11 maio 2024

ESTRANHO GOVERNO, ESTE...

...em que é o ministro dos Negócios Estrangeiros que se pronuncia publicamente quanto às perspectivas do volume de despesas a alocar futuramente ao sector da Defesa, enquanto o seu homólogo dessa mesma pasta - a da Defesa - se notabiliza mediaticamente por visitar a Ovibeja 2024 para dissertar sobre a importância estratégica da pecuária de ovinos. Acessória e aparentemente, o mesmo ministro da Defesa e líder do CDS terá um pensamento(?) quanto às possibilidades das Forças Armadas  desempenharem uma função concorrente à da Casa do Gaiato do Padre Américo... Pelo menos, com o seu colega Rangel, fica-se a saber que o governo não dá quase importância nenhuma à questão da segurança europeia, é coisa para só se pensar daqui a seis anos, o que no ritmo e calendário da actual situação política corresponde ao século XXII. Adivinha-se que, com o mesmo Rangel in charge e porque se trata do famoso Paulo Rangel, vai-se tentar substituir esse desinteresse prático por uma dose elevada de retórica gongórica.

A ÚLTIMA CARTA ESCONDIDA NO «JOGO DA VERMELHINHA» DA REDUÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA

Tantos foram os indícios entretanto aparecidos, que já deu para perceber que a operação governamental de fim de ano para reduzir a dívida pública para um valor psicologicamente significativo, abaixo de 100%, tudo aquilo, aquele resultado, foi mais do que forçado, foi forjado. Foi uma aldrabice, como se tivesse sido uma demonstração do jogo da vermelhinha. Mas em política pode-se sempre ir mais além e agora assistimos a uma última carta escondida nesta aldrabice, quando, para as notícias e para a comunicação social, as responsabilidades por ela se ficam por Fernando Medina e se esquece que o primeiro-ministro responsável se chamava António Costa. Que se saiba, ainda que demissionário, o governo anterior ainda não estava numa auto-gestão em que cada ministro fazia o que lhe apetecesse... A consequência destas últimas notícias é que, com Fernando Medina, também António Costa se sai mal deste malabarismo, que a responsabilidade continua a ser dele por as «boas notícias» (ver mais abaixo) não serem assim tão boas e resultarem em parte de truques de batoteiro...

O QUE É QUE A AMÉRICA PENSA DA ADOPÇÃO DA NUMERAÇÃO ÁRABE NOS SEUS CURRÍCULOS ESCOLARES

(Republicação porque tudo continua na mesma: o que agora se promove por Inteligência Artificial é apenas o contraponto à Estupidez Natural...)
Esta não é apenas mais uma daquelas sondagens a que os norte americanos costumam ser submetidos e que costumam produzir resultados embaraçosissimos quando às (in)competências produzidas pelo seu sistema de ensino. Os autores desta sondagem mostraram-se particularmente pérfidos quando apresentaram aos seus 3.624 inquiridos uma falsa questão: a de saber se os estabelecimentos de ensino nos Estados Unidos deviam ou não ensinar a numeração árabe como parte do seu currículo?... Como se vê acima, e admitindo uma margem de erro de 3%, os resultados são, mesmo assim, arrasadoramente conclusivos: 29% dos inquiridos responderam que sim, 56% responderam que não e 15% preferiram não emitir opinião. Numa simplificação numérica, em 7 americanos, apenas 2 responderam afirmativamente, e eu prefiro acreditar que a esmagadora maioria dos que o fizeram, o terão feito porque sabiam que, desde sempre, nos Estados Unidos se usou a numeração árabe de forma preponderante quando em concorrência com a numeração romana. Mas o que é sociologicamente interessante do resultado da sondagem é o comportamento da ampla maioria de 5 em 7 americanos que mostra não fazer a mínima ideia do que se lhe estava a perguntar. E aí, entre esses 5 americanos simbólicos, apenas 1 deles teve a humildade de assumir a sua ignorância. Os outros 4 optaram por se orientar por aquilo que lhes parecesse familiar na pergunta, e como árabe é qualquer coisa que para eles tem uma conotação negativa, opuseram-se, mesmo inconscientes que o faziam a respeito do sistema de numeração que lhes foi ensinado nas escolas e com o qual estão familiarizados! Para mim, não é apenas a demonstração (indesmentível) de intolerância; é sobretudo de reter o valor desproporcionado que se dá às inúmeras sondagens que se publicam por aí, mostrando o que os americanos (e outros) pensam. Será que os americanos que pensam são suficientes para conferir validade às amostras das sondagens?... (Este é um problema das sondagens que não me lembro do Pedro Magalhães ter falado...)

10 maio 2024

UM PAÍS CONTROLADO PELOS BARÕES DA DROGA

A escolha da sofisticada expressão narco-estado para classificar a Guiné-Bissau acaba por disfarçar, de alguma forma, aquilo que é a realidade de um país que é dominado pelos interesses dos barões da droga. Desta vez quem foi apanhado no aeroporto de Lisboa a traficar cocaína foi um deputado desse país. A dimensão da apreensão - 13 quilos! - e o facto de o traficante ter reclamado imunidade diplomática corrobora que os barões da droga se mostram aparentemente capazes de comprar quase tudo e todos naquele país. Mas a questão só será incomodativa e confrangedora se encararmos estes episódios com aquela atitude de responsabilidade retroactiva por causa do nosso passado colonial, que é atitude de que nos deveríamos desligar. Com excepção de Timor, todos estes países da CPLP gozam há quase cinquenta anos da liberdade de terem escolhido ser aquilo que são hoje.

« - O SENHOR NÃO TEM O MONOPÓLIO DA SENSIBILIDADE, SENHOR MITTERRAND...»

