30 junho 2024

A NOITE DAS «FACAS LONGAS»

(Republicação)
30 de Junho de 1934. Depois de 17 meses no poder, Adolf Hitler procede a um ajuste de contas com aqueles que, dentro do próprio aparelho do partido e mesmo das áreas ideológicas que lhe são adjacentes, ele considera ainda passiveis de o desafiar. Para ilustrar a vaga de execuções que então teve lugar, o cabeça de cartaz costuma ser Ernst Röhm (acima vemo-lo ao lado de Adolf Hitler e na foto abaixo, autoconfiante, aparece acompanhado de um Heinrich Himmler que parece escutá-lo atentamente). A entrada da Wikipedia em alemão relativa aos acontecimentos, em vez da referência às facas longas comuns a todos os outros idiomas, tem até o título de «Röhm-Putsch», como que a validar a versão oficial de que houvera uma tentativa de golpe a justificar a violência que se seguiria. A identidade dos executados caracterizou-se afinal pela sua heterogeneidade, porque para além de Röhm e outros que lhe eram considerados próximos, incluiu pessoas de perfis tão díspares quanto um antecessor do próprio Hitler como chanceler (chefe de governo), dissidentes da ala esquerda do partido nazi e políticos bávaros com quem os dirigentes nazis tinham contas pessoais a ajustar. Quanto ao número de assassinados, cerca de uma centena, talvez menos, ele pode afinal ser considerado pequeno, considerando tudo aquilo que o III Reich virá a fazer, mas convém não perder de vista a forma intimidatória como os acontecimentos foram apreciados na época, ao assistir-se ao próprio regime que está no poder a permitir-se recorrer a execuções extrajudiciais para regular as suas disputas políticas internas, qual gangue de mafiosos. Esta última comparação até faria sentido se na Alemanha houvesse mafiosos; ora na Alemanha não há mafiosos: os alemães são um povo muito organizado em tudo, menos no crime - o crime organizado que exista na Alemanha deve-se às mafias italianas, turcas, russas, etc. Alemãs, não há nem nunca ninguém ouviu falar.

29 junho 2024

A ESTE JÁ O VIMOS PRESTAR-SE A TUDO POR UM POUCO DE ATENÇÃO

Se há coisa de que me felicito foi ter criado, mais recentemente, esta etiqueta no Herdeiro de Aécio evocando acontecimentos com cinco anos. Aplicados criteriosamente, cinco anos passados podem possuir aquela magia de despojar aquilo que seriam actualidades no ridículo de gestos que agora se percebem ser completamente desprovidos de conteúdo, interesse e consequência. É terrível para quem nunca o teve: ao conteúdo. São os órgãos de comunicação social a escolher o que terá interesse. Mas compete-nos a nós seleccionar e reter o que dali teve verdadeiramente alguma consequência. A 29 de Junho de 2019, montado em cima de uma mota, Pedro Santana Lopes, ia «recolher contributos para o programa eleitoral» da Aliança (o partido que fundara e que entretanto já abandonou). Logo ele, que nunca tivera nenhuma ideia, e a quem se notava o embaraço quando se punha a fingir que as tinha (ideias). Portanto, quando estas mediocridades se põem a pavonear por aí, há uma quota parte da responsabilidade de os manter «por aí» também é nossa. 

28 junho 2024

PAULO NÚNCIO - UM HOMEM DE EQUIPA QUE «DIGNIFICA» QUALQUER EQUIPA

Mais abaixo pode ler-se uma passagem - um parágrafo - do artigo que hoje Susana Peralta escreve para o Público. O artigo é sobre outro assunto (sobre a religiosidade da crença do efeito mágico da redução dos impostos sobre a economia), mas a passagem em destaque é uma pisadela de calcanhar e tacão fino sobre os critérios de auto-regulação ética praticados sobre quem se dedica à investigação académica. Apanham todos: o visado, Paulo Núncio (abaixo, à esquerda), que é um cromo que deixou um rasto memorável na sua passagem pela administração fiscal (recorde-se no fim); apanha o «colega e amigo» coordenador da equipa, Pedro Brinca, e o resto da equipa, que não se terão incomodado nada com aquela companhia; e apanham os responsáveis da Fundação Francisco Manuel dos Santos que bancam a equipa e é só, o resto parece não ser com eles. Para estas três partes parece não haver problema que a primeira - Núncio - esteja envolvido no estudo do impacto de medidas que - algumas - foram promovidas pelo próprio.
Recordemos os expedientes de Paulo Núncio em Fevereiro de 2017, quando enfiado em mais uma enrascada política: começou por se descartar das responsabilidades, assumiu depois a "responsabilidade política" e demitiu-se dos cargos no CDS para, no dia seguinte, a patroa da loja do CDS (Assunção Cristas) vir fazer-lhe um elogio. É uma pena que estas coisas se esqueçam.

O CUMPRIMENTO PROTOCOLAR QUE «FUGIU» AO PROTOCOLO

28 de Junho de 2019. Esta fotografia protocolar dos tradicionais cumprimentos entre os dirigentes presentes na cimeira do G20 que decorreu na cidade japonesa de Osaka correu mundo. E correu mundo porque a fotografia fugiu ao protocolo. Era mesmo para fugir ao protocolo. Ao afixar aquelas trombas de quilómetro a primeira-ministra britânica estava a dar satisfação à opinião pública e publicada do seu país, que se mostrava indignada com o facto de os russos andarem a promover operações «à James Bond» no país do próprio James Bond. Envenenando exilados políticos russos. Não se sabia então, mas esse viria a ser apenas o preâmbulo de uma progressiva antipatia das opiniões públicas e publicadas ocidentais por Vladimir Putin. Finalmente, e só para constatar que, não sendo nada fotogénica, Theresa May podia afixar outras expressões para a ocasião, duas fotografias dela, uma delas na mesma cimeira, mas cumprimentando o anfitrião Shinzo Abe, e outra com o mesmo Putin, mas numa outra cimeira em 2016.

