20 maio 2024

OS "MELÕES" (ELEITORAIS) E AQUILO QUE PARECE SER A NOVA ESTRATÉGIA POLÍTICA DA "MELANCIA" COMUNISTA

Se querem saber a minha opinião ao ler esta promoção às «jornadas parlamentares comunistas», acho que é uma grande injustiça para os mais de 40 anos de leais serviços à causa comunista por parte do partido ecologista os verdes. O PEV «foi fundado em 1982 e concorreu sempre às eleições em coligação com o PCP», na função subalterna de partido satélite encarregue dos assuntos ambientais e com a função de fazer com que o PCP se apresentasse a eleições como se fosse uma frente eleitoral, e não o partido per se. O sucesso da primeira parte do expediente não parece ter durado muito, mas, avaliando a duração de 40 anos, terá deixado os seus autores felizes quanto ao sucesso da segunda parte - a da ficção da frente eleitoral. Até ao definhamento eleitoral do partido registado nas sucessivas eleições legislativas da última década, fosse qual fosse o formato: 446.000 votos (2015), 332.000 (2019), 242.000 (2022), 203.000 (2024). Apesar da robustez aparente da expressão acima «...que juntarão os deputados e eurodeputados do partido», está-se a falar de uma meia-dúzia: são quatro deputados e dois eurodeputados. Mas o que me parece verdadeiramente inédito no artigo comunicado acima é o destaque dado a assuntos que canonicamente pertenciam aos verdes - «questões que se prendem com a defesa do ambiente, a protecção do nosso património natural, da natureza, da biodiversidade». Ora esta manobra parece-me uma grande - e injusta - rasteira à Heloísa Apolónia. Depois dos verdes, são agora os comunistas, falhos de outras perspectivas, a quererem fazer-se passar por melancias. É ainda mais triste do que quando eram os verdes a fazê-lo.

É que a imagética tradicional do comunismo está repleta de exemplos do Homem a dominar e domar a natureza, como esta fotografia abaixo de Vsevolod Tarasevich de uma fábrica de cimento soviética em plena laboração em 1954, há 70 anos. E, pelo contrário, não conheço muitas fotografias de propaganda comunista canónica com ninhos de passarinhos, ou outra temática análoga... Mais do que isso: é muito tarde para os comunistas portugueses se reinventarem em outras coisas...

UM «CAVALHEIRO» DE UMA SÓ PALAVRA, CUJA REELEIÇÃO NÃO FOI PROBLEMÁTICA

A curiosidade é a notícia ter precisamente dez anos e a constatação é que, roubando os dizeres do anúncio do famoso dentífrico se poderia escrever: «Palavras para quê? É um artista russo e não usa pasta medicinal Couto!»

Por outro lado, falando de um outro assunto correlacionado, hoje termina - tecnicamente - o mandato de cinco anos de Volodymyr Zelensky. A situação apresenta-se muito confusa. Há um artigo da Constituição ucraniana que estabelece que o presidente é eleito para um mandato de cinco anos; mas há outro artigo que diz que o presidente em exercício exercerá o poder até que o novo presidente seja empossado. Uma terceira lei (embora essa não tenha valor constitucional) condiciona a que as eleições não podem ser realizadas enquanto a lei marcial estiver em vigor, que é o que tem acontecido na Ucrânia desde que a Rússia iniciou a sua invasão em grande escala em Fevereiro de 2022.

Aprecie-se finalmente o contraste deste problema ucraniano com as ditas eleições presidenciais russas de Março de 2024, que foram ganhas magnanimamente por Vladimir Putin com 88,5% dos votos!  

19 maio 2024

FALAR A SÉRIO(?) DE ASSUNTOS DE DEFESA

O Expresso desta semana dá um destaque de primeira página a um artigo a sério respeitante a assuntos de defesa (só para assinantes). É pena que o jornalista que assina o artigo - Vítor Matos - não inclua nele qualquer comentário quer de fontes autorizadas do ministério da Defesa, quer mesmo do próprio titular da pasta, Nuno Melo, a quem ultimamente temos ouvido opiniões muito interessantes, embora só muito remotamente relacionadas com a Defesa: a agricultura e a pecuária portuguesa, por exemplo - na fotografia abaixo recordemo-lo a visitar há duas semanas a Ovibeja 2024. Além disso há o ministro dos Negócios Estrangeiros que também trata destes assuntos, mas esse também não terá sido consultado.  
A ausência de opiniões pessoais e institucionais da parte do ministério da Defesa é o tipo de omissão que empobrece substancialmente o artigo de Vítor Matos, reduzindo-o a um panfleto promocional sobre uns aviões de construção norte-americana de última geração, denominados F-35, giríssimos, caríssimos, a que, por acaso, já me referira desaprovadoramente aqui neste blogue em Março de 2021. O CEMFA, general Cartaxo Alves, que ali defende a sua dama*, chega ao extremo de invocar o argumento que os vizinhos - Bélgica, Noruega, Dinamarca - já compraram e portanto nós também temos de ter uns iguais, argumento que, além de irrelevante só por si, devia ser sempre socialmente confrangedor...
* Ou seja, faz lóbi para que lhe comprem uns aviões de combate modernos e bonitos.

DEZ ANOS DE UM ÓRGÃO CENTRAL DE UM PARTIDO QUE NÃO CONCORRE A ELEIÇÕES

Há dez anos apareceu o Observador. Funciona como o órgão central de uma formação política... só que não há formação política. Do lado direito do espectro político e substituindo neste caso o fundamentalismo liberal pelo fundamentalismo marxista-leninista de antanho, o Observador é assim como uma espécie de Luta Popular do veterano MRPP... só que não há MRPP por detrás. Nem mesmo a Iniciativa Liberal. E, não havendo MRPP, aquilo que o Grande Educador daquele jornal proclama não é avaliado pelos votos dos portugueses. O Grande Educador do Observador é José Manuel Fernandes e, para quem não saiba, o do Luta Popular do século passado, chamava-se Arnaldo Matos.
Arnaldo Matos, quando se apresentou a eleições pela primeira vez em Abril de 1976, recebeu 36.200 votos e, depois disso, nunca mais ninguém o considerou Grande quanto mais Educador... O jovem José Manuel aprendeu na época a lição de que, para se ser um Grande Educador - apreciemo-lo acima, ainda há dois meses, a educar o então potencial primeiro-ministro Luís Montenegro - o melhor é não se submeter a votos. O que é importante é o prodígio de continuar a estar sempre presente no circuito do comentário televisivo. É uma maneira espertalhona, mas não muito digna, de se estar na política.
Há dez anos fingia-se que se tratava de um jornal. Mas como se trata realmente de um projeto político, não interessa verdadeiramente o formato, dez anos passados e paulatinamente está transformar-se numa rádio... As pessoas lêem cada vez menos e há que doutriná-las de outra maneira. Mas sempre ser ir a votos...

