27 setembro 2012

O MEU MOMENTO «CATCH-22»

Catch-22 é o título de um famoso livro de Joseph Heller - por sinal, achei-o intragável, de um humor falhado. O que o tornou famoso terá sido o conceito ali forjado, que se tornou depois numa expressão idiomática usando o título do livro, equivalente a uma lógica absurda que acaba por se contradizer a ela própria, que se pode desencadear quando da aplicação estrita de regulamentos. Concretamente, o herói da história, piloto de combate em guerra, estava louco e não devia voar, porém, no momento em que requeresse isso ao abrigo do tal Artigo 22, mostrava sanidade mental suficiente para que o seu pedido fosse indeferido…
 
No momento em que me vi envolvido numa situação Catch-22 eu era demasiado novo para saber do que se tratava, nem imaginava sequer o que era a burocracia. Acabado de concluir o ensino pré-escolar num externato de Lisboa, munido de um pomposo diploma que informava que eu passara para a 1ª Classe com 20 valores (!), tive que me inscrever para o ano lectivo seguinte – malhas que o Império tece – na escola oficial – a única existente – de uma remota cidade de uma província ultramarina – para empregar a terminologia do Império… E a inscrição foi rejeitada porque eu não tinha a idade convencionada naquela província…
Fui assim despromovido a frequentar uma classe intitulada Pré-Primária, onde se ensinariam uns rudimentos de português, a começar pela expressão oral – estava-se numa província ultramarina e o português não era o idioma de casa de muitos alunos… Entretanto, os recursos quanto à minha situação mostravam-se infrutíferos. As perspectivas só começaram a melhorar quando na classe nos pediram para desenhar a nossa escola. E eu desenhei-a, bonita, colorida e devidamente identificada com o letreiro ESCOLA. E assim começou o meu Catch-22: para estar naquela classe, eu não podia saber escrever Escola
 
A professora veio embaraçada e discretamente sugerir-me que eu apagasse aquela parte do desenho. As negociações não foram fáceis: apesar do fascismo e do colonialismo vigentes até uma criança de seis anos é naturalmente pela liberdade de expressão artística. Apaguei os dizeres mas vim para casa queixar-me da Censura. Por instruções familiares, a partir daí os meus desenhos passaram a ter todos palavras escritas, incluindo vários diálogos circunscritos em filacteras conforme aprendera na BD. Na hierarquia escolar, alguém foi final e felizmente sensível ao ridículo e passado pouco tempo fui transferido para a 1ª Classe…   

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