25 abril 2012

A VOZ DO POVO: DESDE OS «DAZIBAOS» ÀS CAIXAS DE COMENTÁRIOS DOS ARTIGOS DE JORNAL «ON-LINE»

 Lenine estava a marimbar-se para o que o povo pensava. E para a sua voz. Para isso, a classe operária precisava de uma vanguarda esclarecida (o Partido) que daria voz ao que o proletariado devia pensar. Já Mao Zedong era mais cínico. Com a Campanha das Cem Flores, incentivou a expressão da multiplicidade de escolas de pensamento para posteriormente identificar e prender os seus autores. Sendo importante a expressão popular, Mao organizou uma sua voz do povo mais uníssona, protagonizada originalmente pelos estudantes que entretanto viraram guardas vermelhos e que vieram a ter um enorme relevo no período da Revolução Cultural. Voz do povo tornou-se assim uma expressão identificativa do léxico maoista, como se comprova pelo exemplo do título do jornal oficial da UDP (acima) em 1975.
 Refira-se que os suportes mais castiços dessas vozes do povo nem sequer eram os jornais mas antes os dazibao (adoptando a sua designação original chinesa), jornais pintados afixados à parede expressando aparentemente as opiniões pessoais  - alinhadas! - dos autores (acima). O próprio Mao, cujo pensamento se tornara omnipresente nesses anos à conta do famoso Livro Vermelho, escreveu o seu próprio dazibao a 5 de Agosto de 1966 exigindo aos revolucionários que bombardeassem o Quartel-General (que, na sua opinião, estaria infiltrado…). Documentos afixados, expressando as  sempre ortodoxas opiniões do povo, tornaram-se de rigor entre as organizações maoistas. Depressa chegada à Europa, a prática tornou-se tão chique que a vemos a ser adoptada em Paris durante o Maio de 1968 (abaixo).
 Mas, no geral e na Europa, regresse-se ao exemplo português, as ditas vozes do povo, mesmo sendo ele evocado amiúde (abaixo, vê-se um mural naquele mesmo estilo dazibao atribuindo a esse mesmo povo a libertação do secretário-geral do MRPP!), revelaram-se de um formalismo exagerado, desmentindo tanto a espontaneidade quanto a sua origem popular. Paradoxalmente, foi na própria China, com a permissão da afixação num local de Pequim que veio a ser denominado por Muro da Democracia, que se veio a criar uma última oportunidade para uma expressão directa da voz do povo na forma de dazibaos, durante o período conhecido por Primavera de Pequim (1978-79). Foi um período curto, rapidamente encerrado quando começaram os pedidos de democratização do regime.    
 Sem querer ser exaustiva, esta é apenas uma pequena história da expressão das vozes do povo através dos meios que tinha à sua disposição. Hoje, o povo dispõe finalmente das condições técnicas para exprimir a sua verdadeira voz sem repressão nem intermediação – mas também sem responsabilização… E o povo faz ouvir a sua voz através das caixas de comentários dos artigos dos jornais on-line. Já se tornou tradição que uma dessas caixas não estará devidamente preenchida se ali não houver ninguém (de preferência anónimo) que, mesmo que o faça completamente a despropósito com o conteúdo do artigo, proclame uma bojarda populista primária no estilo: no tempo do Salazar é que era! Mas o verdadeiro conteúdo popular é-lhe acrescentado pelas várias trocas de insultos que se lhe seguem…

Tratar-se-á certamente da expressão das genuínas lutas de classes do Século XXI... 

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