27 junho 2024

O RETORNO À TERRA DA MISSÃO CHANG'E-6

Três semanas depois de descolado do lado oculto da Lua, a nave espacial chinesa Chang'e-6 completou a viagem de retorno, aterrando nas planícies da Mongólia Interior com um conjunto de amostras lunares de regiões geológicas ainda inexploradas do nosso satélite. A cápsula de retorno, no formato característico das naves de inspiração soviética, reentrou na nossa atmosfera às 06H07 GMT de 25 de Junho, com a descida a ser monitorizada via televisão pela equipa de controlo, como se pode ver no vídeo abaixo. Os membros da equipa de recuperação da missão apressaram -se a verificar não só a cápsula como a desenrolar uma bandeira chinesa para aparecer nas fotografias... É um indiscutível sucesso de propaganda chinesa.

DE UM VALEDERO DE FICÇÃO A UM ÁRBENZ REAL

(Republicação a pretexto de que hoje, 27 de Junho, se completam 70 anos sobre a renúncia de Jacobo Árbenz à presidência da Guatemala)
aqui falei de O Regresso do Fantasma, uma história de BD de Hermann & Greg de 1973. Recontando a síntese do enredo, o presidente (Juan Enrique Valedero) de uma República latino-americana (Monteguana) é vítima de um atentado que destrói o seu iate de cruzeiro e ao qual ele escapa por acaso. O navio dos nossos heróis (o Cormoran), acidentalmente por perto, recolhe-o, assim como aos seus dois guarda-costas, os únicos sobreviventes da tragédia. Antes de o poder comunicar, Valedero apercebeu-se que o atentado se tornara um pretexto para que houvesse um golpe de estado em Monteguana.
A morte do presidente já fora anunciada pela comunicação social de Monteguana sem que tivesse havido qualquer pedido de socorro, tanto do iate como do Cormoran. Os nossos heróis vêm-se assim associados aos esforços do presidente fantasma para recuperar o poder, enquanto os golpistas tentam eliminá-los a todos, tornando real a verdade oficial que fora entretanto antecipadamente proclamada. É nessa viagem para recuperar o poder que Valedero, um intelectual de ascendência europeia oriundo das elites do país, se apercebe que a realidade política do seu país é muito diferente da que imaginava…
A história acaba bem, com um presidente mais lúcido de um país retrógrado – veja-se como o soldado na imagem acima apenas o reconhece por causa dos selos do correio… Em O Regresso do Fantasma nota-se tanto a inspiração histórica do exemplo de Jacobo Árbenz, o presidente da Guatemala entre 1951 e 1954, como uma certa perspectiva ideológica europeia¹ que acreditava que o despotismo esclarecido bem intencionado de alguns dos membros das elites tradicionais poderia ser o catalisador para transformações sociais que derrubassem as oligarquias locais tradicionalmente apoiadas pelos norte-americanos.
Jacobo Árbenz (1913-1971) havia nascido de uma dessas famílias guatemaltecas, no caso de ascendência suíça e a natureza dotou-o, como se nota, com a pose aristocrática indispensável a quem pretende pertencer às elites. Por força das circunstâncias (o pai suicidara-se e a família passava por dificuldades financeiras) veio a matricular-se e graduar-se como oficial do exército em 1935 com um percurso académico brilhante. Dois anos depois tornava-se ali professor. E nos inícios de 1939 casava na sua classe, com uma filha de uma família de latifundiários salvadorenha. Entretanto começara a Segunda Guerra Mundial.
Os anos finais da Guerra foram um período de liberalização do continente, substituindo os regimes despóticos anacrónicos que os Estados Unidos haviam protegido, como era o caso do guatemalteco do General Ubico. O Capitão Árbenz, apesar da juventude (31 anos), já aparece associado aos movimentos militares que em 1944 vão acabar por conduzir à realização das primeiras eleições razoavelmente livres da História da Guatemala, que foram ganhas de uma forma esmagadora (cerca de 85% dos votos) por Juan José Arévalo, um académico intelectual, professor universitário e doutorado em Filosofia.
O período de seis anos (1945-51) da presidência de Arévalo foi uma época impar do usufruto de liberdades políticas na Guatemala que criaram condições para que a disputa política quanto à sua sucessão se tivesse travado nas urnas e não com armas como era a tradição do continente. Defrontavam-se a facção radical de inspiração marxista do movimento que colocara Arévalo no poder e a facção conservadora desse mesmo movimento, que pretendia estancar por ali a dinâmica entretanto criada. A primeira facção, protagonizada por Jacobo Árbenz, venceu as eleições presidenciais de 1951 com cerca de 60% dos votos.
A eleição de um esquerdista teve o condão de colocar a até então ignorada Guatemala no mapa das preocupações norte-americanas, atenta ao que a então recém-criada CIA designava por penetração soviética na América Latina. O detonador das inquietações foi a intenção, manifestada por Árbenz, em realizar uma Reforma Agrária², problema capaz de desencadear um conflito entre os interesses guatemaltecos e norte-americanos, com a multinacional United Fruit Company (a maior empresa mundial de comércio de frutos tropicais) de permeio como a maior empregadora e a maior latifundiária do país.
As operações da CIA que conduziram ao derrube de Árbenz, criando e treinando um exército dito rebelde, promovendo uma guerra de propaganda e algumas manobras de diplomacia de canhoneira tornaram-se exemplos das guerras sujas desenvolvidas por aquela organização para estes casos. O regime acabou por cair com uma facilidade que desmentia as conexões soviéticas. A Jacobo Árbenz foi-lhe permitido partir para o exílio no México mas, derradeira humilhação, foi-lhe exigida uma revista metódica na alfândega. Até ao fim, mesmo fotografado de cuecas, Árbenz mostrou ser o perfeito aristocrata…
¹ Essa perspectiva no Século XX é exclusivamente de esquerda, onde a referência obrigatória é Fidel Castro, mas no Século XIX, como se vê pelo caso da intervenção do Imperador Napoleão III no México (1862-67), mostra como aquela perspectiva ideológica era abrangente.
² Tratava-se de uma verdadeira Reforma Agrária, envolvendo a expropriação de parte das terras dos latifundiários para que elas fossem repartidas e redistribuídas entre os camponeses pobres. Não confundir com a colectivização das terras ocupadas e/ou expropriadas, processo a que os comunistas portugueses em 1975 deram o mesmo nome.

