDUN

Há precisamente cem anos, 21 de Fevereiro de 1916, começava a Batalha de Verdun que se iria prolongar até Dezembro. Num quadro muito mais vasto das potências envolvidas na Primeira Guerra Mundial, esta disputa por Verdun foi e permanece um assunto exclusivo franco-alemão. Mas, sobre o assunto não vou repetir aquilo que já aqui escrevi há seis anos.
E mesmo a Euronews, na sua incessante tarefa de amenizar os nacionalismos europeus, mostra um certo desconforto a cobrir as celebrações, descrevendo o que aconteceu, mas sem se atrever a explica-lo, às pulsões que estiveram por detrás de um enfrentamento de meses que provocou mais de meio milhão de mortos repartidos pelos dois lados, por uns miseráveis pedaços de terreno...

«TO GROW OR NOT TO GROW, THAT IS THE QUESTION»

Apesar de não aparecer no quadro acima, extraído da The Economist, soube-se há coisa de uma semana que a economia portuguesa havia crescido 1,5% em 2015. É uma taxa de crescimento que está em linha (como ensinaram Pedro Passos Coelho a dizer...) com a da Zona Euro, que equivale à que acima consta para a economia alemão (do senhor Schäuble, que tanto gosta de se pronunciar sobre Portugal) e que é inferior em meio ponto percentual aos 2,0% registados pela economia holandesa (do senhor Dijsselbloem, outro dos amigos que diz estar preocupado connosco). A chatice é que, como os valores de base de alemães e holandeses são superiores aos nossos, em valor absoluto eles progridem mais do que nós - e parece que não seria bem essa a ideia original da CEE a que aderimos em 1986... Adiante. De acordo com aquela mesma tabela acima, taxas de crescimento interessantes, superiores a 3% em 2015 e na zona euro, só mesmo a da economia espanhola (3,2%) e, já fora dela, mas ainda dentro da União Europeia, as economias polaca, checa (3,4%) e sueca (3,3%). Mas para encontrar taxas de crescimento económico que sejam inequívocos sinais de sucesso há que sair da Europa e descobri-las em economias como a da Índia (7,2%) ou das Filipinas (6,4%). Ou seja, e escrito com a frontalidade de um Baptista-Bastos, o crescimento económico prometido no fim do ciclo de austeridade revelou-se uma merda: o crescimento da economia portuguesa registado nos dois últimos anos (2014 (0,9%) e 2015 (1,5%)) foi menor do que a previsão de crescimento originalmente antecipada (pelo governo que ia para além da troica) só para o ano de 2014 (2,5%). O prosseguimento do programa português que em Bruxelas se congeminou para nós está a continuar a revelar-se um fiasco. Apesar das promessas e da propaganda, a economia portuguesa estagnou a crescer a 1,5% este ano e a Europa do Euro também parece igualmente estagnada. Até a parcial OCDE já se terá apercebido desse problema de repercussões mundiais, veja-se abaixo a síntese deste seu relatório recente. Como não tem aproveitamento político - ao contrário de uma qualquer trivial troca de galhardetes entre um ministro grego e o FMI - acabou noticiado por todo o lado, mas não tendo sido analisado nem comentado em lado algum.

