11 junho 2024

UM «CHEIRINHO» DA VELHA GUERRA FRIA

(Republicação)
11 de Junho de 1999. Nesse dia terminava a Guerra do Kosovo. Com a entrada em vigor do cessar fogo, fora previsto que uma força conjunta de manutenção de paz, composta por unidades militares de países da NATO e também russas, se instalassem na antiga região autónoma jugoslava. Os russos haviam querido um sector independente, mas os Estados Unidos, assim como os restantes países europeus da NATO, haviam rejeitado a ideia, com receio que isso predispusesse os russos a dividirem o Kosovo em duas regiões, uma menor de maioria sérvia a norte e a restante, de maioria albanesa, uma espécie de mini Alemanha Oriental balcânica, que esses bons velhos hábitos nunca saem de moda. Mesmo que não fosse essa a ideia dos russos, a sua posição negocial parecer-lhes-ia demasiado frágil na conjuntura da substituição das forças combatentes (sérvios e albaneses), e os russos decidiram-se a um golpe sujo: pela calada da noite de 11 de Junho, pegaram num destacamento seu estacionado na Bósnia vizinha, e mandaram-no percorrer os 600 km que os separavam da capital do Kosovo para ocuparem o aeroporto local, tudo isso sem passar cartão a ninguém da NATO. Apesar de comandado por um general, o destacamento russo era pequeno: cerca de 200 homens e umas 30 viaturas, sem grande potencial de combate. Mas isso seria irrelevante. Aquela era uma guerra para ser travada à frente das câmaras de televisão (acima). Quando as unidades da NATO encarregues dessa mesma missão chegaram, o aeroporto estava ocupado pelos russos, a CNN também já lá estava, ninguém se dispôs a facilitar a vida aos outros, e começava a crise. Era uma coisa nova, depois de dez anos (1989-1999) em que os russos haviam sido nossos amigos. Recorde-se que a Rússia de então era ainda dirigida por um sujeito pachola, permanentemente embriagado que dava pelo nome de Boris Yeltsin (Vladimir Putin só apareceu um ano depois). Mas a gestão de todo o incidente serviu também para exibir outras fracturas, não só as entre o Ocidente e o Leste, como também as entre a América e a Europa, dentro do Ocidente e da NATO. À atitude mais bélica do comando supremo americano da operação, contrapôs-se uma aproximação bem mais pragmática do comando militar britânico que estava no terreno. Apesar daquilo que parecia estar a acontecer na CNN, os 200 russos estavam isolados e impedidos pela aviação da NATO de serem reforçados e de se reabastecerem sequer. O único perigo da situação era ela detonar acidentalmente. Para a NATO, o tempo encarregar-se-ia de solucionar a questão. Foi o que aconteceu: os russos acabaram por ter que ser abastecidos de água e comida pela logística das unidades da NATO que eles não queriam deixar entrar no aeroporto. O impasse durou duas semanas, a Rússia acabou por salvar a sua face politicamente, e o susto passou.

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