10 de Maio de 1974. Pela primeira vez na história, os franceses assistem a um debate televisionado com os dois candidatos à presidência da República. Os candidatos são François Mitterrand, o candidato da esquerda (e que aparece ironicamente do lado direito das imagens...), e Valéry Giscard d'Estaing, que se tornara o candidato de toda a direita depois de superar, na primeira volta, o candidato gaullista Jacques Chaban-Delmas (há uns dias tive aqui uma dissertação a respeito das respectivas esposas destes três candidatos). O debate durou um pouco mais de uma hora e meia e terá tido uma audiência estimada de 25 milhões de telespectadores. E ficou recordado por uma punch-line de Giscard d'Estaing em resposta às acusações de insensibilidade social por parte do seu rival (refira-se que essa era uma imagem que se lhe podia colar facilmente por Giscard ser ministro das Finanças): «Vous n'avez pas le monopole du cœur» - cuja tradução literal será você não tem o monopólio do coração, mas que eu preferi a tradução mais amena que coloquei em título. Mesmo que o fizessem mais instintivamente do que por causa de dados objectivos, os comentadores reconheceram que aquela frase tivera um impacto positivo entre a assistência. Até mesmo o Diário de Lisboa do dia seguinte (em vias de se radicalizar cada vez mais) se abstinha de conceder vantagem ao seu candidato favorito. Se a frase tiver tido impacto, esse impacto terá influenciado o resultado final das eleições (realizadas a 19 de Maio) pois Giscard ganhou apenas com uma vantagem de 425 mil votos (1,6%).

09 maio 2024

A GREVE DE 8 E 9 DE MAIO DE 1944

Se há alguma coisa que faz pouco sentido em Democracia é que, à censura oficial que se verificava sob o Estado Novo, que impedia que os pontos de vista do regime fossem contraditados, se sucedeu, depois do 25 de Abril, outro género de unilateralismo, que peca por omissão, em que agora as narrativas dos acontecimentos são feitas apenas pelo outro lado. Por exemplo, a greve de 8 e 9 de Maio de 1944, que foi fomentada e organizada pelo Partido Comunista Português torna-se numa narrativa heróica, com um generalizado apoio popular, um acontecimento sem mácula, quando é evocada por aquela organização. Do lado direito da imagem temos um panfleto da altura e a primeira página da edição seguinte do jornal clandestino Avante! E no entanto, e como já aqui se verificara aquando da evocação do 75º aniversário da prisão de Álvaro Cunhal, uma consulta aos jornais da época, mostra todo um distanciamento em relação às acções dos comunistas. Aquilo que aconteceu não foi nada como eles agora contam e os comunistas estavam muito longe de granjear o apoio popular que se subentende das suas narrativas. E repare-se como acima, do lado esquerdo, a notícia de dia 9 de Maio, que dá conta dos acontecimentos, é antecedida de um editorial intitulado A Ordem. Pelo menos para o editorialista do Diário de Lisboa (presumivelmente o seu director Joaquim Manso), fomentar greves num país neutral numa Europa em guerra não lhe parecia gesto que se saudasse.

UM TÍTULO DE JORNAL MUITO LISONJEIRO PARA O VISADO

No título que o Expresso escolheu para sintetizar a sua passagem pela Assembleia da República, o surpreendente não é a «recusa» do «ministro da Defesa» em «falar». O que me deixa verdadeiramente atónito é a presunção que «o líder do CDS» tem um «pensamento». Nem é pelo pensamento pretender ser «sobre serviço militar para jovens delinquentes». É pela miragem de imaginar que Nuno Melo pensa! E enquanto por cá o Expresso se entretém com os pensamentos secretos daquele nosso pensador, a The Economist, dedica um artigo à evolução das despesas militares dos países da NATO. Acho mais bem pensado do que generalidades vagas!

08 maio 2024

A ESPIRAL DA IMBECILIDADE

Para se perceber qual a importância que por cá têm os ministros brasileiros, um exercício engraçado seria desafiar qualquer um dos jornalistas responsáveis pelas cinco notícias abaixo a nomear - de memória... - três colegas de governo da ministra que aparece citada: pode ser, por exemplo, o da Fazenda, o das Relações Exteriores e mais um outro qualquer à escolha deles... Ficando nós assim esclarecidos quanto ao gravitas de que por cá gozam os ministros brasileiros, o nosso conhecimento sobre quem eles são, só falta mesmo a referência do que importa a opinião de uma delas... por muito que a comunicação social portuguesa se deixe assim arrastar para esta espiral da imbecilidade. Embora se tenha que reconhecer que o funileiro dessa espiral foi o Marcelo.
Apenas por curiosidade: há actualmente 31 ministros no Brasil. Num elenco assim tão vasto não será nada difícil encontrar um ministro ou outro mais predisposto a dizer disparates como o desta ministra que ninguém sabia quem era, até se destacar precisamente por isso: por dizer disparates.

O ANÚNCIO DO BOICOTE SOVIÉTICO AOS JOGOS OLÍMPICOS DE LOS ANGELES

8 de Maio de 1984. O Comité Olímpico Soviético anúncia que que o seu país não se faria representar nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, programados para arrancarem em 28 de Julho, dali por treze semanas. A notícia era acompanhada de outra, a disposição da Polónia em seguir o exemplo soviético. Até à data do início dos jogos, treze outros países da esfera de influência soviética aderiram ao boicote, num total de quinze países. Mas, ao contrário do que a notícia acima titula, dificilmente se poderia considerar a atitude dos soviéticos uma "bomba". Era apenas a retaliação - esperada - pelo boicote que, por sua vez, os Estados Unidos haviam promovido aos Jogos Olímpicos de Moscovo em 1980, que (des)mobilizara cerca de sessenta países. Por essa contagem, no final os Estados Unidos venceriam a União Soviética. Mas no que diz respeito à capacidade de cada um deles ter estragado a festa desportiva do outro, o resultado ter-se-á saldado por um empate.

