Strategikon é um livro com 1400 anos que ainda hoje se vende. Trata-se de um Tratado Militar escrito nos finais do Século VI, cuja autoria foi atribuída ao Imperador romano Maurício (539-602). Depois de Vegécio e do seu Tratado de Ciência Militar, que fora escrito cerca de 200 anos antes, trata-se do primeiro livro daquele género que foi escrito por um romano que ainda hoje permanece interessante para os estudiosos. Entre as datas de aparecimento daqueles dois Tratados, a autoridade romana na Europa ocidental desaparecera, o último representante dessa autoridade fora deposto (476), um dos seus homólogos do Oriente, o Imperador Justiniano I (482-565), tentou e conseguiu, ainda que apenas parcialmente, vir a restaurá-la (mapa abaixo).
O Strategikon aparece assim enquadrado por uma fase em que o Império Romano está a regressar a uma atitude táctica globalmente defensiva. Depois da Arte da Guerra de Sun Tzu e de Arthashastra de Kautiliya (ambos do Século IV a.C., o primeiro chinês e o segundo indiano), contar-se-á como o terceiro livro mais importante que a Antiguidade* produziu sobre estratégia. O que o notabiliza em relação a outros textos é a atenção dispensada a análise detalhada de cada inimigo, conforme as características da geografia física das áreas de confronto, as suas tradições militares, o seu armamento favorito e os seus hábitos de combate, abandonando o axioma que as soluções tácticas são universalmente válidas.
Na época de Maurício (acima), o Império confrontava-se com a cavalaria germânica clássica dos visigodos (Espanha), lombardos e francos (Itália), a cavalaria ligeira ultra móvel dos povos das estepes, como os Avaros (Hungria e Roménia), formações mais irregulares, praticamente de guerrilha, como os eslavos (Balcãs), os árabes (Palestina e Síria), os turcos (Cáucaso) ou os berberes (Argélia e Tunísia), ou exércitos tão especializados quanto o seu, como era o caso do da Pérsia (Irão). Embora se deduza que era praticada há muito pelos seus antepassados, é só com o Strategikon que entre os romanos se reconhece teoricamente a existência de uma sociologia, de uma etnologia e de uma geografia de Guerra.
Na continuação do meu poste de ontem sobre Kliment Voroshilov, não resisto a fazer aqui um intervalo mais ligeiro para comparar a importância de Strategikon com a obra máxima do pensamento do distinto militar soviético, que se intitula A Defesa da URSS, escrita em 1937. Também escrita para ele e classificada da sua autoria como acontece com o Strategikon e Maurício, com quase 700 páginas, o livro contém artigos que logo a menção do título reconforta como A União do Exército Vermelho com o Povo, O Cavalo e o Automóvel, A Difamação Imperialista ou Por um Gado Maior, Por um Bom Cavalo!. A estupidez pode ser infinda, até a escolher temas sobre o que outros escreverão em nosso nome!
Na biografia de Maurício, além da reputação (imerecida?) de um dos maiores teóricos de estratégia da Antiguidade e da (merecida) de um excelente general e de um bom político, fica-lhe a mancha de não ter antecipado o erro político que veio a constituir a redução em cerca de 25% das remunerações dos militares, a insurreição que se lhe seguiu, e que lhe veio, aliás, a custar o trono e a vida em 602. Com a morte de Maurício, desapareceu a última chancelaria imperial romana que fazia coexistir o latim e o grego como línguas de trabalho. Ao renunciar ao primeiro idioma, a administração do seu sucessor anunciava também a renúncia a um objectivo estratégico e a toda uma Era da História da Europa…
* Embora formalmente se considere que a Antiguidade tenha terminado em 476 d.C., a ideologia subjacente à redacção deste Tratado, a da existência de um Império Romano universal, fá-lo pertencer inteiramente ao período da Antiguidade.
Na época de Maurício (acima), o Império confrontava-se com a cavalaria germânica clássica dos visigodos (Espanha), lombardos e francos (Itália), a cavalaria ligeira ultra móvel dos povos das estepes, como os Avaros (Hungria e Roménia), formações mais irregulares, praticamente de guerrilha, como os eslavos (Balcãs), os árabes (Palestina e Síria), os turcos (Cáucaso) ou os berberes (Argélia e Tunísia), ou exércitos tão especializados quanto o seu, como era o caso do da Pérsia (Irão). Embora se deduza que era praticada há muito pelos seus antepassados, é só com o Strategikon que entre os romanos se reconhece teoricamente a existência de uma sociologia, de uma etnologia e de uma geografia de Guerra.
Na continuação do meu poste de ontem sobre Kliment Voroshilov, não resisto a fazer aqui um intervalo mais ligeiro para comparar a importância de Strategikon com a obra máxima do pensamento do distinto militar soviético, que se intitula A Defesa da URSS, escrita em 1937. Também escrita para ele e classificada da sua autoria como acontece com o Strategikon e Maurício, com quase 700 páginas, o livro contém artigos que logo a menção do título reconforta como A União do Exército Vermelho com o Povo, O Cavalo e o Automóvel, A Difamação Imperialista ou Por um Gado Maior, Por um Bom Cavalo!. A estupidez pode ser infinda, até a escolher temas sobre o que outros escreverão em nosso nome!
Na biografia de Maurício, além da reputação (imerecida?) de um dos maiores teóricos de estratégia da Antiguidade e da (merecida) de um excelente general e de um bom político, fica-lhe a mancha de não ter antecipado o erro político que veio a constituir a redução em cerca de 25% das remunerações dos militares, a insurreição que se lhe seguiu, e que lhe veio, aliás, a custar o trono e a vida em 602. Com a morte de Maurício, desapareceu a última chancelaria imperial romana que fazia coexistir o latim e o grego como línguas de trabalho. Ao renunciar ao primeiro idioma, a administração do seu sucessor anunciava também a renúncia a um objectivo estratégico e a toda uma Era da História da Europa…
* Embora formalmente se considere que a Antiguidade tenha terminado em 476 d.C., a ideologia subjacente à redacção deste Tratado, a da existência de um Império Romano universal, fá-lo pertencer inteiramente ao período da Antiguidade.
As coisas que se aprendem por aqui!
ResponderEliminarO único Maurício de que me lembrava era o Vieira de Brito.
Só tenho desgostos...
Vêja bem que não sou só eu que aprendo! Sou é menos tímida a dizê-lo!
ResponderEliminar:))
E ser-se assim expansiva é uma virtude, Maria do Sol!
ResponderEliminarNem por isso. Depende (quase tudo) de quem vê!
ResponderEliminar:)