IMAGENS DE OUTROS SANTOS PORTUGUESES – 2

70º aniversário da morte de Catarina Eufémia. Republicação
A fotografia acima é um retrato (como então se dizia) típico dos anos cinquenta de uma mulher pobre – uma verdadeira proletária, no sentido marxista do termo – como se comprova pela modéstia dos adornos visíveis que usa: um colar simples com uma medalha. Chamava-se Catarina Eufémia, era uma trabalhadora rural que encabeçava uma manifestação reivindicativa quando foi morta pela GNR em 19 de Maio de 1954 em Baleizão no Baixo Alentejo. A sua condição de proletária e de analfabeta torna muito improvável a afirmação que ela fosse uma militante clandestina do PCP, conforme este último ainda hoje reclama.
Mas uma coisa é certa: o PCP dispôs de outros candidatos a santos mártires pela causa (como será o caso de José Dias Coelho), mas foi nela que apostou decisivamente para esse papel, sobretudo depois do 25 de Abril. Como aconteceu com Ribeiro Santos, a representação de Catarina Eufémia tornou-se estilizada, usando um jogo de padrões claro/escuro que se tornasse reconhecível nas pinturas murais (acima). E houve até quem tivesse ido mais longe e tentado tornar a imagem da Santa um pouco mais misteriosa e atractiva, invertendo-a no seu eixo vertical, como se pode observar neste cartaz abaixo, datado de 1980…
Em complemento ao texto inicial, vale a pena publicar a notícia da época, publicada no Diário de Lisboa do dia seguinte, que dá conta da «impressionante manifestação de pesar» do seu funeral. Como a realidade frequentemente vem acompanhada de ironia, o nome da vítima aparece trocado: Maria da Graça Sapinho, em vez de Catarina Eufémia... O episódio é dado como acidental e o autor dos disparos, o tenente Carrajola, é dado como estando sob prisão, em Évora. E vale a pena assinalar que, pelo conteúdo, parece não ter havido intervenção da censura na publicação da notícia. É um daqueles casos em que agora não se menciona esse aspecto, mas, caso tivesse havido censura à notícia, a propaganda do PCP não deixaria de o realçar.

VERSÕES FELIZES E INFELIZES

(Republicação de um original de Maio de 2009, a pretexto de que se completam agora 50 anos que a versão de Terry Jacks alcançou os tops)

As gerações sucedem-se mas são raras as vezes em que quem as vive se chega a aperceber como alguns dos seus sucessos musicais não passaram afinal de recuperações de canções de sucesso da geração precedente.
Podemos apreciar isso com o exemplo de uma canção datada de 1961, da autoria de Jacques Brel, que se intitulava Le moribond onde, como o nome indica, a letra – obviamente em francês – fala das despedidas de um homem que se prepara para morrer…
Passados 13 anos, em 1974, Terry Jacks refez a orquestração, alterou o rimo da canção e, sobretudo, ao adaptar a letra para inglês, tornou-a muito mais lírica, reescrevendo as estrofes cínicas originais de Brel. Chamou-lhe Seasons in the Sun e tornou-se um novo sucesso.
19 anos depois, em 1993, os Nirvana recuperaram novamente a canção nesta versão em inglês. Já então uma banda de culto e cheia de atitude, os Nirvana alteraram a letra para a tornar ainda mais depressiva. Novo sucesso e, como se escuta acima, nem foi preciso que Kurt Cobain cantasse afinado!...

18 maio 2024

O FIM DA BATALHA DE MONTE CASSINO

(Republicação)
18 de Maio de 1944. Se aqui assinalámos há quatro meses o início da Batalha de Monte Cassino, é da mais elementar justiça assinalar o seu fim. E relembrar que, a meio da batalha e a cerca de uns 90 km para Sul, também a Natureza se quis associar ao exercício de destruição, com a erupção do Vesúvio. Mas tudo acaba por se tornar mais reconfortante com uma imagem actual daquelas mesmas paragens.

OPERAÇÃO BUDA SORRIDENTE (POKHRAN-I)

(Republicação)
18 de Maio de 1974. A União Indiana faz detonar o seu primeiro engenho nuclear. Apesar das minhas leituras, em lado algum encontrei uma explicação satisfatória para o nome escolhido pelos indianos para designar o seu primeiro ensaio nuclear. É verdade - e nem todos se aperceberão disso - que o budismo é uma religião de origem indiana. É também verdade que existe uma estética distinta entre as representações do buda de um e outro lado dos Himalaias (percebe-se que a da imagem acima, pelo colorido e pela compleição ascética, é nitidamente indiana). Mas resta-nos a especulação para perceber que objectivo teriam os indianos quando escolheram aquele nome de código para uma operação cujo desfecho iria tornar o nome certamente público. A invocação de Buda, ainda por cima sorrindo, seria para ser um aceno irónico àqueles que eles considerariam os seus rivais próximos, os chineses? Os acontecimentos posteriores iriam demonstrar que quem não se sorriu nada ao saber do ensaio foram os vizinhos do Paquistão. Uma segunda questão, também superficial, é o problema do que se pode exibir em imagens para ilustrar um ensaio nuclear subterrâneo: não há muito material, a maioria do que há está classificado, e o remanescente - como se vê pelo exemplo acima - carece da espectacularidade dos enormes cogumelos dos primeiros ensaios à superfície (será por isso que os actuais ensaios nucleares norte coreanos costumam ser ilustrados pela figura de um outro buda sorridente...). Uma terceira questão, já mais séria, é a que se relaciona com os aspectos técnicos do ensaio. Embora camuflado pelas notícias da época, este primeiro ensaio nuclear indiano foi um semi fiasco: o engenho, enterrado a 107 metros de profundidade e que se inspirava no desenho das bombas de plutónio-239 de Alamogordo e Nagasáqui, terá registado uma potência destrutiva equivalente a apenas 40% da que fora registada pelos ensaios norte-americanos, quase 30 anos antes (ou seja, 8 ktons., em vez das 20 ktons. esperadas). Em contrapartida, assinale-se que, mercê dos progressos feitos ao nível dos materiais, o engenho indiano (1,4 tons.) pesava 30% do ancestral norte-americano onde se fora inspirar (4,5 tons.). Mas (quarta questão), para o impacto político e estratégico do feito, as minudências técnicas pouco importariam. Há precisamente 44 anos, a Índia entrava para um clube muito restrito, agora com seis membros, das potências com capacidade nuclear. A constatação não deixava de ser chocante para o resto do mundo, num país que, naquela altura, projectava ainda a imagem internacional da miséria extrema, de que ocasionalmente se mostrava incapaz de alimentar a sua própria população e se socorria, por causa disso, do auxílio externo. Seis anos antes, a Índia (com o Paquistão e Israel) recusara-se a assinar o Tratado de Não Proliferação Nuclear (NPT), em mais uma das fases deste jogo perpétuo (e hipócrita), em que todos se dispõem a assinar tratados mantendo o "status quo" da posse de armamento nuclear à escala mundial... com excepção dos países que estão em vias de mudar de estatuto (agora trata-se do Irão e da Coreia do Norte). Parecia um contrassenso. Mas não era: para as realidades frias da geoestratégia, a Índia tornara-se muito mais importante com uma arma nuclear numa mão do que com uma gamela estendida na outra. Actualmente, depois de uma muito bem sucedida (mas pouco publicitada) Revolução Verde, o problema da alimentação básica das populações indianas, mesmo que ainda em crescimento, já deixou de se colocar. Contudo, a atitude indiana em relação à posse do armamento nuclear nunca deixou de se distinguir pelo seu exotismo. Este livro abaixo, publicado em 2001, contém 765 páginas(!) onde o autor tenta convencer o leitor que a atitude indiana no que concerne ao recurso a este género de armamento é mais pacífica do que a dos seus rivais próximos... Acredite quem quiser.