TALVEZ NÃO SEJA A MELHOR OCASIÃO PARA RECORDAR NOTÍCIAS DESTAS

...e como é tradicional nestas ocasiões, aqueles que ficaram expostos ao ridículo tentam desconversar. Por detrás de uma exibição para esquecer, poucos serão os querem pôr o jogador em causa, o assunto em discussão é absolutamente outro: como é evidente não foi António Silva que montou esta campanha de promoção de si próprio que se pode apreciar mais acima e foi o despropósito da promoção do jogador que ficou obviamente exposto com a sua exibição no jogo contra a Geórgia.

26 junho 2024

DEPOIS DO SUCESSO INTERNACIONAL ALCANÇADO PELO PASTEL DE NATA...

...agora parece ser a hora do sucesso da bebinca goesa. Será quase todo um continente que se rende aos encantos da doçaria euro-asiática baseada nas gemas de ovos e açúcar. Atente-se nas instruções do vídeo acima, a partir dos 3:45, o cuidado e a paciência que são postos na disposição metódica das camadas até ao doce vir a ser desenformado por volta dos 5:15. Neste caso, não o do vídeo, o outro, houve ali uma ou duas camadas que correram o risco de ficar um bocadinho mais esturradas, mas parece que a bebinca se compôs.

A MAIOR CAGADA POLÍTICA DA DEMOCRACIA PORTUGUESA

26 de Junho de 2004. Com as atenções dispersas por um campeonato europeu de futebol a decorrer no nosso país - estavam a decorrer os jogos dos quartos de final - os portugueses ficam a saber que o seu primeiro-ministro, José Manuel Durão Barroso, fora convidado para presidir à Comissão Europeia, que aceitara e que passava a pasta àquele que fora o seu rival no XXV Congresso do PSD, Pedro Santana Lopes. O Congresso realizara-se um mês antes, de 21 a 23 de Maio. E o presidente Jorge Sampaio acolheria a solução se ela fosse validada pelas estruturas políticas do PSD. Foi e por uma maioria norte-coreana. É um daqueles momentos históricos que pode muito bem ser descrito por: foi como atirar um pedaço de merda para a frente de uma ventoinha; ficaram todos cagados: Durão Barroso, Santana Lopes, Jorge Sampaio e ainda o colectivo de mais de cem conselheiros nacionais do PSD que votaram nele, mas tinham obrigação de saber o que é que nos estavam a impingir para primeiro-ministro... Como consequência colateral, o líder da oposição, Ferro Rodrigues, irritou-se com aquilo que considerou a ingenuidade de Jorge Sampaio e demitiu-se da liderança do PS. Foi substituído por... José Sócrates. Por efeito de carambola, tudo isto foi provavelmente a nossa maior cagada política em Democracia.

25 junho 2024

A CAUSA DAS ÁRVORES

Há causas cuja discussão pública é obrigatoriamente enviesada. Sejam quais forem as circunstâncias, o pressuposto é que a remoção de árvores nos meios urbanos incomoda os circunstantes e é só a partir daí que se pode falar do assunto. Se Ideiafix era apenas uma personagem cómica do universo das aventuras de Astérix, hoje esses radicalismos são assumidos muito a sério.

«CAPITÃO DE ABRIL, CONSTRUTOR DA DEMOCRACIA, COMBATENTE PELA PAZ»... MAS TAMBÉM "DESTRUIDOR" DO REGIME NOVEMBRISTA

25 de Junho de 1984. Por ocasião da realização do 2º Congresso Regional da UDP no Machico (Madeira), o dirigente nacional Mário Tomé destacava-se pelo tom inflamado e radical do seu discurso opinando que a única saída para a situação política económica e social de então seria «a destruição daquele regime reaccionário novembrista» (referência ao 25 de Novembro de 1975). A solução seria a instauração em Portugal da «República Popular», única que «permitiria ao povo a mais ampla liberdade para se organizar e lutar». Também se mostrava contra a presença de Portugal na NATO e contra o FMI, já que, segundo ele, «o povo português não devia nada a ninguém e era, isso sim, vítima há muitos e muitos anos da roubalheira e das negociatas dos burgueses com os estrangeiros». Enfim, trata-se de um conteúdo capaz de ombrear em despropósito e disparate com aquelas coisas que agora se ouvem a André Ventura. O folclore da asneira transferiu-se da extrema esquerda para a extrema direita nestes quarenta anos. E, no entanto, ainda aqui há cinco anos, os do Bloco de Esquerda (Catarina Martins) iam recuperar este mesmo disparatado Mário Tomé, numa manobra de lhe conferir estatuto de veneranda figura, branqueando-lhe estes discursos do passado e dando-lhe epítetos bonitos - capitão de Abril, construtor da democracia, combatente pela Paz - num gesto de amnésia que teve tanto de ridículo, quanto de despropositado. Nunca esqueçamos que a grande virtude da Democracia é aceitar todos estes cretinos - e classificá-los pelo que eles são: cretinos.

24 junho 2024

A ESTREIA DA CANTATA «CRISTO NOSSO SENHOR VEIO AO (RIO) JORDÃO» DE JOHANN SEBASTIAN BACH

24 de Junho de 1724. Por ser dia de São João, dá-se a estreia em Leipzig de mais uma das cantatas compostas por Johann Sebastian Bach, Cristo nosso Senhor veio ao Jordão (Christ unser Herr zum Jordan kam - BWV 7). O título e a inspiração da obra remete para um hino que fora originalmente escrito ainda no século XVI pelo reformador Martinho Lutero. Leipzig e a Saxónia eram então, e permaneceriam por mais duzentos anos, o bastião do protestantismo luterano.