20 fevereiro 2016

O MESMO TABULEIRO DE LUTA POLÍTICA

Temos que incorporar que as entrevistas dadas por um reaparecido (vindo da reforma) Domingos Abrantes e as opiniões emitidas em Bruxelas (mas amplificadas por cá) de Jeroen Dijsselbloem são actos de um mesmo tabuleiro de luta política. Longe vão os tempos em que os nossos jogadores de futebol se mostravam submissos e disponíveis para acatar as decisões do mister, sendo esta forma de tratamento a aceitação implícita da superioridade do que vinha do estrangeiro. Se nos treinadores de futebol as coisas se passam de maneira diferente, é difícil perceber porque é que nestes outros assuntos a compreensão dos mesmos ainda parece embotada por complexos de inferioridade. Se as declarações de Domingos Abrantes são a ressurreição do velho discurso hardcore dos comunistas moicanos, discurso a que os portugueses há muito estão habituados, há que realçar, por contraste, que as preocupações manifestadas por Dijsselbloem (ironicamente, eram os comunistas portugueses que as costumavam manifestar, no caso inquietações, nos seus formatados discursos), não passam das declarações normais quando vindas de um político que bem pode ver a sua carreira afectada pela forma como a situação evoluir em Portugal - na mesma onda que um qualquer político da oposição local. O que se está a passar com o orçamento português poderá ter repercussões importantes à escala continental como se pode ler no Público, através de um editorial de ontem ou da opinião de hoje de José Pacheco Pereira, ou ainda, numa perspectiva mais distanciada,na The Economist, num artigo intitulado Fudging the revolution (Adulterando a revolução), onde se pode ler no subtítulo Itália e Portugal estão a liderar uma revolta contra a austeridade da UE, mais ou menos. Convém perceber que Dijsselbloem é um político que, de fora, se opõe ao actual governo português cá dentro, apesar de pertencer à mesma família política e que Domingos Abrantes é um dos que, por causa do centralismo democrático, relutantemente o apoia (ao governo), mesmo pertencendo a outra família política.

UMA VISÃO, UMA EUROPA, UM LÍDER

A aventura de Asterix na Córsega termina com a posição intransigente dos corsos quanto à aceitação da supremacia de Roma e de Júlio César: ...para que os corsos aceitem um imperador, terá que ser um imperador corso, numa alusão óbvia à futura ascensão de Napoleão. A atitude faz-me lembrar, na inflexibilidade mas também pelo ridículo, a posição britânica sobre a União Europeia, de quem se diz que só entraram para a organização em 1973 para a sabotar e que só permanecem nela porque, com a proverbial teimosia britânica, nunca perderam a esperança de a controlar a partir de dentro. Por isso, quem imaginou o cartaz abaixo, com Tony Blair como hipotético candidato ao cargo de futuro presidente da União é senhor de uma ironia tão fina quanto a de Goscinny. Tudo isto a propósito de se constatar que já se estava à espera que David Cameron saísse das reuniões de Bruxelas brandindo um acordo que classificaria de um grande triunfo, fosse qual fosse o desfecho das negociações, mas só pelo facto de todos terem que aceitar o resultado de um referendo de desfecho imprevisível mostra que, mesmo substituindo Blair por Merkel, por Juncker, por Hollande, por Draghi, ou por quem mais se queira evocar, não há Visão, não há Europa, não há Líder. Também nisto (para além das dívidas soberanas dos PIGS), parece andar tudo por Bruxelas a navegar à vista...

19 fevereiro 2016

A VER SE CAVACO SILVA NÃO SE ESQUECE DO MUTTLEY...

Confesso que considero deslocados todos os problemas que vejo estarem-se a levantar a respeito da concessão de uma condecoração a António Sousa Lara. A competência para as conferir é de Cavaco Silva. Nem todas as decisões a esse respeito de Eanes, Soares e Sampaio terão estado isentas de críticas, bem antes pelo contrário, e com Cavaco não será diferente. O que para mim vale a pena perguntar é se terá sido assisado conferir ainda mais esta condecoração a Sousa Lara, confira-se a sua fotografia mais abaixo onde se comprova o valor que lhes dá. Terá ele peito para suportar ainda mais este peso da insígnia de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique numa jaqueta tão ornada de condecorações? Suponho que sim, tanto mais que, segundo percebi e apesar das aparências, se trata afinal da primeira condecoração oficial portuguesa do insigne académico. Oficiais e registadas, além da que acabou de receber, só mesmo mais três condecorações estrangeiras, duas espanholas e uma da Santa Sé. O resto da glória e reconhecimento que se pode apreciar na foto abaixo não passará de pechisbeque pregado a fitas coloridas que contrastarão com o fundo negro do smoking. Depois de o fazer ao que de mais parecido conheço de carne e osso, só fica a faltar mesmo condecorar o Muttley original...
Em contraste, e para que não se diga que apenas se comenta negativamente as escolhas do presidente, gostaria de assinalar elogiosamente a mesma distinção conferida a Nuno Rogeiro. Passe o trocadilho, temos agora um comentador que também é Comendador (da mesma Ordem do Infante D. Henrique), alguém que desenvolveu um estilo próprio, que nos é capaz de falar da actual tensão entre russos e turcos discorrendo competentemente sobre a manobrabilidade e os avionics do SU-35 quando em comparação com o F-16. Apenas uma pequena nota final para ele, que nos aparece nesta fotografia abaixo na ponta direita. É que, para quem tanto se preocupa em falar-nos das características dos equipamentos, ele não deve cruzar casualmente os braços no peito quando da foto de família, tem que pôr-se mais hirto para nos deixar ver o equipamento, neste caso a condecoração...