17 maio 2024

O JINGLE – 2

(Republicação)
Ainda a propósito de jingles e para não ser continuamente negativo, queria evocar aquilo que considero um grande jingle: o do Corneto da Olá, aparecido, ainda em preto e branco, nos finais dos anos 70. Os anúncios começavam a aparecer na televisão por esta altura, mês de Maio, quando começava a fazer calor e os gelados se tornavam apetecíveis, mas o que o anúncio parecia prometer era que as Férias de Verão desse ano iam ser em grande… Podiam-no ser, a maioria das vezes nem tanto, mas no mesmo mês de Maio do ano seguinte as expectativas renasciam… Enfim, a mensagem de sonho de qualquer partido político...

A SAÍDA (LIMPA) DO PROGRAMA DA TRÓICA... AND «THE ROAD TO GROWTH»

17 de Maio de 2014. Os dez anos entretanto passados permitem-nos escolher esta fotografia de Carlos Moedas - então ainda secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros - como a imagem mais simbólica do cumprimento do programa da tróica. Nela Moedas está a segurar num relatório que as legendas qualificam como «a estratégia do governo». O título do mesmo está em inglês: «The Road to Growth». A estrada para o crescimento, que é a tradução literal do título do relatório orgulhosamente empunhado por Carlos Moedas, essa efabulada estrada para o crescimento é que não se viria a revelar à altura da mensagem: constatamos hoje, recorrendo ao Pordata, que o crescimento do PIB português naquele ano de 2014 se cifrou nuns meros 1,5%; pior do que isso, só em 2015 é que o PIB português voltaria a atingir os valores que registara em 2010. Hoje, é razoável admitir que a intervenção da tróica em 2011 se tornara indispensável por causa da obtusidade de José Sócrates. Mas também é razoável admitir que essa intervenção e o modo como ela se fizera tivera um impacto substancial no crescimento e desenvolvimento da economia portuguesa - daí a economia portuguesa ter perdido cinco anos para retornar em 2015 ao nível onde estivera em 2008 e 2010. Hoje isso é óbvio para todos. Em 2014, ao menos os especialistas deviam já ter percebido isso. Por isso, a carinha laroca de Carlos Moedas a segurar num prospecto escrito em inglês a falar de uma estrada para o crescimento só o torna ou num imbecil ou num hipócrita. Abaixo apresentamos um aspecto particular da dita estrada para o crescimento do dossier do Carlos Moedas.

16 maio 2024

ATÉ PARECE QUE PRECISAM DE DISTRIBUIR OS «TACHOS» RAPIDAMENTE E EM FORÇA...

Depois das suas colegas do Trabalho, com a provedora da Santa Casa, e da Administração Interna com o director da PSP, agora parece ter calhado a vez à ministra da Juventude (acima) a oportunidade de exonerar à bruta um presidente de um organismo qualquer dependente do seu ministério. O mais estranho é que se sabe (e se aceita) que, quando da mudança de governos, estas substituições são costumeiras. Só que, porque podem ser importantes, estas substituições não são urgentes, e por isso costumam-se fazer com discrição e tempo. O que me parece que não está a acontecer de todo desta vez: o governo ainda não completou mês e meio em funções. Os actuais detentores dos ditos «tachos» são, não só publicamente enxovalhados - aquela de obrigar a provedora demitida a permanecer em funções é de quadro de honra... da incompetência - como parece estar a haver uma premência em substitui-los como se não houvesse amanhã. Será que não há amanhã mesmo e os do governo já decidiram ir para eleições à primeira oportunidade que possam aproveitar? É que não vejo outra explicação para tantas tropelias, quando o governo, através da actuação da ministra do Trabalho, está a ser assado em lume lento com as declarações da provedora demitida...