«OUSAR LUTAR, OUSAR VENCER» E A LUTA DO MRPP PARA CONTROLAR A FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA

24 de Junho de 1974. Uma notícia dava ampla ressonância ao comunicado de um grupo de estudantes que se auto-baptizara «Ousar Lutar, Ousar Vencer» (as ressonâncias maoistas são óbvias) e que entrara em confronto aberto com a «Comissão Pré-Eleitoral» (CPE) da Faculdade de Direito de Lisboa (FDL), estrutura que provisoriamente substituíra a Associação Académica daquela faculdade. O que se deduz do que aparece no comunicado, é que há uma disputa por quem controla a Reunião Geral de Alunos (RGA - uma sigla que então surgia e que viria a ter grande ressonância durante o PREC). Houvera uma RGA dois dias antes, onde vingara a proposta de SUSPENSÃO IMEDIATA DE EXAMES (sic - é assim que aparece redigida, em maiúsculas). Os da «Ousar Lutar, Ousar Vencer», que terão sido os proponentes, explicam no comunicado que «a decisão» é o «passo necessário que permitirá aos estudantes iniciar o duro e urgente trabalho de reestruturação da Faculdade». Sendo «duro e urgente», a verdade é que não aparece uma discrição mais detalhada daquilo em que consistirá o tal «trabalho de reestruturação». Em contrapartida o que aparece é um veemente desmentido que aquela suspensão equivalesse a uma «forma encapuçada de passagens administrativas que ninguém» propusera, conforme afirmariam as «calúnias» dos «actuais membros da CPE». Para aquele dia 24, às 21 horas, estava marcada nova RGA, ou seja, um rematch para se saber quem controlava a FDL - o MRPP da «Ousar Lutar, Ousar Vencer», ou os seus adversários da CPE? Convém acautelar que esta última seria provavelmente controlada pelos comunistas canónicos do PCP. Estava-se em dia de São João Baptista e esta seria um dos baptismos de fogo das lutas académicas sem que fossem alvo da PIDE...

23 junho 2024

UM EXEMPLO DO QUE DEVE SER O VERDADEIRO JORNALISMO

Na campanha eleitoral em curso no Reino Unido, o primeiro-ministro Rishi Sunak foi dizendo que «...não admira que a Grã-Bretanha depois do Brexit ultrapassou a França, o Japão e a Holanda para se tornar no quarto maior exportador do Mundo

Suponho que não será preciso saber inglês - os gráficos da SkyNews são suficientemente claros - para compreender o significado da explicação do jornalista, desmontando o enviesamento da argumentação de Sunak. Confrontando com os números de anos anteriores, a economia britânica já alcançara aquela posição no comércio internacional, tanto antes como depois do Brexit. Uma coisa é certa: é o jornalismo deste cariz que força os protagonistas políticos a acautelarem-se nesta fase em que se diz tudo e se promete tudo. Como alguém comentou comigo: «É para isto que servem os jornalistas». Prefiro os factos, dispenso opiniões. Eu chego às minhas conclusões sem a ajuda desses ditos outros jornalistas (como João Miguel Tavares se atreve a classificá-los).

A ÓPERA INFANTIL DE THERESIENSTADT

A ópera infantil Brundibár foi composta originalmente em 1938 pelo compositor Hans Krása, baseada num libreto de Adolf Hofmeister (os dois autores são judeus checos). E porque Krása fora inicialmente internado no gueto de Theresienstadt (hoje Terezín), a ópera veio a ser representada umas dúzias de vezes naquele gueto durante a Segunda Guerra Mundial. Uma dessas representações aconteceu há precisamente oitenta anos, a 23 de Junho de 1944, quando o gueto foi visitado por uma delegação do Comité Internacional da Cruz Vermelha. A delegação era composta por três elementos, encabeçada pelo suíço Maurice Rossel, acompanhado de dois funcionários dinamarqueses (a Dinamarca estava ocupada pela Alemanha). A visita foi programada para durar todo o dia, mas seguia uma cenografia preparada pelos alemães de antemão, uma verdadeira encenação de aldeia Potenkin, onde se incluía a representação da ópera do vídeo acima. A realidade era outra: o menino com bigode que acima vemos a desempenhar o papel principal - o de Brundibár - chamava-se Hunze Triechlinger e foi um dos 33.000 mortos que viriam a morrer de subnutrição, doença e outras más condições que vigoravam no gueto de Theresienstadt. Outros 88.000 internados - como o compositor Hans Krása - foram deportados para Auschwitz, onde a grande maioria veio a morrer. Dos 140.000 internados que passaram por Theresienstadt durante a guerra, cerca de 23.000 terão sobrevivido. O instante de felicidade aparente do vídeo acima também não deve esquecer o facto de que o relatório de Maurice Rossel nada assinalava de anómalo, era um endosso da narrativa que os alemães das SS haviam preparado. Mais do que o homem, é um dos momentos mais embaraçosos da história da Cruz Vermelha que falhou clamorosamente nos objectivos que se proclama defender. Significativamente o relatório de Maurice Rossel só se tornou público em 1992, 48 anos depois dos factos.
Embora não haja a certeza que o vídeo inicial seja da representação de Brundibár feita para os membros da delegação da Cruz Vermelha de há 80 anos, esta última fotografia foi tirada pelo próprio Maurice Rossel nesse dia 23 de Junho de 1944, fotografia que apensou ao seu relatório.

80º ANIVERSÁRIO DA OPERAÇÃO «BAGRATION»

(Republicação)
23 de Junho de 1944. Início da Operação Bagration. Para os soviéticos, o desencadear da Operação Úrano, em Novembro de 1942, foi mais uma proeza de astúcia do que de força, cercando, para o aniquilar, e apenas devido à dispersão das forças do inimigo, o exército alemão que se obcecara em excesso com a conquista de Stalinegrado. Em Julho de 1943, na Batalha do Kursk (a Operação Cidadela, segundo o nome dado pelos alemães), já as forças presentes dos dois lados se equivaliam, e a vitória soviética resultou da habilidade de, conhecendo-lhe as intenções, dar a iniciativa ao inimigo, desgastando-o na sua ofensiva, para depois o contra-atacar depois disso. Mas nesta Operação Bagration, a coincidir com o início do Verão de 1944 e prometida aos Aliados por Stalin para a fazer coincidir com o desembarque na Normandia, já a superioridade passara inteiramente para o lado soviético. A questão já não se poria em saber qual o desfecho da ofensiva que o Exército Vermelho iria desencadear, a dúvida consistia apenas em saber qual a dimensão da derrota táctica da Wehrmacht. Essa derrota será colossal (como os cenários macroeconómicos de Vítor Gaspar...). Em duas semanas, pouco mais, serão destruídas 25 divisões alemãs, perder-se-ão 400.000 combatentes, haverá uma hecatombe entre os oficiais generais alemães: 9 mortos e 23 prisioneiros (na fotografia abaixo, da capitulação de Vitebsk, os dois generais alemães vencidos do lado direito, são o general Gollwitzer, comandante do 53º Corpo de Exército e o general Hitter, comandante da 206ª Divisão). O avanço soviético cifrou-se em 400 km e alcançou as antigas fronteiras da União Soviética com a Polónia e as repúblicas bálticas, a dinâmica da ofensiva veio a ser mais perturbada pelos problemas da logística de acompanhar um exército fortemente motorizado, do que pela capacidade de resistência das unidades alemãs ainda em condições de combater. No lugar das 25 divisões destruídas restaria o equivalente a 8 enquanto se aguardava a chegada de outras 8 em reforço. Diante delas, o estado-maior alemão enumeraria 126 divisões soviéticas de infantaria e outras 6 de cavalaria, para além de 62 brigadas blindadas. Naquele sector da Frente Leste e em termos de potencial de combate os alemães defrontar-se-ão a partir daí numa desproporção de um para dez! Hitler's Greatest Defeat é um livro já com 30 anos mas que cumpre a sua missão de explicar sucintamente uma tão grande e tão decisiva ofensiva em 170 páginas. Que é muito mais do que se pode dizer de evocações de jornal (em 2019) que mostram que quem as escreveu nem sequer quis perder muito tempo na wikipedia a documentar-se (para dizer mais que trivialidades misturadas com asneiras...).