07 maio 2024

A «ALMOÇARADA» NA TRAFARIA

(Republicação)
Domingo, 7 de Maio de 1944. «O 1º batalhão da Brigada Naval da Legião Portuguesa, acampado desde ontem na mata da Trafaria, terminou hoje o seu exercício de campo. Esta manhã, depois da alvorada e da missa campal, com a presença do sr. comandante Henrique Tenreiro, efectuou-se um exercício de progressão na praia entre a Cova do Vapor e a Trafaria.
Partia-se da hipótese que os legionários tinham levado a cabo um desembarque naquela zona, onde encontraram resistência. O exercício, dirigido pelo comandante do 1º batalhão, 1º tenente Horácio de Carvalho, desenvolveu-se normalmente e o batalhão, utilizando todos os serviços de transmissões, fez a sua progressão até ao local do acampamento.
Ás 13 e 30 realizou-se, á sombra do pinhal, um almoço de confraternização, a que presidiu o sr. comandante Henrique Tenreiro e com as presenças dos srs. capitão de mar e guerra Alberto dos Santos e major Nascimento, Chefe de Estado Maior da Brigada Naval, bem como de muitos oficiais, graduados, etc.
Aos brindes, usou da palavra o sr. comandante Henrique Tenreiro, que pronunciou um caloroso discurso, entrecortado de grandes aplausos.
Começou por lembrar que o sr. comandante Alberto dos Santos, grande amigo da Brigada Naval, completava hoje 70 anos, passando por isso à reforma, motivo pelo qual traçou o seu elogio.
Continuando, o sr. comandante Tenreiro afirmou que, "certos da vitória de Salazar, os legionários continuam unidos e prontos a obedecer-lhe à primeira voz".
Acentuou que a união da Brigada Naval tem sido timbre daquela corporação, sendo necessário que continue a sê-lo enquanto Salazar assim o entender.
Terminou lembrando aos legionários navais, que, sendo eles soldados da Revolução Nacional, cumpre-lhes manter cabeças ao alto, fé em Deus e na política do Estado Novo.
O sr. major Carlos Nascimento, chefe de Estado Maior da Legião, exaltou depois o espírito de unidade e a força espiritual e material dos legionários, afirmando que o comandante Henrique Tenreiro tinha na Brigada Naval um dos grande expoentes do seu espírito de grande organizador.
Por último, o sr. comandante Alberto dos Santos agradeceu as palavras que lhe tinham sido dirigidas e incitou os legionários a cumprirem sempre os seus deveres.
O batalhão regressou a Lisboa ao fim da tarde
O que acabaram de ler é a transcrição completa da notícia. Num Mundo então em guerra, esta história de umas manobras navais na outra banda quase parece uma paródia provocatória. Se do outro lado do Mundo fuzileiros navais americanos arriscavam e perdiam a vida em operações anfíbias, por cá esses exercícios eram encenados com a seriedade de um piquenique ao fim de semana: houvera uma noitada de acampamento, seguida de alvorada e missa (não houve café da manhã?...), com o prato de resistência a ser constituído por uma passeata de uma meia hora entre duas praias (cova do vapor e trafaria) para apanhar a brisa do mar e assim se ir abrindo o apetite para o almoço, servido à sombra dos pinheiros, a seguir ao qual houve uma sequência de discursos para ajudar a digestão. Houvesse ele invasão e a Pátria estava salva graças ao 1º batalhão da Brigada Naval da Legião Portuguesa!

A RENDIÇÃO DE DIEN BIEN PHU

(Republicação)
7 de Maio de 1954. Há 70 anos rendiam-se as últimas unidades francesas que ainda resistiam em Dien Bien Phu ao cerco que lhes fora imposto nos últimos 57 dias pelas forças do Viet Minh. O local da batalha, no mais remoto interior do Norte do Vietname, no coração de uma região absolutamente controlada pelo Viet Minh (ver mapa mais abaixo), fora escolhido pelos próprios franceses, o que tornava a derrota ainda mais amarga. Em Paris, o Le Monde embrulhava-a numa circunspecta constatação factual: não há notícias da guarnição de Dien-Bien-Phu.
Não se consegue justificar uma derrota desta amplitude sem ter que condenar aqueles que foram os seus responsáveis militares e, quando não se quer fazer isso, romantiza-se o episódio, divergindo a atenção da narrativa da batalha para os actos de bravura individuais dos combatentes e/ou para aspectos anedóticos a ela associados. Em Dien Bien Phu, as posições francesas (acima) tinham todas nomes femininos, a que alguém mais imaginativo pôs a correr tratar-se das antigas amantes do general francês que comandava a guarnição. É uma história engraçada para justificar o feminino num meio onde ele era escasso, mas, mais prosaicamente, tratou-se apenas de dar sonoridade a posições que haviam sido designadas inicialmente pelas letras do alfabeto: A (Anne-Marie), B (Béatrice), C (Claudine), D (Dominique), E (Eliane), F (?), G (Gabrielle), H (Huguette) e I (Isabelle).
Se o mapa do campo de batalha de Dien Bien Phu (mais acima) é costumeiro, muito mais raro é este mapa acima, que nos mostra a situação militar na Indochina Francesa nesse mesmo mês de Maio de 1954 e que, à época, deveria ser um segredo militar.. As regiões pintadas de laranja são consideradas sobre controle do Viet Minh e as encarnadas são as que estão em disputa. Embora as populações se concentrem mais nos deltas dos rios e nas zonas costeiras e ribeirinhas, mesmo assim é evidente que coexistiam duas administrações rivais na Indochina: a que transitara da administração colonial francesa e a nacionalista/comunista. Dien Bien Phu foi só a constatação sangrenta da impotência francesa.

A ESTREIA DA 9ª SINFONIA DE BEETHOVEN

7 de Maio de 1824. Em Viena, no teatro de Kärntnertor (actualmente inexistente), tem lugar a estreia da 9ª Sinfonia de Beethoven. Apesar de estreada em Viena, onde o soberano era o imperador austríaco, a obra foi dedicada ao rei Frederico Guilherme III da Prússia (Beethoven nascera em Bona, na Alemanha ocidental). A extensa composição (dura aproximadamente uma hora e dez minutos a ser executada) foi a última obra completa do compositor, é a mais conhecida da sua autoria e é também uma das mais conhecidas do que se costuma designar por música clássica. Há várias histórias associadas a esta estreia, das quais prefiro reter para esta evocação a que refere que foi preciso que Beethoven - que já então estava completamente surdo e que, pretensamente, estava virado para a orquestra, dirigindo-a - fosse rodado por uma das intérpretes - a jovem Caroline Unger - para que, só então e de frente para o público, visse quanto o público aplaudia entusiasticamente a sua obra! Para benefício do leitor, reduzi a reprodução acima à passagem mais conhecida da obra - apenas três minutos! - a Ode à Alegria.