OS TEMPOS DO JOGO DA VERMELHINHA (E DA FOICE E DO MARTELO) E DA IGNORÂNCIA INGÉNUA DOS PORTUGUESES

16 de Maio de 1974. A página da crítica televisiva do Diário de Lisboa dá destaque a uma «mesa redonda» que, supõe-se que pela sua importância, fora transmitida no dia anterior por duas vezes - «às duas horas da tarde e repetida à noite» - «mesa redonda» essa em que haviam participado «o tenente-coronel Ricardo Durão, Octávio Pato, membro do Comité Central do Partido Comunista Português e Carlos Carvalho do sindicato dos metalúrgicos, candidato às "eleições" pela C.D.E.» (as de 1973). A tónica do encontro, conta-nos Mário Castrim, «recaiu na necessidade de estreitar, com a máxima firmeza, os laços entre as massas populares e o Movimento das Forças Armadas, ali representado pelo tenente-coronel Ricardo Durão». E quem é que ali representaria «as massas populares»? Por um lado, Octávio Pato, dirigente de topo do PCP (o mais antigo dos partidos políticos existentes em Portugal a 25 de Abril de 1974). Por outro lado, interviera o aparente "sindicalista" Carlos Carvalho, cujo nome fora mal grafado, e que se chamava, na realidade... Carlos Carvalhas! Carlos Carvalhas (como hoje sabemos) veio a ser o secretário-geral do mesmo PCP em 1992... A esta distância temporal e sabendo o que sabemos hoje, percebemos que a «mesa redonda» da RTP estava afinal "arredondada" de uma maneira bastante "distorcida", com dois militantes comunistas, um assumido e outro encapotado a contracenar com um militar - por sinal, conotado com a ala spinolista do MFA. Mas ainda não era tudo. Quanto ao objectivo da mensagem política que o PCP quereria passar, essa seria «a de estreitar os laços entre as massas populares e o Movimento das Forças Armadas» e aí também Mário Castrim se destacava nessa missão de propaganda, já que, também ele, era militante comunista, na altura não sei se já assumido ou ainda encapotado... Os portugueses eram todos muito ingénuos naqueles tempos e tudo aquilo parecia o jogo da vermelhinha: sempre que se virava uma carta, saía sempre uma carta vermelha e do partido do costume... De resto, neste caso concreto e por força das circunstâncias, reconheça-se que a ficção da "independência" de Carlos Carvalhas não durou muito: a 7 de Junho de 1974 ele tomou posse como secretário de Estado do Trabalho do I Governo Provisório... em representação do PCP.

Agora os tempos são completamente e felizmente outros, sem tantas ingenuidades. Quando, no Domingo passado, João Cotrim de Figueiredo da Iniciativa Liberal apareceu com João Oliveira do PCP no programa de Ricardo Araújo Pereira, o comentário inicial de Cotrim de Figueiredo continha uma referência indisfarçável às simpatias políticas do anfitrião:   
- "...se tudo tinha corrido bem da outra vez (que ele fora àquele programa), eu não percebo porque é que foi preciso ir buscar outro comunista para equilibrar isto. Mas eu posso bem com os dois."

Embora o comentário não tenha sido mencionado sequer no dia seguinte, o sorriso bem amarelo que ele provocou no momento ao moderador Ricardo Araújo Pereira, mostrou quanto a canelada fora inesperada, senão mesmo assestada num sítio onde doía... Hoje, cinquenta anos depois, deixou de haver ignorâncias ingénuas para onde pendem as simpatias políticas de quem nos aparece no ecrã. Muito menos se torna possível, que uma crónica deste «Isto é Gozar com quem trabalha», que aparecesse publicada num jornal do dia seguinte, viesse assinada pelo jornalista Pedro Tadeu...

15 maio 2024

SOBRE O FACCIOSISMO FUTEBOLÍSTICO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL EM PORTUGAL

15 de Maio de 1964. Na finalíssima da Taça dos Vencedores das Taças, disputada em Bruxelas, o Sporting ganhava a competição frente ao MTK, clube húngaro, contra o qual disputara uma final na mesma cidade dois dias antes, final essa que acabara empatada 3-3. Mas o destaque do poste nada tem a ver com o acontecimento em si, antes com a cobertura noticiosa que recebeu em Portugal. O Diário de Lisboa nem uma chamada de primeira página faz para o acontecimento, remete-o para uma discreta 10ª página, embora aí em termos francamente congratulatórios.
A explicação poderia ter sido a de que há sessenta anos as vitórias em competições europeias de futebol de clubes não mereceriam o destaque como hoje são cobertas. Poderia... mas os tempos agora permitem-nos uma consulta rápida para verificar se isso era verdade e comparar, aliás, como fora a paginação do mesmo Diário de Lisboa quando fora o Benfica a ganhar (por duas vezes) a sua competição europeia de clubes, em Maio de 1961 e de 1962. E contra factos, não há argumentos: já há sessenta anos na redacção do Diário de Lisboa os sportinguistas não tinham capacidade de decisão...

QUANDO O LADRÃO TEM RAZÃO, DÁ-SE RAZÃO AO LADRÃO...

Mas isso não impede que a razão (e as razões...) do ladrão não devam ser escrutinadas. Como se pode ler abaixo, o anúncio da construção do aeroporto e da terceira travessia sobre o Tejo datam de 2008 e têm portanto dezasseis e não oito anos, como acima José Sócrates sugere. A referência aos oito anos tem um destinatário óbvio: António Costa. Mas vale a pena recordar que a actividade dos primeiros três (2008-11) daqueles dezasseis anos são da responsabilidade de governos do próprio José Sócrates. Valeria a pena perguntar-lhe onde é que se pode hoje encontrar o resultado da prossecução de medidas concretas que acompanharam aquela decisão histórica do seu governo em 2008... Que é que se fez que se pode aproveitar agora para encurtar os prazos de construção e conclusão previstos para... 2034? E talvez a resposta a esta última pergunta nos sirva de referência para que continuemos cautelosos quando ao que pode ser o real impacto das decisões que foram hoje anunciadas com tanta imponência por Luís Montenegro. Pode ser que sim, a decisão sempre avance... e pode ser que não, pelo menos até 2027, daqui a três anos, se se repetir o que (não) aconteceu com Sócrates, depois do anúncio de Sócrates. É que eu não me impressionei nada por expedientes como esta escolha do nome dado ao futuro aeroporto de Luís de Camões, que até é um nome bonito, mas em Portugal dão-se cada vez mais nomes às coisas somente para impressionar os incautos. Olhem, por exemplo «Operação Marquês» foi um nome bem escolhido, a transmitir eficiência e dinamismo, e vejam onde é que estamos e em que é que estamos...

14 maio 2024

LUÍS MARQUES MENDES ATÉ ESTAVA «DESCOLADO» DE TERRA QUANDO ACERTOU NA PREVISÃO SOBRE A LOCALIZAÇÃO DO NOVO AEROPORTO!

Este é um grande dia para o comentadorismo televisivo em Portugal! Faz-se uma previsão e acerta-se! (Nota: a previsão que se cumpriu é que o governo ia anunciar a decisão. As questões da construção e da localização do futuro aeroporto parecem-me outra coisa completamente distinta...)

