Se o avaliarmos apenas em termos das consequências, Camerone foi um episódio militar menor de um acontecimento histórico menor, que está hoje completamente esquecido: a intervenção francesa no México (1862-67) – que eu já me referi neste blogue com um desenvolvimento mínimo. Mas aquela pequena batalha travada em 30 de Abril de 1863 entre algumas dezenas de legionários e cerca de dois milhares de insurrectos mexicanos que os cercavam ajudou não apenas a estabelecer a reputação da Legião Estrangeira francesa, como veio criar um formato de batalha táctica cuja narrativa se prestava a galvanizar os exércitos envolvidos em acções contra-subversivas no estrangeiro: apresentando-os em situações em que estavam numa inferioridade numérica esmagadora, e onde o punhado de combatentes expedicionários via-se obrigado a adoptar uma prolongada defesa estoica em algum local esquecido da Terra até deixarem de se encontrar em condições de resistir. No episódio de Camerone, para exemplo de coragem, os cinco legionários que ainda subsistiam no final das dez horas de batalha (dos 62 originais), quando já não lhes restavam munições para disparar, decidiram atacar à baioneta!
O tema foi repetidamente repegado nos 150 anos que se seguiram embora a evolução das mentalidades obrigasse a fazer algumas alterações. Ao desfecho trágico passou a preferir-se o final feliz, consagrado pelos filmes de Hollywood. Já aqui me referira à Batalha da Colina 488, travada entre norte-americanos (poucos e bons) e norte-vietnamitas (muitos e maus) em Hiêp Dúc no Vietname central em Junho de 1966. Aí, os fuzileiros sobreviventes cercados – a maioria deles feridos – foram (felizmente) resgatados no fim. Agora com esta batalha da Colina 3234 no Afeganistão, para além de se constatar que os progressos da cartografia militar retiraram muita poesia à forma de baptizar as batalhas, descobre-se que os soviéticos durante a sua invasão/permanência internacionalista no Afeganistão (1979-89) também tiveram a sua quota-parte deste género de pequenas batalhas intensíssimas, onde a descrição se circunscreve deliberadamente aos aspectos tácticos envolventes que levaram ao combate e à bravura das acções individuais dos combatentes, o que se torna bizarro quando nos lembramos que, com soviéticos, deveríamos estar perante verdadeiros marxistas-leninistas para quem a doutrina torna indispensável, antes de tudo, validar a justeza das razões que opunham os contendores...
Em Novembro de 1987, o 40º Exército Soviético encarregue das missões de contra-subversão no Afeganistão desencadeou a Operação Magistral, destinada a reabrir a estrada que ligava a cidade de Gardez à de Khost (situada mesmo junto à fronteira com o Paquistão), que havia sido cortada pelos mujahidin desde há vários anos, obrigando a que a cidade tivesse de ser reabastecida pelo ar. Para cobrir a coluna blindada que forçaria a reabertura, várias unidades aerotransportadas iam ocupando antecipadamente as posições mais elevadas, para cobrir tacticamente a coluna que progredia. Numa dessas operações, a 7 de Janeiro de 1988, uma desgastada (mas experimentada) companhia de pára-quedistas composta por 39 combatentes, foi desembarcada sobre uma colina designada pela sua altitude (3234), de onde se podia controlar uma extensa secção da estrada em disputa. Mas pouco tempo depois da chegada a unidade foi atacada por uma força bem armada de várias centenas de mujahidin que os pretendeu desalojar daquela posição. Note-se como as condições meteorológicas devem ter sido particularmente hostis para os dois antagonistas: estava-se no pico do Inverno e a mais de 3.000 metros de altitude. Em franca superioridade numérica, entre as 15H30 da tarde do dia da chegada e a alvorada do dia seguinte os mujahidin montaram 12 ataques (inconseguidos…) às posições sobranceiras ocupadas pelos soviéticos. No final, a 9ª companhia do 345º Regimento sofrera 6 mortos e 28 feridos e os sobreviventes tinham uma saga para contar (abaixo). Todos foram condecorados.
Importantes apenas para as pequenas histórias da História, importa lembrar que os dois episódios referidos e o que foi narrado terminaram todos com a derrota dos respectivos protagonistas: franceses no México, norte-americanos no Vietname, soviéticos no Afeganistão. Apenas em jeito de curiosidade adicional, pode-se perguntar se as forças armadas portuguesas terão tido episódios que se assemelhem aos acima referidos e narrados. Não tenho conhecimento de nenhum. A ter havido, o Teatro de Operações em que me parece mais provável que isso possa ter acontecido será o da Guiné. Mas no geral, a desproporção do poder de combate e da qualidade do treino entre os militares portugueses e os guerrilheiros era tal que os confrontos não se podiam prolongar por muitas horas.
Estou-me também a lembrar, porque penso que também se enquadra no tema do seu post, da batalha de Montecassino no Sul da Itália no decurso da 2ª Guerra Mundial.
ResponderEliminarNão, não se enquadra. Há uma diferença significativa de escala: a batalha de Montecassino durou muito mais tempo e envolveu muitos mais meios humanos e materiais.
ResponderEliminarAlém disso os objectivos em disputa, a quinta de Camerone, as colinas 488 ou 3432, tinham apenas um valor táctico circunstancial. Montecassino tinha um valor táctico absoluto: era o ferrolho que segurava toda a posição defensiva que fora estabelecida pelos alemães ao longo de toda a península italiana.
Por consequência, a disputa pela sua posse também provocou muito mais baixas...