06 maio 2024

PORTUGAL 6, BRASIL 0, E O RICARDO COSTA É UMA LÁSTIMA A ARBITRAR

Este é um daqueles momentos que é uma verdadeira angústia do ponto de vista científico e académico, tal é o desequilíbrio de cultura e conhecimentos entre o historiador português João Pedro Marques e a jornalista brasileira Giuliana Miranda. Uma pessoa normal apercebe-se que a cena é um massacre intelectual: naquilo que concerne especificamente ao tópico da escravatura transatlântica, o primeiro estudou-o aprofundadamente, encadeia mesmo vários argumentos* arrasadores contra as pretensões brasileiras de se desresponsabilizar por aquele comércio, enquanto a segunda acha umas coisas e limita-se a ripostar com umas interjeições que se pretendem pretensamente irónicas. Um conhece o assunto de que está a falar, a outra não faz nem ideia. Também, é uma mera jornalista... Escrevi mais acima que uma pessoa normal aperceber-se-ia do significado da cena, só que os anfitriões deste patético momento foram a SIC Notícias e Ricardo Costa, que não é uma pessoa normal: é um jornalista de televisão também particularmente ignorante como a Giuliana. Se o fosse (normal), Ricardo Costa teria compreendido o que estava a acontecer e interrompido o espectáculo, como o fazem os árbitros de boxe, para protecção do mais fraco quando se vê que há um desequilíbrio notório entre os contendores. Aqui não: o programa prosseguiu fingindo que os argumentos se equivaliam. Pobre Giuliana! Tonto Costa! (Recordo aqui que Ricardo Costa era alguém que, há quinze anos, julgava que as doze estrelas da bandeira europeia representavam cada uma os estados membros - ignorância por ignorância, recordemos que isto não é só a ignorância do número das quinas do Sebastião Bugalho, a classe dos opinadores está muito bem servida de tontos ignorantes...)

QUEM É QUE MORREU, MESMO?

Uma reflexão que podemos transpor para a actualidade e para os obituários que actualmente se vão publicando, a respeito da verdadeira importância daqueles que morrem. Em 6 de Maio de 1949 o Diário de Lisboa concede o destaque que a imagem acima documenta à morte de Maeterlinck. Um dramaturgo belga que escrevera as suas obras mais importantes ainda no século XIX e que recebera o prémio Nobel da Literatura em 1911, É um exemplo acabado daquelas personalidades que em 1949 já haviam desaparecido de circulação há muito, e que 75 anos depois de morrerem só existem mesmo na wikipedia. (sinal de que o jornalismo não tem piorado com os tempos: a idade do falecido está enganada: tinha 86 e não 88 anos...)

Exemplo concreto de um outro Maeterlinck deste próprio dia 6 de Maio de 2024: Bernard Pivot, crítico literário e anfitrião durante décadas de programas de difusão literária na televisão francesa. Será por causa disso que todos os afrancesados sofisticados cá do burgo se sentem na obrigação de assinalar nas suas páginas pessoais o seu falecimento. Em contraste, e porque quem costuma alimentar as páginas da wikipedia em português são brasileiros, não existe (ainda) página dedicada a Pivot no nosso idioma.  

A INAUGURAÇÃO DO TÚNEL SOB O CANAL DA MANCHA

6 de Maio de 1994. Com a presença dos dois chefes de Estado, tem lugar a inauguração do túnel sob o canal da Mancha. Um momento histórico concretizando uma ideia tão antiga que até ocorrera ao próprio Obélix!

05 maio 2024

O PLANO... QUAL PLANO?... (ESCLARECIDO)

Só agora é que se percebe com clareza em que consiste o Plano de Emergência para a Saúde prometido por Luís Montenegro há mais de 100 dias (22 de Janeiro de 2024). Notabilizava-se por não existir e por ninguém - a começar pelo próprio Montenegro que o anunciou - fazer a mínima ideia quais seriam as suas linhas gerais quando foi prometido. Só agora é que um grupo de 13 sábios o irá «desenhar» (4 de Maio de 2024). Depois de terem entretanto deixado passar mais de três meses, os sábios têm agora um (mês) para «apresentar(em) propostas». Esperemos que os sábios tenham jeito para o desenho, porque é patente que os políticos - o primeiro-ministro e a ministra da Saúde - não têm jeito nenhum, nem para a política.

A ASSINATURA DO TRATADO DE FUNDAÇÃO DO CONSELHO DA EUROPA

Londres, 5 de Maio de 1949. Representantes de dez países europeus - Bélgica, Dinamarca, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Reino Unido e Suécia - assinam naquela cidade um tratado que é também o acto fundador da organização conhecida por Conselho da Europa. Como se pode ler no subtítulo da notícia do New York Times, no acto a Grécia e a Turquia foram convidados a aderir à organização. Aparecem assim associados ao acontecimento quase todos os países europeus situados fora da esfera de influência soviética. As excepções são os dois países ibéricos, um gesto de marginalização que tem um evidente significado político, tanto mais que se segue à assinatura do Tratado da Nato, realizada no mês anterior. Depois da adesão à NATO, esta proscrição é uma desfeita para o país, para o regime e para a diplomacia portuguesa. Por isso não é de estranhar o silêncio da nossa imprensa a não noticiar aquilo que acontecera em Londres. Como se comprova, a omissão não se devera à dificuldade em seleccionar os assuntos em destaque: a primeira página do Diário de Lisboa dedicava quase uma coluna inteira ao óbito aos 88 anos do dramaturgo belga Maeterlinck - quem?!...