SUGESTÕES PARA MELHORAR O ESPECTÁCULO DA POLÍTICA ESPECTÁCULO

Para quem estivesse estado distraído, ou não ligue a essas coisas, ontem houve um debate com quatro cabeças-de-lista às próximas eleições europeias. O debate em si terá sido o menos importante, o que foi bom foi o que se seguiu, colecções de comentadores a darem notas aos intervenientes (acima). Parece-me ridículo mas, se for para levar a política espectáculo às suas possibilidades máximas, a minha sugestão é que as televisões e os jornais alarguem as possibilidades de votação e de notificação aos espectadores e leitores, assim como já se faz noutros certames - ainda no fim de semana passado foi o festival da eurovisão (abaixo). Melhor: as votações do público podem incidir não apenas sobre os políticos como também sobre os comentadores que, depois de darem notas aos políticos, ver-se-iam na situação de as receber por sua vez do público - talvez os tornasse mais modestos nos julgamentos...
Enfim, acredito que, bem explorado, este processo do televoto produzirá muito maior animação à volta do acontecimento central sem que seja necessário assistir a ele - o debate propriamente dito. Afinal, conheço muita gente que me confessa que se dispensa de ouvir as canções do festival (de que normalmente não gosta...), o que lhe interessa é seguir depois as votações. E aqui a coisa assemelha-se: ninguém está interessado naquilo que o Bugalho ou a Temido tenham para dizer, já que foi previamente ensaiado, a animação começa depois de eles saírem de cena. Agora, imaginem a animação suplementar que umas chamadinhas de valor acrescentado poderiam dar ao espectáculo! Rematemos com um exemplo: se for agora eu a dar notas aos que deram notas, arrisco-me a considerar que esta classificação final abaixo dos comentadores do Expresso (Martim Silva, Paula Santos, Paulo Baldaia e Pedro Cordeiro) foi a mais estúpida de todas as classificações que vi até agora.
PS - Agora a sério e a propósito daquilo que pode acontecer em televisão se ela verdadeiramente se democratizar em prol do que serão os desejos da audiência, lembrei-me deste poste que aqui publiquei vai para cinco anos: «Eis o que queremos que você pense»

DOS FRACOS (DE ESPÍRITO) NÃO REZA A HISTÓRIA...

Esta história havia começado em Janeiro de 1963, quando um artista de trapézio da Alemanha Oriental, chamado Horst Klein, alcançara a notoriedade por ter fugido daquele país, atravessando o Muro de forma original, escalando um grande poste de electricidade e pendurando-se num dos cabos de sustentação em aço. Tudo terá corrido bem até à sua chegada a - por cima de - Berlim Ocidental, quando Horst Klein se terá desequilibrado e caído de uma altura apreciável, já que a consequência foi a de ter fracturado os dois braços. Mas, mesmo de braços partidos ou, se calhar, até por causa deles, o homem tornou-se um daqueles pequenos heróis da Guerra Fria, entre aqueles poucos que haviam vencido o Muro que separava as duas Alemanhas. Mas a pequena notícia (acima, ao centro) de 14 de Maio de 1964 desfaz o mito: é que, chegado ao Ocidente, o homem deixou-se enganar depois pelos apelos da sua mulher Sylvia, que ficara do lado de lá, e regressara à Alemanha Oriental para ser - naturalmente - preso e condenado a 30 meses de trabalhos forçados. Suprema humilhação para Horst Klein: a mulher divorciara-se e casara-se com outro. A propaganda da Guerra Fria aceitava heróis desastrados e de braços partidos, agora assim tão estúpidos, não!

13 maio 2024

A CAPITAL MUNDIAL DA TELEVISÃO A CORES

Algures em 1954 temos esta fotografia da linha de montagem de televisores a cores da RCA instalada em Bloomington, no estado norte americana do Indiana. Tendo começado a produzir televisores desde 1949, à época, as instalações, com 14 hectares e onde chegaram a trabalhar 8 mil pessoas, eram uma das maiores fábricas de televisores de todo o Mundo, com a particularidade de já ali se produzirem (como se pode ver na foto) televisores a cores (a ponto de a cidade ser conhecida como "a capital mundial da televisão a cores"). Contudo, estas televisões a cores eram desproporcionadamente caras: custariam mais de € 10.000 aos preços actuais. Além disso, a programação a cores era escassa e a qualidade da imagem, como se percebe na foto, não era grande coisa. Não se vendiam muitas televisões a cores. Era uma capital mas não era uma grande capital. A tecnologia para uma televisão a cores mais acessível, tanto no que se refere a custos de produção de programas, como a custos dos receptores domésticos, estava reservada para uns 15 anos no futuro, no final da década de 1960. Entretanto, a fábrica de Bloomington viveu o seu ciclo, entre 1949 e 1998, quando foi encerrada e transferida para o México. Durante esses quase 50 anos, produziu um pouco mais de 65 milhões de televisores, tanto a cores como a preto e branco.

O DESASTRE «DESCONHECIDO» DE SEVEROMORSK

13 de Maio de 1984. Eclode um violento incêndio num dos armazéns da frota soviética do Mar do Norte situado na cidade portuária de Severomorsk (assinalada acima no mapa). O incêndio acaba por não poder ser controlado e, quatro dias depois, atinge os paióis de munições e armamento da frota, incluindo centenas de mísseis armazenados, do tipo SA-1 e SA-3 (mísseis anti-aéreos) e SS-N-22 (anti-navais). As explosões provocaram o pânico entre a população da cidade (apesar de se tratar de uma área militar de acesso restrito) e as notícias de que algo de grave ali acontecera atingiram Moscovo e os ouvidos dos correspondentes estrangeiros na capital soviética. Aquilo a que acima podemos assistir é o esforço noticioso dos jornais ocidentais (no caso acima, o New York Times, mais de um mês depois), alimentado por informação soprada em surdina pelos serviços de informação dos países da NATO, mas que embatiam nos serviços de imprensa soviéticos que, mesmo que confrontados com os indícios mais evidentes, não mostravam qualquer pudor em mentir da forma mais descarada: não sabiam de nada. Aliás, esta foi ainda a atitude inicial das autoridades soviéticas aquando da catástrofe de Chernobil, dois anos depois: nada acontecera...

12 maio 2024

O FIM DO BLOQUEIO DE BERLIM OCIDENTAL

12 de Maio de 1949. Depois de assinalarmos no Herdeiro de Aécio os 75 anos do estabelecimento do bloqueio de Berlim ocidental pelos soviéticos, assinalamos agora os 75 anos do fim desse bloqueio. Socorrendo-nos das contas do New York Times, o cerco («siege») a Berlim ocidental durara 328 dias. A fotografia do jornal mostra que a propaganda não estava desatenta e o cartaz que as crianças empunham - Blockadefrei - traduzir-se-á por «livre do bloqueio», mas uma boa parte da alegria demonstrada pelos pequenos berlinenses é até capaz de ser genuína e dever-se-á ao facto de não ter havido aulas como celebração do acontecimento...