22 junho 2024

DEPOIS DE TRAZER O AVANÇADO PAVLIDIS, O BENFICA TAMBÉM BEM PODIA TENTAR ASSINAR COM O OWN GOAL POR CINCO TEMPORADAS

Uma das coisas que a comunicação social convencional se demite de fazer é permanecer atenta às múltiplas manifestações de estupidez provocadas pela disseminação da Inteligência Artificial, como é o caso acima do Own Goal, que lidera destacado até agora a classificação dos melhores marcadores do Europeu de futebol. Em contraste, uma outra coisa que, essa, a comunicação social convencional se aplica em fazer, é dedicar um tempo infindo à cobertura de novidades que não interessam a ninguém: anteontem, haviam destacado uma repórter para acompanhar em directo a chegada ao aeroporto de um novo jogador do Benfica, jogador esse que, dois dias antes disso, praticamente ninguém sabia que existia. Nem sei se se chegou a ver o homem, o novo reforço do Benfica... O acompanhamento informativo do tópico futebol é um requinte da estupidez, e pelas causas mais antagónicas possíveis: por negligência ou por dedicação em excesso...

A ALEMANHA CONTRA A ALEMANHA

22 de Junho de 1974. O serão deste Sábado prometia um curioso jogo de futebol na televisão em que, para o campeonato do Mundo então em curso, se enfrentavam as duas selecções alemãs: a selecção anfitriã da Alemanha Ocidental contra a sua vizinha da Alemanha Oriental. Este jogo era o primeiro entre as duas selecções e o facto concitava uma curiosidade suplementar (e, não se sabendo então, seria o único jogo entre as duas selecções). Venceu a Alemanha Oriental por 1-0. Mas seria contudo a Alemanha Ocidental, apesar de derrotada neste jogo, que se viria a sagrar campeã mundial no torneio. Uma nota adicional: nesta época, que se seguiu imediatamente ao 25 de Abril, ainda a designação das Alemanhas aparecia desprovida de qualquer subtil conteúdo ideológico. Havia apenas a geografia: era a Alemanha Ocidental e a Oriental. Só depois é que se procurou trabalhar as designações das Alemanhas, com uma Federal (Ocidental), que até era federal, e a outra Democrática, que, apesar da designação e da militância do lóbi comunista em promovê-la por cá, nunca teve nada de democrático.

21 junho 2024

ENTRA O VERÃO E COMEÇAM AS NOTÍCIAS REAQUECIDAS NO MICRO-ONDAS

Com a entrada do Verão começam a faltar as notícias e os espaços passam a ser preenchidos com a redescoberta do que é evidente, como se de novidade se tratasse, uma espécie de recondicionamento da notícia, reaquecida num micro-ondas da oportunidade. Aqui, e porque o assunto é a evidência de que a CGTP é uma extensão do PCP para a actividade sindical, algo que é óbvio há quase 50 anos, tantos quantos duram os anos da mentira do desmentido (veja-se acima, em Abril de 2022), o aparelho que reaquece o tópico merece ser apresentado numa versão vermelha e de esquerda, popular e proletária. Só que, para que a metáfora fosse completa, a dimensão do micro-ondas devia ser cada vez mais pequena, a cada ano que passa e a pretensa "independência" da CGTP é reaquecida.

MISSISSIPPI EM CHAMAS

(Republicação)
O episódio teve lugar no Sul Profundo (Deep South) dos Estados Unidos durante o Verão de 1964. E as chamas do título são uma referência aos incêndios ateados pelos membros do Ku Klux Klan (acima) nas igrejas das congregações negras onde os activistas dos direitos cívicos haviam realizado previamente sessões incentivando os negros a registarem-se como eleitores. Pelo menos 20 igrejas haviam sido incendiadas quando outro incidente mais grave fez concentrar a atenção dos Estados Unidos em Neshoba, Mississippi.
A 21 de Junho de 1964, a organização que patrocinava aquelas sessões anunciou publicamente o desaparecimento súbito de três dos seus jovens activistas (acima e da esquerda para a direita: Andrew Goodman de 20 anos, James Chaney de 21 e Michael Schwerner, de 24), que haviam saído para inspeccionar os destroços duma das igrejas incendiadas no condado de Neshoba. Sabia-se que a polícia local os havia detido por umas horas mas que acabara por os libertar, tendo-se perdido o seu rasto depois disso.
Noutros tempos, um desaparecimento destes poderia ter sido considerado um incidente menor e passar desapercebido. Mas naquelas circunstâncias, no quadro da luta dos negros pelos Direitos Cívicos (acima Martin Luther King), conjugado com o facto de dois dos desaparecidos serem de origem nova-iorquina, o incidente acabou por vir a receber uma atenção mediática inusitada, a que não faltou a ressonância da clivagem entre o Norte e o Sul que havia provocado a Guerra Civil (1861-1865) precisamente cem anos antes.
Foi a pressão mediática que levou a administração federal a afectar à investigação os meios e a atenção que as autoridades estaduais e locais – do Mississippi e de Neshoba – não pareciam dispostas a dedicar. Durante seis semanas as peripécias da investigação desenvolvida pelo FBI, nomeadamente a descoberta da carcaça ardida do automóvel que transportava os activistas (acima), foram notícia nacional, até à descoberta do paradeiro dos cadáveres, enterrados num açude a uns meros 10 km a Sudoeste da capital do condado
…e depois disso percebeu-se a razão principal para a ineficácia das investigações das autoridades locais: o próprio xerife de Neshoba e o seu adjunto também estavam directamente envolvidos nos acontecimentos que haviam conduzido ao assassinato! Concretamente, o adjunto libertara os activistas conduzindo-os à emboscada onde haviam sido mortos. Politicamente, a causa dos negros ganhara imensos pontos: em 2 de Julho, o Presidente Lyndon Johnson (também ele Sulista, do Texas) assinara a Lei dos Direitos Cívicos.
A outra batalha – a da condenação dos responsáveis pelos assassinatos – não teve um desfecho tão claro. O julgamento de 18 réus arrastou-se até 1967 e os recursos às sentenças até 1970. Quanto à atitude dos principais envolvidos durante as audiências era a insolência da fotografia acima, o adjunto Price ao lado do xerife Rainey mascando tabaco. Detestáveis! A longo prazo a causa racista estava perdida. Em 1988 Hollywood produziu um filme sobre os acontecimentos (abaixo) e eles eram considerados irrecuperavelmente maus