04 maio 2024

UMA DISCRETA GUERRA COLONIAL E CIVIL EM CURSO

4 de Maio de 1964. No New York Times (acima, à esquerda, clique em cima da imagem para a ampliar e poder ler) e no Diário de Lisboa do dia seguinte (embora esta de forma mais sucinta) dá-se conta do agravamento da situação militar na colónia britânica de Aden, no Iémen do Sul. Já aqui neste blogue se falou desta guerra esquecida. E também já aqui se mencionou a capacidade britânica de disfarçar pela semântica e por uma atitude política distanciada - a famosa fleuma britânica - da gravidade das situações em que aquele país se envolve. No caso da nomenclatura, volto a lembrar aquela constante de que as guerras coloniais de libertação que envolveram as colónias britânicas nunca se chamaram... guerras coloniais: esta era uma insurgência (abaixo), na Palestina fora outra insurgência, na Malásia uma emergência, em Chipre outra emergência, no Quénia uma revolta (uprising). Em suma, os britânicos nunca travaram nenhuma guerra colonial e por isso, ao contrário de franceses, portugueses ou holandeses, eles nunca perderam nenhuma guerra colonial. Esse discurso político não é lá muito compatível com os relatos da actividade militar porque, não tendo havido guerras, torna-se difícil explicar porque é que terá havido campanhas e operações militares, como se pode ler abaixo... Quanto à famosa fleuma britânica, ela está patente no desprendimento constante da notícia do Diário de Lisboa, a disponibilidade veiculada pelo jornal londrino Times para que os britânicos abandonassem Aden e o Iémen do Sul. Era ainda mais uma maneira de desviar atenções daquilo que estava verdadeiramente em disputa. É que as guerras coloniais não se travam apenas para manter a autoridade política nas colónias, as potências coloniais também as travam para gerirem o processo de transferência de poderes e o futuro regime do novo país independente. Era o que os britânicos pretendiam para o Iémen do Sul, e que hoje se sabe, então guardado para dali a três anos e meio de distância no futuro, que os britânicos falharam redondamente. (Já aqui me referi mais longamente no Herdeiro de Aécio a esta guerra colonial com outro nome)

03 maio 2024

O PLANO... QUAL PLANO?...

Assim como havia o papel do sketch dos Gato Fedorento (...qual papel?), também neste caso no PSD podem fazer um jogo de palavras quanto ao plano. Qual plano? Ele há o de emergência para a Saúde prometido em 60 dias por Luís Montenegro (acima, à esquerda), há o de motivação dos profissionais da Saúde, prometido no programa eleitoral (abaixo), e parece haver ainda um terceiro plano, para o Verão, aquele que a nova ministra da Saúde pediu, à cara podre, ao ainda director-executivo do SNS, depois de ter aceite a sua demissão. A verdade é que, mesmo quando não ganham títulos e saem despedidos, ninguém manipula os Josés Mourinhos, seja o original, seja este da Saúde... Por outro lado, pela forma como o assunto se apresenta, o terceiro plano, aquele que a ministra tentou cravar, deve ser o único plano que interessa ao bem estar dos portugueses, e é precisamente aquele para o qual o governo não fará a mínima ideia sobre o que fazer, e para o qual vai ter que improvisar qualquer coisa... O que vale é que me parece que existe um SNS que funciona independentemente desta malta que - teoricamente - o encabeça. Funciona sem eles e às vezes apesar deles.

O REGRESSO DOS EXILADOS DE ARGEL, INCLUINDO MANUEL ALEGRE (O DE BARBAS)

3 de Maio de 1974. O dia anterior, «por volta das 18 horas», fora o do regresso dos exilados de Argel, a sede da «Rádio Voz da Liberdade». Embora aqueles que a ouviam conhecessem a sua voz (não seriam tantos quanto isso...), a figura de Manuel Alegre era perfeitamente desconhecida dos portugueses e a legenda da fotografia da ocasião tem o cuidado de precisar que Manuel Alegre era o que aparecia «de barbas», para o distinguir do apagado bigode de Piteira Santos. Guardado para o futuro de Manuel Alegre estava uma promissora carreira no domínio do humor político, a sua voz declamatória e as suas barbas tornaram-se na imagem de marca do seu boneco, Manuel Triste, que a esse, ninguém o calava!...

OS «CRIMES» DO «INSPECTOR» VARATOJO

(Republicação a pretexto do cinquentenário da primeira publicação do anúncio do inspector Varatojo, desmentindo que a inspecção dele tivesse alguma coisa a ver com a PIDE)
Figura mediática (sobretudo televisiva) de antes do 25 de Abril, a imagem de Artur Varatojo (1926-2006) estava indissociavelmente ligada à criminologia e à literatura policial. Foi por isso com alguma surpresa que, nas semanas que se seguiram ao 25 de Abril, os leitores dos jornais o viram a ele (entre muitos outros), a desmentir em anúncios pagos (abaixo) que alguma vez tivesse pertencido ou estado ligado à PIDE. Houve quem atribuísse essas preocupações ao epíteto forjado de inspector que adoptara por causa da sua imagem.
Porém, uma possível explicação alternativa, mais séria e mais elaborada, para o que parecia a defesa contra uma sanha persecutória contra o Varatojo podemos encontrá-la na capa de uma revista que foi publicada dois meses e meio depois do 25 de Abril e onde se empilham casualmente fichas de funcionários da PIDE e ali encontramos uma de um homónimo (assinalada a branco) do nosso amável investigador policial. Eram tempos de Liberdade, mas onde era impróprio usurpar títulos de inspector e possuir-se um apelido inconveniente
Este é um texto que, conjuntamente com o do Caçador de Pides mais abaixo e glosando mais uma vez José Carlos Ary dos Santos, poderá constituir uma série a que, pela imaginação e por isso orientadas para o céu, se pode dar o título de, em vez de portas, as mansardas que Abril abriu

02 maio 2024

OS EXERCÍCIOS MILITARES OVIBEJA 2024

Acho interessantíssimo que o actual ministro da Defesa pareça estar tão folgado de problemas associados à sua própria pasta, que ainda lhe sobre tempo para ter atribuído esta prioridade de ir hoje à Ovibeja 2024, pronunciar-se sobre problemas de agricultura. Onde se lamentou de ter sido mal interpretado (acima). Se calhar andamos todos a interpretá-lo demasiado mal: não apenas naquilo que diz, mas também no modo como ocupa o tempo...