11 maio 2024

OLHEM QUE A «META HUMILDE MAS HONESTA» DO SEBASTIÃO BUGALHO PARA A AD É REPETIR OS RESULTADOS DAS ÚLTIMAS ELEIÇÕES DE 2019... MAS EM PIOR

Submetendo as proclamações de Sebastião Bugalho ao mesmo escrutínio que ele fazia às dos outros, antes de se ter tornado protagonista, vale a pena recuperar a tabela com os resultados das últimas eleições europeias de 2019, para comprovar que a meta mínima da AD para estas europeias, «uma meta humilde mas honesta», é uma meta verdadeiramente humilde e não sei se assim tão honesta na forma como foi apresentada. Se somarmos os resultados abaixo dos três membros da AD em 2019, obteremos uma percentagem de 29,62% (21,94 + 6,19 + 1,49) (981.814 votos). Portanto a tal meta mínima do Sebastião nem chega a reeditar os resultados de 2019. Quanto aos mandatos, as suas expectativas de «manter os actuais sete eurodeputados» ainda são menos ambiciosas do que há cinco anos, já que, se nessa altura os três partidos se tivessem apresentado coligados teriam conquistado um oitavo eurodeputado e ele contenta-se com os sete actuais. Desconfio que, se o Sebastião Bugalho comentador estivesse a apreciar estas metas do Sebastião Bugalho político, tê-las-ia qualificado como uma desonestidade (palavra que ele tanto gostava de usar nas suas prestações televisivas). Desonestidade intelectual e também política, já que uma regra elementar da actividade política é que quem abraça estes desafios o fará com a convicção que a sua pessoa faz (pelo menos algum)a diferença...

ESTRANHO GOVERNO, ESTE...

...em que é o ministro dos Negócios Estrangeiros que se pronuncia publicamente quanto às perspectivas do volume de despesas a alocar futuramente ao sector da Defesa, enquanto o seu homólogo dessa mesma pasta - a da Defesa - se notabiliza mediaticamente por visitar a Ovibeja 2024 para dissertar sobre a importância estratégica da pecuária de ovinos. Acessória e aparentemente, o mesmo ministro da Defesa e líder do CDS terá um pensamento(?) quanto às possibilidades das Forças Armadas desempenharem uma função concorrente à da Casa do Gaiato do Padre Américo... Pelo menos, com o seu colega Rangel, fica-se a saber que o governo não dá quase importância nenhuma à questão da segurança europeia, é coisa para só se pensar daqui a seis anos, o que no ritmo e calendário da actual situação política corresponderá, mais ou menos, ao século XXII. Adivinha-se que, com o mesmo Rangel in charge e porque se trata do famoso Paulo Rangel, vai-se tentar substituir esse desinteresse prático por uma dose elevada de retórica gongórica. Aí, na retórica, não tenho dúvidas que vamos estar muito bem equipados para enfrentar qualquer ameaça à segurança europeia.

A ÚLTIMA CARTA ESCONDIDA NO «JOGO DA VERMELHINHA» DA REDUÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA

Tantos foram os indícios entretanto aparecidos, que já deu para perceber que a operação governamental de fim de ano para reduzir a dívida pública para um valor psicologicamente significativo, abaixo de 100%, tudo aquilo, aquele resultado, foi mais do que forçado, foi forjado. Foi uma aldrabice, como se tivesse sido uma demonstração do jogo da vermelhinha. Mas em política pode-se sempre ir mais além e agora assistimos a uma última carta escondida nesta aldrabice, quando, para as notícias e para a comunicação social, as responsabilidades por ela se ficam por Fernando Medina e se esquece que o primeiro-ministro responsável se chamava António Costa. Que se saiba, ainda que demissionário, o governo anterior ainda não estava numa auto-gestão em que cada ministro fazia o que lhe apetecesse... A consequência destas últimas notícias é que, com Fernando Medina, também António Costa se sai mal deste malabarismo, que a responsabilidade continua a ser dele por as «boas notícias» (ver mais abaixo) não serem assim tão boas e resultarem em parte de truques de batoteiro...

O QUE É QUE A AMÉRICA PENSA DA ADOPÇÃO DA NUMERAÇÃO ÁRABE NOS SEUS CURRÍCULOS ESCOLARES

(Republicação porque tudo continua na mesma: o que agora se promove por Inteligência Artificial é apenas o contraponto à Estupidez Natural...)
Esta não é apenas mais uma daquelas sondagens a que os norte americanos costumam ser submetidos e que costumam produzir resultados embaraçosissimos quando às (in)competências produzidas pelo seu sistema de ensino. Os autores desta sondagem mostraram-se particularmente pérfidos quando apresentaram aos seus 3.624 inquiridos uma falsa questão: a de saber se os estabelecimentos de ensino nos Estados Unidos deviam ou não ensinar a numeração árabe como parte do seu currículo?... Como se vê acima, e admitindo uma margem de erro de 3%, os resultados são, mesmo assim, arrasadoramente conclusivos: 29% dos inquiridos responderam que sim, 56% responderam que não e 15% preferiram não emitir opinião. Numa simplificação numérica, em 7 americanos, apenas 2 responderam afirmativamente, e eu prefiro acreditar que a esmagadora maioria dos que o fizeram, o terão feito porque sabiam que, desde sempre, nos Estados Unidos se usou a numeração árabe de forma preponderante quando em concorrência com a numeração romana. Mas o que é sociologicamente interessante do resultado da sondagem é o comportamento da ampla maioria de 5 em 7 americanos que mostra não fazer a mínima ideia do que se lhe estava a perguntar. E aí, entre esses 5 americanos simbólicos, apenas 1 deles teve a humildade de assumir a sua ignorância. Os outros 4 optaram por se orientar por aquilo que lhes parecesse familiar na pergunta, e como árabe é qualquer coisa que para eles tem uma conotação negativa, opuseram-se, mesmo inconscientes que o faziam a respeito do sistema de numeração que lhes foi ensinado nas escolas e com o qual estão familiarizados! Para mim, não é apenas a demonstração (indesmentível) de intolerância; é sobretudo de reter o valor desproporcionado que se dá às inúmeras sondagens que se publicam por aí, mostrando o que os americanos (e outros) pensam. Será que os americanos que pensam são suficientes para conferir validade às amostras das sondagens?... (Este é um problema das sondagens que não me lembro do Pedro Magalhães ter falado...)