20 junho 2024

«SÓ DE PENSAR EM TI»

20 de Junho de 1934. Esta é a versão original de «The very thought of You», uma canção que veio a ser interpretada por Bing Crosby, Billie Holliday, Doris Day, Nat King Cole, Frank Sinatra, Natalie Cole, Elvis Costello ou Brian Ferry. Contudo, a canção foi originalmente lançada em disco em Inglaterra há 90 anos, interpretada por Al Bowlly (1898-1941), um cidadão do mundo, filho de pai grego e mãe libanesa, nascido em Lourenço Marques (Moçambique), crescido na África do Sul, músico e intérprete de jazz em tournées. Veio a ser uma das vítimas da Blitz em Abril de 1941. Apesar da sua morte prematura, aos 43 anos, Bowlly possui uma imponente discografia, que é completamente desconhecida porque a sua carreira decorreu muito antes da fase de promoção do negócio discográfico.

19 junho 2024

AS PRIORIDADES DA POLÍTICA EXTERNA PORTUGUESA EM 1974 E A ATENÇÃO QUE OS ESTADOS UNIDOS LHES DISPENSAVAM

19 de Junho de 1974. No regresso de um périplo que o presidente norte-americano Richard Nixon dera por países do Médio Oriente, ocorre um encontro nos Açores entre ele e o novo presidente português, António de Spínola. A reunião durou uma hora e a atenção dispensada pelas duas partes ao encontro pode ser constatada pela importância noticiosa que lhe foi conferida dos dois lados do Atlântico (acima e abaixo). A fragilidade da Casa Branca por causa do Caso Watergate costuma ser uma explicação para o desinteresse inicial dos Estados Unidos pelas consequências previsíveis da descolonização, mas essa não parece ser a única explicação: os problemas de Nixon são independentes das decisões editoriais do New York Times, que parecem sintoma de um desconhecimento desinteressado dos problemas de Lisboa. Em contraste, as atenções dispensadas (e as expectativa postas) por Lisboa podem ainda hoje ser recordadas pela reportagem que a RTP realizou sobre a partida de António de Spínola.

18 junho 2024

DIA DO CARNAVAL CONTRA O CAPITAL

(Republicação)
18 de Junho de 1999. Coincidindo com a abertura da 25ª Cimeira do G8, que iria começar nesse dia em Colónia, Alemanha, é convocado um conjunto de manifestações anti-capitalistas e anti-globalização para terem lugar em cerca de trinta cidades do Mundo. O título que foi escolhido para as designar - Dia do Carnaval contra o Capital - ainda hoje resulta mobilizador, embora, como é costume neste género de eventos, a identidade dos organizadores continue a permanecer um pouco difusa, permitindo a especulação quanto às suas intenções, para além da contestação pura e simples a um modelo político, económico, social que há vinte e cinco anos parecia não se deparar com alternativas ideológicas sérias. Quanto às manifestações propriamente ditas, onde a de Londres terá sido uma das maiores, senão mesmo a maior, ela terá juntado cerca de quatro mil pessoas (dados policiais), um número insignificante que terá tentado superar esse handicap com a abordagem carnavalesca dos protestos (fotografia intermédia).
Mas aquilo que terá constituído uma revelação na dita jornada de protesto mundial foi a rapidez como a comunicação social mundial se precipitou para lhe dar atenção a partir do momento em que os protestos se tornaram violentos (fotografia abaixo). Parecia ser isso que se esperava que eles - os manifestantes - fizessem e, a partir do momento em que o fizeram, as manifestações ganharam muito mais cobertura mediática do que a que alcançariam se eles se portassem bem. Estava estabelecido um padrão para o século XXI. Uma manifestação anti-qualquer-coisa garantiria cobertura mediática robusta só se os manifestantes começassem a escaqueirar o que tinham à frente e a confrontar-se com a polícia: foi o que aconteceu dali por seis meses na reunião da OMC de Seattle; foi o que aconteceu na cimeira de Praga do FMI e do BM em 2000; foi o que aconteceu na 27ª Cimeira do G8 de Génova em 2001; é aquilo que tem vindo a acontecer, finalmente, embora num contexto nacional e não mundial, com os protestos dos coletes amarelos em França, que se perpetuam sem que se perceba para quê, a não ser deixar as televisões de notícias entretidas ao fim de semana, quando faltam tópicos de que se fale.
E, no entanto, de quando em vez, percebe-se qual é o verdadeiro poder das manifestações de rua quando elas expressam uma verdadeira opinião popular significativa, como o que aconteceu em Hong Kong em Junho de 2019. Quando cerca de 5% da população vem para a rua manifestar-se contra uma medida legislativa indesejada, não é preciso que os manifestantes partam nada, nem baterem-se contra ninguém, para aparecerem nos telejornais. O acontecimento tem um significado político, não é apenas um espectáculo para passar na televisão, é a sério e os poderes políticos percebem o recado.