A AUDIÇÃO QUE É APRESENTADA COMO SE FOSSE O CARTAZ DE UM FILME CATÁSTROFE DO ANOS 70

Como se pode ler acima, por proposta do PCP foi aprovada pelo parlamento a audição por aquele órgão do processo de privatização da ANA, que se realizou em 2012, vai para 12 anos. E o formato como a notícia é dada acima é outro regresso ao passado, evocativo dos cartazes daqueles filmes catástrofes da década de 70. Naqueles filmes - como acontecerá nestas audições parlamentares - a maioria dos espectadores conheciam de antemão os contornos gerais do enredo e estavam seguros quanto ao desfecho - que obviamente não vai ser nenhum, neste caso da privatização da ANA. Mas, mesmo sabendo tudo isso de antemão, o que os estúdios de cinema consideravam que era importante para captar as atenções dos espectadores era o elenco robusto de estrelas de cinema que entrava no filme. A única coisa que falta à notícia da Lusa de hoje, quando em comparação com os cartazes de há 50 anos são só as fotografias alinhadas das estrelas desta audição... De resto, tem tudo a ver com aeroportos.

IGNORÂNCIAS...

As ignorâncias acontecem com todos nós. Eu ainda me lembro de quando, e «apesar da preocupação do Bloco de Esquerda» com a moralidade política, era esta mesma Mariana Mortágua que não compreendia o conceito e as consequências do que era ser-se deputado em exclusividade. E, aqui entre nós, parecia-me ignorância mais importante do que esta de saber quantos são o número de quinas do escudo nacional.

ARGUMENTAÇÃO EM ESTILO «PEGA DE CERNELHA»

Repare-se acima como, se embarcarmos na estrutura como João Miguel Tavares argumenta o episódio das declarações do ministro da Defesa, deixa de ser primordial aquilo que o ministro disse, para a importância se transferir para as reacções ao que ele, Nuno Melo, teria dito. O teor das suas declarações deixa de ser o núcleo do problema, já que terá sido apenas «algo vagamente surpreendente». Não. O que Nuno Melo disse foi particularmente estúpido e é isso que explicará a amplitude do ribombar das reacções. O exercício a que João Miguel Tavares acima se dedica é o de (tentar) inverter o nexo entre a causa e o efeito, será como tentar pegar um touro mas sem lhe tocar nos cornos (os cornos são os disparates proferidos por Nuno Melo). Em tauromaquia (e é o próprio João Miguel Tavares que evoca a metáfora tauromáquica no seu artigo, quando compara Nuno Melo a «um forcado do Aposento da Moita»), chama-se a esse expediente uma «pega de cernelha» (veja-se imagem acima). Emprega-se quando não se quer ou não se pode pegar o touro de caras. Quanto a forcados, ainda que metafóricos, João Miguel Tavares também não se sai muito bem como cabo honorário dos Amadores de Portalegre.

A ASSINATURA DO ACORDO TRIPARTIDO SOBRE CAHORA BASSA

2 de Maio de 1984. Cerimónia de assinatura de um acordo tripartido entre a África do Sul , Moçambique e Portugal sobre as condições de fornecimento da energia eléctrica produzida pela barragem portuguesa e edificada em Moçambique, ao cliente sul-africano. A cerimónia tem lugar na cidade do Cabo, na África do Sul, dando expressão à importância suplementar da parte sul-africana. o único consumidor regional capaz de absorver os níveis de produção gerados pela barragem. Para além disso, África do Sul e Moçambique estavam em conflito surdo. As possibilidades de que o acordo frutificasse eram escassas. Mas isso a notícia não se atrevia a dizer.

01 maio 2024

DE 23 DE ABRIL DE 1982 A 27 DE ABRIL DE 2024

Foi só depois do escrutínio dos votos que se terá tomado consciência da dimensão da saturação dos sócios do Futebol Clube do Porto com aquele que pretenderia ser o presidente vitalício da instituição. Entretanto, haverá gradas figuras da sociedade portuense que o que mais desejarão será fazer esquecer o seu endosso à candidatura derrotada (acima, e apenas para exemplo, a notícia do primeiro subscritor da recandidatura, e a publicidade a quem lhe fez uma oportuníssima entrevista de vida a preceder a campanha eleitoral...). Mesmo que tenham sido validados pelo voto democrático - o que foi o caso, indiscutivelmente, das sucessivas reconduções de Pinto da Costa à frente do Futebol Clube do Porto em 42 anos - estes regimes pessoais e personalizados quando caem - e eles acabam sempre por cair... - deixam atrás de si um rasto de amargura que, quando muito, se procura disfarçar (abaixo é a fotografia da tomada de posse inicial de Pinto da Costa a 23 de Abril de 1982, acompanhada de uma fotomontagem irónica, alusiva ao 25 e ao 27 de Abril). Como se se tratasse de um voo de avião, uma carreira tem de ser gerida até a retirada, até à aterragem: e, por muito que pareça que os seus adversários não o queiram humilhar mais, com aquele resultado eleitoral Pinto da Costa despenhou-se...

...SOLDADOS E MARINHEIROS...