10 maio 2024

UM PAÍS CONTROLADO PELOS BARÕES DA DROGA

A escolha da sofisticada expressão narco-estado para classificar a Guiné-Bissau acaba por disfarçar, de alguma forma, aquilo que é a realidade de um país que é dominado pelos interesses dos barões da droga. Desta vez quem foi apanhado no aeroporto de Lisboa a traficar cocaína foi um deputado desse país. A dimensão da apreensão - 13 quilos! - e o facto de o traficante ter reclamado imunidade diplomática corrobora que os barões da droga se mostram aparentemente capazes de comprar quase tudo e todos naquele país. Mas a questão só será incomodativa e confrangedora se encararmos estes episódios com aquela atitude de responsabilidade retroactiva por causa do nosso passado colonial, que é atitude de que nos deveríamos desligar. Com excepção de Timor, todos estes países da CPLP gozam há quase cinquenta anos da liberdade de terem escolhido ser aquilo que são hoje.

« - O SENHOR NÃO TEM O MONOPÓLIO DA SENSIBILIDADE, SENHOR MITTERRAND...»

10 de Maio de 1974. Pela primeira vez na história, os franceses assistem a um debate televisionado com os dois candidatos à presidência da República. Os candidatos são François Mitterrand, o candidato da esquerda (e que aparece ironicamente do lado direito das imagens...), e Valéry Giscard d'Estaing, que se tornara o candidato de toda a direita depois de superar, na primeira volta, o candidato gaullista Jacques Chaban-Delmas (há uns dias tive aqui uma dissertação a respeito das respectivas esposas destes três candidatos). O debate durou um pouco mais de uma hora e meia e terá tido uma audiência estimada de 25 milhões de telespectadores. E ficou recordado por uma punch-line de Giscard d'Estaing em resposta às acusações de insensibilidade social por parte do seu rival (refira-se que essa era uma imagem que se lhe podia colar facilmente por Giscard ser ministro das Finanças): «Vous n'avez pas le monopole du cœur» - cuja tradução literal será você não tem o monopólio do coração, mas que eu preferi a tradução mais amena que coloquei em título. Mesmo que o fizessem mais instintivamente do que por causa de dados objectivos, os comentadores reconheceram que aquela frase tivera um impacto positivo entre a assistência. Até mesmo o Diário de Lisboa do dia seguinte (em vias de se radicalizar cada vez mais) se abstinha de conceder vantagem ao seu candidato favorito. Se a frase tiver tido impacto, esse impacto terá influenciado o resultado final das eleições (realizadas a 19 de Maio) pois Giscard ganhou apenas com uma vantagem de 425 mil votos (1,6%).

09 maio 2024

A GREVE DE 8 E 9 DE MAIO DE 1944

Se há alguma coisa que faz pouco sentido em Democracia é que, à censura oficial que se verificava sob o Estado Novo, que impedia que os pontos de vista do regime fossem contraditados, se sucedeu, depois do 25 de Abril, outro género de unilateralismo, que peca por omissão, em que agora as narrativas dos acontecimentos são feitas apenas pelo outro lado. Por exemplo, a greve de 8 e 9 de Maio de 1944, que foi fomentada e organizada pelo Partido Comunista Português torna-se numa narrativa heróica, com um generalizado apoio popular, um acontecimento sem mácula, quando é evocada por aquela organização. Do lado direito da imagem temos um panfleto da altura e a primeira página da edição seguinte do jornal clandestino Avante! E no entanto, e como já aqui se verificara aquando da evocação do 75º aniversário da prisão de Álvaro Cunhal, uma consulta aos jornais da época, mostra todo um distanciamento em relação às acções dos comunistas. Aquilo que aconteceu não foi nada como eles agora contam e os comunistas estavam muito longe de granjear o apoio popular que se subentende das suas narrativas. E repare-se como acima, do lado esquerdo, a notícia de dia 9 de Maio, que dá conta dos acontecimentos, é antecedida de um editorial intitulado A Ordem. Pelo menos para o editorialista do Diário de Lisboa (presumivelmente o seu director Joaquim Manso), fomentar greves num país neutral numa Europa em guerra não lhe parecia gesto que se saudasse.

UM TÍTULO DE JORNAL MUITO LISONJEIRO PARA O VISADO

No título que o Expresso escolheu para sintetizar a sua passagem pela Assembleia da República, o surpreendente não é a «recusa» do «ministro da Defesa» em «falar». O que me deixa verdadeiramente atónito é a presunção que «o líder do CDS» tem um «pensamento». Nem é pelo pensamento pretender ser «sobre serviço militar para jovens delinquentes». É pela miragem de imaginar que Nuno Melo pensa! E enquanto por cá o Expresso se entretém com os pensamentos secretos daquele nosso pensador, a The Economist, dedica um artigo à evolução das despesas militares dos países da NATO. Acho mais bem pensado do que generalidades vagas!

08 maio 2024

A ESPIRAL DA IMBECILIDADE

Para se perceber qual a importância que por cá têm os ministros brasileiros, um exercício engraçado seria desafiar qualquer um dos jornalistas responsáveis pelas cinco notícias abaixo a nomear - de memória... - três colegas de governo da ministra que aparece citada: pode ser, por exemplo, o da Fazenda, o das Relações Exteriores e mais um outro qualquer à escolha deles... Ficando nós assim esclarecidos quanto ao gravitas de que por cá gozam os ministros brasileiros, o nosso conhecimento sobre quem eles são, só falta mesmo a referência do que importa a opinião de uma delas... por muito que a comunicação social portuguesa se deixe assim arrastar para esta espiral da imbecilidade. Embora se tenha que reconhecer que o funileiro dessa espiral foi o Marcelo.
Apenas por curiosidade: há actualmente 31 ministros no Brasil. Num elenco assim tão vasto não será nada difícil encontrar um ministro ou outro mais predisposto a dizer disparates como o desta ministra que ninguém sabia quem era, até se destacar precisamente por isso: por dizer disparates.