17 junho 2024

A PERSEGUIÇÃO A O.J. SIMPSON

(Republicação)
17 de Junho de 1994. Como principal suspeito pelo assassinato da ex-mulher, uma antiga estrela de futebol americano, O.J. Simpson (até aí relativamente desconhecido na Europa), é perseguido pela polícia ao volante do seu jeep pelas auto-estradas de Los Angeles, enquanto os helicópteros das várias estações de TV faziam a cobertura em directo da perseguição. Foram mais de duas horas e quase 100 quilómetros de um nada informativo, mas que, ainda assim, terá alcançado uma audiência de 95 milhões de telespectadores. Satisfeita a curiosidade mórbida do auditório norte-americano, com a rendição do foragido O.J. Simpson (para onde haveria ele de ir, com 95 milhões de compatriotas a segui-lo?...), o episódio só teve ressonância nos Estados Unidos, e a repercussão fora dele foi quase nula. O fim da Guerra Fria determinara que desaparecesse uma preocupação anterior, de décadas, de mostrar uma sintonia de interesses entre americanos e o resto do Mundo por certos temas mediáticos, como seriam os casos de acontecimentos desportivos como os Jogos Olímpicos ou então a chegada do primeiro homem à Lua. Ao contrário do que acontecera com a comoção como fora acompanhado o assassinato de John F. Kennedy, ele havia coisas dos americanos que interessavam apenas aos americanos e não ao resto do Mundo, e o contrário também era verdade. Por exemplo, naquele mesmo dia 17 de Junho de 1994 começava em Chicago o Campeonato Mundial de Futebol (com a presença do próprio Bill Clinton), mas os americanos, nem por curiosidade, atribuíram ao evento uma importância comparável à que haviam dedicado a esta perseguição a Simpson. A maior audiência doméstica que o torneio veio a gerar foram 11 milhões de telespectadores para um jogo entre o Brasil e os Estados Unidos a 4 de Julho (e porque era dia feriado).

16 junho 2024

O ASSASSINATO DO GOVERNADOR-GERAL DA FINLÂNDIA RUSSA

16 de Junho de 1904. Nikolay Bobrikov, que era o governador-geral da Finlândia sob domínio russo é assassinado a tiro em Helsínquia por um finlandês de ascendência nobre e pertencente à minoria sueca chamado Eugen Schauman. Bobrikov ocupava o cargo desde 1898 e era o ápex local de uma política de russificação forçada da Finlândia. E impopularíssimo por causa disso. O assassino disparou três tiros sobre o governador e guardou um último para si próprio. O atirador morreu de imediato. Mas, como estes acontecimentos são repletos de ironias, ao governador, o primeiro tiro roçou-lhe apenas o pescoço, o segundo atingiu-o na colecção de medalhas que se podem apreciar acima e ressaltou e foi apenas a última bala que acabou por o vir a atingir, ainda que indirecta mas gravemente, já que embateu na fivela do cinto e foi esta que lhe perfurou o abdómen. Operado de imediato, Bobrikov não resistiu à cirurgia. Schauman veio a tornar-se um herói nacional, primeiro de uma forma clandestina, depois de forma oficial depois da independência do país em 1918. É importante relembrar estes acontecimentos nesta altura, para se perceber porque é que os finlandeses não gostam dos russos e se apressaram a pedir o ingresso na NATO na sequência da invasão russa da Ucrânia.