(Republicação)
Mário Soares nunca ficou a dever nada ao rigor. Ouvi-lo anos mais tarde a descrever os primeiros dias após o 25 de Abril, nomeadamente a rigidez como os comunistas se apegavam à simbologia do leninismo era um desafio aos factos e às fotos, mas não à essência das suas críticas a um comportamento que procurava mimetizar acontecimentos 57 anos depois dos originais (a revolução russa). Os 57 anos decorridos tornavam a reencenação ridícula. Para Soares, os momentos lenínicos de Cunhal compactavam-se na sua chegada apoteótica ao aeroporto de Lisboa, onde o faziam subir para um carro blindado abraçar-se a um soldado e a um marinheiro para discursar às massas. Com rigor (que nunca incomodou Soares...), importa esclarecer que se tratou de dois momentos distintos, embora em dias encadeados. Álvaro Cunhal chegou a Portugal a 30 de Abril de 1974 e discursou em cima do blindado logo à saída do aeroporto (ao jeito de Lenine), mas o abraço conjunto ao soldado e ao marinheiro para as câmaras só veio a ter lugar no dia seguinte, 1º de Maio de 1974 - completam-se hoje 50 anos (acima). Mas o que os esforços do PCP da época têm de cómico não é apenas o meia bola e força da tal evocação sintética de Soares. É também o zelo formal dos discípulos de Cunhal no método científico que eles usam para refutar Soares, concentrando-se no detalhe e na forma (Cunhal não abraçou o soldado e o marinheiro em cima do blindado), que não no conjunto e na substância (a constatação que havia uma preocupação dos comunistas em fazer Cunhal assumir atitudes públicas associáveis a gestos de Lenine). Porque na substância, a ironia de Mário Soares em realçar o quanto Cunhal aparecia empenhado a ressuscitar uma coreografia que já estava então muito mais do que ultrapassada, essa ironia é mais do que justificada: repare-se como na foto acima já não existirá espaço para se incluir na foto um outro militar, da Força Aérea, ramo das Forças Armadas que já existia no Portugal de 1974, mas ainda não na Rússia de 1917, onde então só havia apenas soldados e marinheiros... Lá nos manuais de propaganda dos comunistas não se sabia ainda o que fazer com as fardas azuis dos aviadores...

QUANDO A EUROPA QUE SE ATASCAVA EM TRATADOS...

(Republicação com uma nova redacção)
1 de Maio de 1999. Entrava em vigor o Tratado de Amesterdão que fora assinado 19 meses antes na cidade holandesa (fotografia acima). Substituía o Tratado de Maastricht que, entrado em vigor em 1 de Novembro de 1993, quer dizer que também durara apenas uns cinco anos e meio. Mas este Tratado de Amesterdão também estava, por sua vez, fadado a não durar muito, substituído daí por menos de quatro anos pelo Tratado de Nice, que entraria em vigor em 1 de Fevereiro de 2003... E o de Nice seria por sua vez substituído pelo Tratado de Lisboa, entrado em vigor dali por menos de seis anos, a 1 de Dezembro de 2009 - é o tal em que entra o Sócrates a dizer Porreiro, pá! Porreiro! De 1991 a 2009, durante cerca de uma dúzia e meia de anos, as opiniões públicas europeias foram brindadas com uma coreografia de tratados e acordos que lhes foram sempre apresentadas como extremamente positivas, até que a dinâmica da encenação colapsou perante uma grande crise financeira internacional. A União Europeia é uma coisa que existe, que sobreviveu à saída do Reino Unido (gesto que lhe terá até conferido, paradoxalmente, mais consistência), e que, com excepção das correntes políticas mais radicais (que nunca quiseram que existisse), ninguém parece saber muito bem o que lhe há-de fazer mais - quem mexer, arrisca-se a estragar. A verdade é que, de há quinze anos para cá, já ninguém se costuma referir de forma grandiloquente à construção europeia e a outras banalidades pseudo-visionárias que foram tão comuns ouvidas a toda uma geração de líderes europeus, muitos dos quais aparecem a fazer figuração nesta fotografia acima. Vinte e cinco anos depois, fartaram-se de assinar coisas mas não se pode dizer que tenham deixado obra - pelo menos todos aqueles tratados estão esquecidos.

30 abril 2024

SOBRE A CHEGADA DO 25 DE ABRIL AO CINEMA E A SUA (R)EVOLUÇÃO - DAS «PORTAS QUE ABRIL ABRIU» ATÉ ÀS «CUECAS QUE ABRIL DESPIU»...

(Republicação a pretexto do dia do cinquentenário da estreia em Portugal de «O Último Tango em Paris»)
Em termos cinematográficos o 25 de Abril ficou também para sempre associado a O Último Tango em Paris. Estreado a 30 de Abril de 1974 no Monumental (acima), uma das primeiras constatações concretas pelos portugueses do que era o usufruto da Liberdade: assistir a um desses filmes bem condimentados (mas intelectuais) sem quaisquer cortes da censura, como acontec(er)ia por essa Europa fora… Não era bem verdade, mas isso então não interessava nada¹. Tratava-se de toda uma nova relação do espectador português com a arte

Que se exprimiu de imediato, na forma oportunista que caracterizava o teatro de revista, com a aparição de uma peça intitulada O Último Fado em Lisboa, uma enorme salada russa, incluindo danças e cantares dessa mesma proveniência, a que se juntava umas danças do ventre e uns nus artísticos de umas artistas que já se haviam deixado ver em melhores dias. Não deixa de ser irónico que vanguardistas concorrentes como César de Oliveira, Filipe La Féria (esse!), Graça Lobo e Mário Viegas tenham boicotado revolucionariamente a peça...
Nesses tempos heróicos, em paralelo com referências como O Couraçado Potenkin ou então O Destacamento da Guarda Vermelha, a educação do típico espectador português em transição para o socialismo também se fazia no segmento do Último Tango: filmes europeus com muita conversa intelectual mas acompanhada de coboiada. O apogeu desses filmes terá sido o estreado a 2 de Janeiro de 1975 no Império (acima) com um título intraduzível (La maman et la putain²) e um apelo descarado ao voyeurismo, veja-se o cartaz abaixo.
Infelizmente, e apesar da ousadia do título, o filme revelava-se uma pastilha comprida e chata com 3 horas e 37 minutos de duração, conversa demais e muito pouca acção para o que era sugerido como se antecipa abaixo. Apesar do impacto da altura, actualmente o filme estará praticamente esquecido e os gostos dos espectadores portugueses começaram a clarificar-se, separando-se aqueles que preferiam os enredos dirigidos então por Ingmar Bergman dos que preferiam os enredos protagonizados por Linda Lovelace

¹ O filme não fora estreado em Espanha, em Itália o realizador (Bernardo Bertolucci) fora levado a Tribunal, etc. ² Para os menos dotados para línguas a tradução para português é: a mamã e a puta.