O ANÚNCIO DO BOICOTE SOVIÉTICO AOS JOGOS OLÍMPICOS DE LOS ANGELES

8 de Maio de 1984. O Comité Olímpico Soviético anúncia que que o seu país não se faria representar nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, programados para arrancarem em 28 de Julho, dali por treze semanas. A notícia era acompanhada de outra, a disposição da Polónia em seguir o exemplo soviético. Até à data do início dos jogos, treze outros países da esfera de influência soviética aderiram ao boicote, num total de quinze países. Mas, ao contrário do que a notícia acima titula, dificilmente se poderia considerar a atitude dos soviéticos uma "bomba". Era apenas a retaliação - esperada - pelo boicote que, por sua vez, os Estados Unidos haviam promovido aos Jogos Olímpicos de Moscovo em 1980, que (des)mobilizara cerca de sessenta países. Por essa contagem, no final os Estados Unidos venceriam a União Soviética. Mas no que diz respeito à capacidade de cada um deles ter estragado a festa desportiva do outro, o resultado ter-se-á saldado por um empate.

07 maio 2024

A «ALMOÇARADA» NA TRAFARIA

(Republicação)
Domingo, 7 de Maio de 1944. «O 1º batalhão da Brigada Naval da Legião Portuguesa, acampado desde ontem na mata da Trafaria, terminou hoje o seu exercício de campo. Esta manhã, depois da alvorada e da missa campal, com a presença do sr. comandante Henrique Tenreiro, efectuou-se um exercício de progressão na praia entre a Cova do Vapor e a Trafaria.
Partia-se da hipótese que os legionários tinham levado a cabo um desembarque naquela zona, onde encontraram resistência. O exercício, dirigido pelo comandante do 1º batalhão, 1º tenente Horácio de Carvalho, desenvolveu-se normalmente e o batalhão, utilizando todos os serviços de transmissões, fez a sua progressão até ao local do acampamento.
Ás 13 e 30 realizou-se, á sombra do pinhal, um almoço de confraternização, a que presidiu o sr. comandante Henrique Tenreiro e com as presenças dos srs. capitão de mar e guerra Alberto dos Santos e major Nascimento, Chefe de Estado Maior da Brigada Naval, bem como de muitos oficiais, graduados, etc.
Aos brindes, usou da palavra o sr. comandante Henrique Tenreiro, que pronunciou um caloroso discurso, entrecortado de grandes aplausos.
Começou por lembrar que o sr. comandante Alberto dos Santos, grande amigo da Brigada Naval, completava hoje 70 anos, passando por isso à reforma, motivo pelo qual traçou o seu elogio.
Continuando, o sr. comandante Tenreiro afirmou que, "certos da vitória de Salazar, os legionários continuam unidos e prontos a obedecer-lhe à primeira voz".
Acentuou que a união da Brigada Naval tem sido timbre daquela corporação, sendo necessário que continue a sê-lo enquanto Salazar assim o entender.
Terminou lembrando aos legionários navais, que, sendo eles soldados da Revolução Nacional, cumpre-lhes manter cabeças ao alto, fé em Deus e na política do Estado Novo.
O sr. major Carlos Nascimento, chefe de Estado Maior da Legião, exaltou depois o espírito de unidade e a força espiritual e material dos legionários, afirmando que o comandante Henrique Tenreiro tinha na Brigada Naval um dos grande expoentes do seu espírito de grande organizador.
Por último, o sr. comandante Alberto dos Santos agradeceu as palavras que lhe tinham sido dirigidas e incitou os legionários a cumprirem sempre os seus deveres.
O batalhão regressou a Lisboa ao fim da tarde
O que acabaram de ler é a transcrição completa da notícia. Num Mundo então em guerra, esta história de umas manobras navais na outra banda quase parece uma paródia provocatória. Se do outro lado do Mundo fuzileiros navais americanos arriscavam e perdiam a vida em operações anfíbias, por cá esses exercícios eram encenados com a seriedade de um piquenique ao fim de semana: houvera uma noitada de acampamento, seguida de alvorada e missa (não houve café da manhã?...), com o prato de resistência a ser constituído por uma passeata de uma meia hora entre duas praias (cova do vapor e trafaria) para apanhar a brisa do mar e assim se ir abrindo o apetite para o almoço, servido à sombra dos pinheiros, a seguir ao qual houve uma sequência de discursos para ajudar a digestão. Houvesse ele invasão e a Pátria estava salva graças ao 1º batalhão da Brigada Naval da Legião Portuguesa!

A RENDIÇÃO DE DIEN BIEN PHU

(Republicação)
7 de Maio de 1954. Há 70 anos rendiam-se as últimas unidades francesas que ainda resistiam em Dien Bien Phu ao cerco que lhes fora imposto nos últimos 57 dias pelas forças do Viet Minh. O local da batalha, no mais remoto interior do Norte do Vietname, no coração de uma região absolutamente controlada pelo Viet Minh (ver mapa mais abaixo), fora escolhido pelos próprios franceses, o que tornava a derrota ainda mais amarga. Em Paris, o Le Monde embrulhava-a numa circunspecta constatação factual: não há notícias da guarnição de Dien-Bien-Phu.
Não se consegue justificar uma derrota desta amplitude sem ter que condenar aqueles que foram os seus responsáveis militares e, quando não se quer fazer isso, romantiza-se o episódio, divergindo a atenção da narrativa da batalha para os actos de bravura individuais dos combatentes e/ou para aspectos anedóticos a ela associados. Em Dien Bien Phu, as posições francesas (acima) tinham todas nomes femininos, a que alguém mais imaginativo pôs a correr tratar-se das antigas amantes do general francês que comandava a guarnição. É uma história engraçada para justificar o feminino num meio onde ele era escasso, mas, mais prosaicamente, tratou-se apenas de dar sonoridade a posições que haviam sido designadas inicialmente pelas letras do alfabeto: A (Anne-Marie), B (Béatrice), C (Claudine), D (Dominique), E (Eliane), F (?), G (Gabrielle), H (Huguette) e I (Isabelle).
Se o mapa do campo de batalha de Dien Bien Phu (mais acima) é costumeiro, muito mais raro é este mapa acima, que nos mostra a situação militar na Indochina Francesa nesse mesmo mês de Maio de 1954 e que, à época, deveria ser um segredo militar.. As regiões pintadas de laranja são consideradas sobre controle do Viet Minh e as encarnadas são as que estão em disputa. Embora as populações se concentrem mais nos deltas dos rios e nas zonas costeiras e ribeirinhas, mesmo assim é evidente que coexistiam duas administrações rivais na Indochina: a que transitara da administração colonial francesa e a nacionalista/comunista. Dien Bien Phu foi só a constatação sangrenta da impotência francesa.