«O INIMIGO INVISÍVEL»

Continuando uma viagem iniciada em poste anterior pelo passado e pelas fachadas da Avenida da Liberdade, nesta outra foto descemo-la e chega-se à Praça dos Restauradores, diante do cinema Éden, onde a fita em exibição era, nesse pacato dia de Verão de 1940, O Inimigo Invisível (Thunder Afloat no original, o filme estreara a 9 de Agosto), com Wallace Beery, Chester Morris e Virginia Grey. A acção decorria em 1917 nuns Estados Unidos acabados de entrar na Primeira Guerra Mundial e o inimigo invisível eram os submarinos da marinha de guerra imperial alemã. Tirando o epíteto de imperial, o resto parecia novamente adequado à situação internacional de 1940: a França acabara de ser vencida em Junho e o Reino Unido, isolado, enfrentava agora a Alemanha (e a Itália) sobre o seu próprio espaço aéreo, naquela que veio a ser conhecida por Batalha de Inglaterra. No mar tinha que assegurar, mais uma vez, a segurança das suas vitais linhas de abastecimento dos ataques dos submarinos alemães - a chamada Batalha do Atlântico. Os norte-americanos ainda não se haviam envolvido abertamente no conflito, apoiavam os britânicos, e, como se vê, pareciam também não estar inactivos no campo da propaganda light. Os portugueses sentiam-se disputados pelos dois lados e não submetidos apenas, como agora, aos argumentos do lado pró-europeu (abaixo, propaganda de guerra do Eixo, com uma argumentação estranhamente actual...).

18 fevereiro 2016

AINDA ANTES DOS CEM DIAS

Ainda não se completaram os tradicionais cem dias de governo e o assanhamento do ambiente político já há muito que é o mesmo, senão mesmo pior, do que o existente quando os governos já adquiriram velocidade de cruzeiro. Tanto maior o azedume, tanto mais eu me lembro deste simbólico desenho - velho de 110 anos - de Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro. Desde sempre terá sido uma delícia chegar-se ao poder e uma pena ter-se sido dele afastado...

ENTRADAS DE LEÃO, SAÍDAS DE SENDEIRO

Para demonstrar o quanto o problema que quero expor é estrutural e endémico na nossa sociedade, escolhi dois episódios que são muito semelhantes mas separados por cinco anos, envolvendo duas organizações locais muito diferentes (a distrital de Aveiro e a concelhia de Coimbra), de partidos diferentes (PS e PSD) e noticiados por jornais diferentes (Correio da Manhã e Jornal de Notícias). A semelhança é que são denúncias de episódios flagrantes de escroqueria daqueles que são praticados aquando da realização de eleições partidárias internas (as reputadas chapeladas eleitorais), nestes dois casos através da forja artificial de militantes eleitores. E o contraste das notícias dificilmente poderia ser maior, entre a fase em que a disputa eleitoral ainda está em curso (acima) e a fase em que, levada a escroqueria à apreciação da justiça, se aproximam as sanções judiciais (abaixo). Acima, a notícia é enfeitada com a fotografia de um dos protagonistas e está recheada de todos os pormenores burlescos que suscitam a nossa indignação (como os 17 novos militantes que se amontoam numa mesma casa ou os 77 que usam o mesmo telemóvel...); abaixo, toda a discrição é pouca, a fotografia mostra o emblema do partido mas ninguém em particular, os cerca de 20 militantes envolvidos na trapaça (que deve ter tido pormenores tão burlescos quanto os relatados acima...) são todos réus anónimos e nem mesmo o deputado da anterior legislatura, apesar de destacado, é devidamente identificado - trata-se de Rui Pedro Duarte. Ora, assim, se quase se consegue perceber nas entrelinhas da notícia a cumplicidade do próprio Ministério Público, não se vai lá. Há que ser-se consequente: ou moderamos o nosso ultraje colectivo ao denunciar os factos, ou passamos a ser mais exigentes no momento das condenações. É só para que conste e se saiba que o PS de Coimbra é dirigido por um cadastrado. Mas isso é comum e parece ser aceite com naturalidade em Coimbra: a Académica também o é.