A ABRILADA

30 de Abril de 1824. Ocorre em Lisboa uma revolta denominada Abrilada. O monarca português era então D. João VI (à direita), que regressara do Brasil há três anos, um Brasil que entretanto se tornara independente sobre a nova coroa do seu filho mais velho, Pedro. O regime em vigor em Portugal era liberal, resultado da revolução do Verão de 1820. Os conjurados (absolutistas) agrupam-se por detrás de Miguel, o segundo filho do rei (à esquerda), então com 21 anos e predominam entre o oficialato. O golpe é protagonizado pelas unidades militares, que prendem quase todos os membros do governo e as personalidades de destaque da administração. Com a capital controlada pelos sublevados, o rei D. João VI, incapaz de assegurar a sua liberdade de actuação no palácio da Bemposta, onde residia, acabou por se refugiar num veterano navio de guerra britânico que estava fundeado no Tejo. A participação do corpo diplomático acreditado junto da corte portuguesa - nomeadamente franceses e britânicos - acaba por se vir a revelar importante para a neutralização da revolta. O paradoxo que acompanha a acção dos revoltosos é que, pelos próprios princípios legitimistas e absolutistas que enunciavam, é-lhes indispensável a anuência do próprio monarca para que a revolta seja bem sucedida, quando aquele se mostra renitente a ceder às suas pressões. Eclodiu uma guerra de nervos nos dias que se seguiram e o impasse acabou com o triunfo daqueles que rodeavam D. João VI: os presos foram libertados e a figura de proa do movimento, o infante D. Miguel, acabou exilado depois de uma troca simpática de cartas entre pai e filho (acima, ao centro). O ritmo a que os acontecimentos decorriam era outro: a troca de cartas é publicada na Gazeta de Lisboa a 12 de Maio, quase duas semanas depois dos acontecimentos. Por curiosidade, refira-se que, desde então e até ao 25 de Abril de 1974, no espaço lusófono todas as revoltas ocorridas no mês de Abril recebiam invariavelmente a alcunha de abriladas: 1832 (Brasil), 1947 e 1961 (Portugal).

29 abril 2024

AS PRESIDENCIAIS FRANCESAS DE 1974 E AS ESPECIFICIDADES DAS ESPOSAS DE CADA CANDIDATO

(Republicação)
Última semana de Abril de 1974. Enquanto por cá se vivia o ambiente decorrente do 25 de Abril, em França preparava-se a primeira volta das eleições presidenciais desencadeadas pelo falecimento no cargo de Georges Pompidou (a 2 de Abril). Pela primeira vez, emulando o modelo norte-americano e esquecendo a tradição francesa que, por exemplo, fizera de Yvonne de Gaulle uma presença sempre discreta ao lado do marido, os mecanismo da campanha concentravam-se nas esposas dos candidatos.
No caso da esposa do candidato da direita republicana Valery Giscard d'Estaing, aquilo que havia a contrariar era o perfil aristocrático do candidato, ainda aumentado pelas origens familiares da esposa, nascida Anne-Aymone Sauvage de Brantes. A aristocracia de França sempre fora tradicionalmente inimiga da República e havia que atenuar essa imagem. Daí a ideia de uma fotografia mostrando-a diante de uma colecção de instrumentos de cozinha, qual Filipa Vacondeus precoce, cozinhando para o povo.
No caso da esposa do candidato das esquerdas, François Mitterrand, aí não havia, naturalmente, qualquer perigo de conotação com a aristocracia. O problema do casal Mitterrand, Danielle (nascida Danielle Gouze) e François, era que, como era já conhecido nos círculos informados, eles haviam deixado de ser um casal, vivendo vidas separadas. Para as eleições próximas, e paradoxalmente para o candidato da esquerda, quase como se se tratasse de monarcas, houve que encenar fotograficamente uma vida comum ficcional.
E havia finalmente a esposa do candidato gaullista, Jacques Chaban-Delmas. Aí o problema não era a esposa, Micheline Chavelet Chaban-Delmas, uma divorciada com 4 filhos, cuja beleza era comparada pelos seus apoiantes à actriz Ali McGraw de Love Story, antes a abrasiva reputação sentimental do próprio candidato, que se divorciara da primeira mulher para casar com a secretária, enviuvando desta segunda esposa por causa de um controverso acidente de viação (1970) quando já vivia maritalmente com Micheline. Acessoriamente, era primeiro-ministro...

TEMPOS DE GRANDE ENTUSIASMO... MAS DE GRANDE INGENUIDADE TAMBÉM!

Os dias que se seguiram ao 25 de Abril de 1974 foram tempos de grande entusiasmo, mas acompanhados de uma grande ingenuidade por parte de uma sociedade completamente impreparada para uma nova coreografia e uma nova dinâmica social. Os tempos pediam novos ícones e eles surgiam, emprestados, sem que nos apercebêssemos do empréstimo e considerando-os - até hoje - coisa nossa. A nova palavra de ordem - e as palavras de ordem eram, em si, coisas novas! - a nova palavra de ordem «O Povo Unido Jamais Será Vencido» fora o refrão de uma canção revolucionária chilena do Verão de 1973 (acima). Quanto àquela que ficara consagrada como «A Marcha do MFA», essa era um pouco mais antiga, datava de 1927 quando fora adoptada como o hino dos Fuzileiros britânicos (Royal Marines, abaixo). Mas parecia-nos que tudo havia começado connosco!

28 abril 2024

CONCERTO PARA CRAVO EM LÁ MAIOR POR CARLOS SEIXAS - PRIMEIRO ANDAMENTO

A AQUISIÇÃO DE RESPEITABILIDADE POR AQUILO QUE FORA A «OPOSIÇÃO»

28 de Abril de 1974. Esta fotografia foi tirada por ocasião da chegada de Mário Soares à estação de Santa Apolónia, vindo no Sud-Expresso de Paris. Soares socorre-se de um megafone para falar da varanda da estação à multidão que o aguardava. A rodear Soares na foto aparecem quatro expoentes daquilo que até quatro dias era qualificado como a «oposição»: da esquerda para a direita, Manuel Tito de Morais, 64 anos, António Dias Lourenço, 59 anos, o próprio Mário Soares, 49 anos, Hermínio da Palma Inácio, 52 anos, e finalmente Manuel Serra, 42 anos. A esmagadora maioria dos portugueses quer muito vitoriá-los, mas não faz a mínima ideia de quem eles são.