UMA VIAGEM AO PASSADO FALANDO SOBRE «A BOLHA» DOS CONSPIRADORES PROFISSIONAIS REVOLUCIONÁRIOS

Muito me surpreenderá se houver um leitor do Herdeiro de Aécio que reconheça a pessoa do retrato acima. A Wikipedia resolve o problema: trata-se de Filippo Buonarroti (1761-1837), que a página respectiva descreve como um «revolucionário e teórico socialista italiano radicado em França». Quanto ao retrato, a Wikipedia não esclarece, mas ele foi pintado por Philippe Auguste Jeanron (1808-1877). A acção predominante de Buonarroti foi, porém, em França, onde ele se tornou conhecido por ser um dos activistas mais radicais no período mais dinâmico da Revolução Francesa (1791-1797), é considerado alguém muito próximo do proto-comunista François Noël Babeuf (1760-1797), que veio a morrer na guilhotina em resultado de uma conspiração - conhecida pela Conspiração dos Iguais - intentada contra o governo do Directório. Apesar de envolvido na conspiração, Buonarroti sobreviveu com uma pena de desterro e é como teórico - mas sempre conspirador - que ele se vem a tornar famoso, quando publica em 1828 o livro acima: Conspiração para Igualdade dita de Babeuf. Repare-se o pormenor que o livro foi editado em Bruxelas, que fazia parte então do Reino dos Países Baixos e onde Buonarroti estava então exilado. A obra foi muito bem acolhida, nomeadamente por teóricos revolucionários de gerações posteriores, os casos mais notáveis de Marx, Engels, Bakunin e Trotsky, todos eles produziram textos com referências elogiosas a Buonarroti. Preso por uma última vez ainda em Paris, em Outubro de 1833, aos 72 anos, Buonarroti vem a falecer cego na mesma cidade em 1837. Com esta história de vida, é considerado o percursor dos conspiradores profissionais que sacrificaram toda a sua vida pela luta por uma causa. Mas, remetido para aquela categoria implacável e talvez simplista de socialista utópico com que estes precursores vieram a ser mimoseados pelos conspiradores profissionais revolucionários do século seguinte, estes últimos esqueceram Buonarroti por completo.
O que é uma excelente deixa para apresentar esta outra fotografia, que foi tirada num dos anos finais do século XX (1997/8?) pelo fotógrafo Eduardo Gageiro. Trata-se de uma fotografia de conjunto dos dirigentes históricos do Partido Comunista Português (PCP). Sentados e da esquerda para a direita: António Dias Lourenço (1915-2010), Álvaro Cunhal (1913-2005), José Vitoriano (1917-2006), Joaquim Gomes (1917-2010) e Octávio Pato (1925-1999). Detrás, de pé e pela mesma ordem: Jaime Serra (1921-2022), Sérgio Vilarigues (1914-2007) e Fernando Blanqui Teixeira (1922-2004). Para os mais rigorosos e mais interessados, o elenco congrega não apenas os quatro membros eleitos para o Secretariado do Comité Central (CC) do PCP em 4 de Maio de 1974 (Cunhal, Gomes, Pato e Vilarigues), como também oito dos dez membros da Comissão Política desse mesmo Comité Central que foram eleitos nessa mesma altura, conforme se pode ler num documento da autoria de um dos presentes, Joaquim Gomes, que foi publicado em 1999 e de onde tomei a liberdade de retirar a lista que se pode apreciar mais abaixo, onde se dá conta de como ficou a composição do CC do PCP logo depois do 25 de Abril. Os nomes dos presentes na foto acima estão sublinhados. E nota-se aplicação e método na enumeração feita por Joaquim Gomes. Cada nome aparece acompanhado da antiguidade como militante, como funcionário do partido (i.e., trabalhando em exclusivo na actividade política clandestina), os anos de prisão, e também a antiguidade do militante como membro do CC. Estranhamente, o que ficou por nomear foi a idade de cada um. Assim, em 1974 aquela vanguarda mais esclarecida dos comunistas portugueses que nos aparece mais acima tinha uma idade média de 56 anos, estivera preso quase 10 anos, era militante há 37 anos, funcionário do PCP há um pouco mais de 29 anos e integrava o CC desde há 24 anos e meio.
Embora seja um pouco forçado este processo de sintetizar todos aqueles números acima evocados num retrato-robot da elite dos militantes comunistas quando da queda do Estado Novo, a verdade é que aqueles dados nos podem dizer muita coisa: todos eles se haviam tornado militantes muito novos, aos 19 anos em média (i.e. 56-37 anos) e tinham-se profissionalizado também muito cedo: cerca dos 27 anos (56-39) haviam-se passado a dedicar exclusivamente ao partido. Uma profissão que comportava muitos riscos: 10 anos de prisão da PIDE em média. Mas, precisamente por causa desses riscos, mas também por se considerarem uma vanguarda de cunho quase sacerdotal, não se pode dizer que eles pudessem compartilhar a vivência do povo que tanto invocavam. Na época ainda não se inventara a expressão «viver numa bolha» mas era precisamente o que acontecia com eles, discípulos longínquos de um Buonarroti, conspiradores profissionais dedicados à causa da revolução. A que surgiu em Abril de 1974, era-lhes favorável, mas ainda não era a revolução deles. E felizmente nunca foi a revolução deles. É precisamente isso e o que aconteceu depois do 25 de Abril no Portugal democrático que eu gostaria de enfatizar e que me levou a escrever este poste, baseando-me na fotografia de 1997/98, que foi tirada quase 25 anos depois do 25 de Abril. A fotografia mostra-nos que esse quarto de século em que Portugal passou a viver em Democracia, mesmo que essa circunstância tivesse feito desaparecer as ameaças que pendiam sobre os membros do CC nos 37 anos precedentes de militância comunista, parece não ter tido qualquer influência profissional na actividade de qualquer um deles veio a exercer. Haviam sido funcionários do partido antes de 1974 e aqui vêmo-los reformados de funcionários do partido. Precisamente, como agora se diz, na mesma «bolha».
Uma última nota para acrescentar esta outra fotografia com os mesmos, que foi provavelmente feita na mesma altura, mas onde a sua ordem é diferente. Octávio Pato mudou-se da extrema direita para a extrema esquerda sentada, desalojando Dias Lourenço que foi para a extrema direita levantada, enquanto Blanqui Teixeira ocupou o lugar sentado que fora o de Octávio Pato. Os outros ocupam os mesmos lugares. Nesta versão da foto, a debilidade física de Octávio Pato é notória e isso torna-se mais evidente pelo olhar que lhe dedica José Vitoriano (ao centro). Apesar de ser o mais novo dos oito, Octávio Pato será o primeiro a falecer, em Fevereiro de 1999.

15 junho 2024

VINTE E TRÊS DIAS

Para os preguiçosos e/ou distraídos assinalo o facto que decorreram 23 dias (mais de três semanas) entre a notícia de cima e a de baixo. Em rigor, o título da notícia original, a de 22 de Maio, deveria ter sido escrito: «António Gandra d'Almeida (há de ser) o novo dire(c)tor executivo do SNS», tal o tempo que demorou a nomeação. 23 dias para concretizar algo que fora ostensivamente anunciado, para mais quando em cima de outros 29 dias que já mediavam entre esse anúncio e o anúncio precedente da demissão do director executivo anterior, dão uma imagem que a celeridade não parece ser atributo dos novos dirigentes do ministério da Saúde, descontando os seus motoristas, que se despistam nas auto-estradas quando chove...

AINDA SOBRE A GENEROSIDADE COMO SE ESTÁ A ATRIBUIR O TÍTULO DE «JORNALISTA» A QUEM DESEMPENHA OUTRAS ACTIVIDADES

O erro continua insistentemente a persistir por aí, para mais avalizado por opinion makers como João Miguel Tavares ou Ricardo Araújo Pereira. O erro consiste em dar a alcunha de jornalistas a quem se notabiliza por - e se limita a - emitir opiniões sobre política. Jornalismo é uma outra coisa: quando vemos acima Bob Woodward e Carl Bernstein a assistir ao discurso de resignação de Richard Nixon, como corolário do Caso Watergate, aquilo que estava a acontecer já ia muito para além do que fora o seu trabalho jornalístico. E é por isso apenas apropriado que eles apareçam naquela foto acima como testemunhas distanciadas do acontecimento. E isso não quer dizer, antes pelo contrário, que não tivessem «vigiado» a acção do presidente. Ora no caso e pelo conceito de jornalismo de João Miguel Tavares, teria sido indispensável que Woodward e Bernstein também tivessem ido à televisão em 8 de Agosto de 1974 para dizer umas coisas, formular palpites, dar opiniões sobre a actualidade política norte-americana. Ora essa é toda uma outra actividade, o comentadorismo profissionalizado, que, só por insistência cega e conveniência de nomenclatura, pessoas como João Miguel Tavares ou Ricardo Araújo Pereira designam também por jornalismo.

Agora o que é desagradável é que, por causa de estarmos a designar duas actividades diferentes, se escrevam disparates como o que aparece assinalado mais acima: como é que João Miguel Tavares quer que comentadores encartados vigiem a acção dos políticos? Em animados bate-bocas televisivos?...