17 fevereiro 2016

O EUROPEÍSMO COMO DOGMA DE FÉ

Tudo pela Nação, Nada contra a Nação. (slogan do Estado Novo) Oitenta anos depois o Tudo passou a ser pela Europa?

Este vídeo com um trecho de um discurso de Paulo Rangel no parlamento europeu terá sido difundido com outro objectivo, mas a forma como o europeísmo é invocado e mesmo brandido pelo orador faz-me lembrar as ortodoxias dos tempos das grandes guerras religiosas ou as profissões de fé pelas doutrinas totalitárias do Século XX. A Europa e o europeísmo, pelo misticismo como Rangel a eles se refere, assemelham-se estranhamente à Nação de uns ou então ao Comunismo dos outros. O europeísmo de Rangel parece revestir-se de uma concepção tão rígida que não surpreenderia muito (se levarmos a sério as suas palavras) vir-se a falar a breve futuro de uma cisão franco-alemã como outrora se falou de uma sino-soviética. Já agora e a propósito e quanto ao resto da intervenção malevolente de Paulo Rangel, a comparação de Porfírio Silva da União Europeia com a União Soviética e que ele condena nem sequer é original: já há três meses José Pacheco Pereira fizera uma analogia semelhante, senão até mais substantiva e contundente (abaixo), comparando a soberania dos actuais países da União Monetária com a dos países do Pacto de Varsóvia, submetidos à famosa Doutrina Brejnev.

A ANTEPASSADA DA «PLAY-BOY»

Carnival foi uma revista do grupo editorial Hillman que é um excelente exemplo daquilo que foram as antigas revistas norte-americanas especialmente vocacionadas para um público masculino, antes do aparecimento da icónica Playboy. O grupo editorial e Alex P. Hillman, que o fundou em 1938, ficaram conhecidos pelo seu conservadorismo político e uma revista deste género pode considerar-se de uma certa forma paradoxal numa sociedade (e para um meio político) que é conhecida pelo seu pudor (onde mais os políticos costumam ser tão atacados pelos seus deslizes com saias?), mas o apetite pelo lucro também torna coerente a presença de revistas do grupo num segmento de mercado que era particularmente rentável (onde é que imagina um G.I. sem a sua pin-up afixada na porta interior do cacifo?). Neste seu número de Dezembro de 1953 (A Magazine of Excitement, lê-se na capa), o pretexto para as exibir - às pin-ups - é uma demonstração - prática - dos limites legais do desnudamento nas sessões de strip-tease de acordo com as leis então vigentes em cada estado: Kansas, Califórnia, Nova Iorque, Illinois, Texas, Florida ou Louisiana. Ora dá-se a coincidência de Dezembro de 1953 ser também o mês em que saiu a primeira edição da Playboy (abaixo). E era um começo de arromba. Não se sabia as inclinações políticas de Hugh Hefner, mas o gosto e a ousadia de que dava mostras - a primeira edição continha um poster a cores de Marilyn Monroe nua - fazia com que a sua Playboy pudesse ser vendida ao dobro do preço da Carnival (50 vs. 25 cêntimos).

16 fevereiro 2016

SOBRE AS PRIMAVERAS QUE NUNCA CHEGARAM AO ESTIO

Este mapa que foi elaborado pela The Economist, e que representa um balanço do insucesso de cinco anos das denominadas Primaveras Árabes, sintetizará muito bem as razões pelas quais hoje não existem autores nem se apontam responsáveis pelo desencadear de tal fenómeno meteorológico, apesar de tão elogiado no seu começo. Essa inexistência de autores e responsáveis - também pela guerra civil na Síria - não obsta a que a nossa opinião sobre o assunto deva ser como o daquele ditado galego a respeito das bruxas, que não acreditando nelas, assegura que as há, há.