A propósito deste último referendo que se realizou recentemente na Irlanda, e sobretudo do embaraço que tem estado a constituir o resultado da vitória do Não, para além das reacções que tem provocado, vale a pena evocar outros referendos outrora realizados por essa Europa, em que também se pretendia que deles resultasse um e só um resultado: regressemos a 1946, à Polónia e ao referendo que ali se realizou em 30 de Junho desse ano.
Ainda sob os auspícios do governo de coligação que se mantinha desde Julho de 1944, onde as pastas chave pertenciam aos comunistas (do Partido dos Trabalhadores), o referendo era uma espécie de ensaio para eleições gerais e incluía três questões a que se esperava que o eleitorado polaco respondesse afirmativamente. Duas das perguntas eram relativamente banais, mas a mais importante aparecia entalada lá no meio:
a) É a favor da abolição do Senado?
b) É a favor da adopção de um sistema económico fundado na reforma agrária e na nacionalização das indústrias nacionais básicas, incluindo a preservação dos direitos legais da empresa privada?
a) É a favor da abolição do Senado?
b) É a favor da adopção de um sistema económico fundado na reforma agrária e na nacionalização das indústrias nacionais básicas, incluindo a preservação dos direitos legais da empresa privada?
c) É a favor que se adopte a linha Oder-Neisse como a fronteira ocidental da Polónia?
É evidente que o cerne da luta política que então se travava na Polónia andava muito longe dos benefícios ou inconveniências de um Parlamento uni ou bicameral. Houve mesmo sectores da oposição conhecidos por terem apoiado a supressão do Senado antes da Guerra que agora faziam campanha pelo Não àquela pergunta, para que o resultado não fosse interpretado como um apoio ao governo.
Quanto ao traçado da nova fronteira ocidental da Polónia, que fora obtido à custa da Alemanha, era absolutamente ridículo que só se fizesse aquela pergunta, uma vez que nada era perguntado ao eleitorado sobre o traçado das novas fronteiras orientais (ver mapa abaixo), onde também havia alterações, mas em que essas alterações haviam sido feitas em prejuízo da Polónia e em benefício da União Soviética…
Restava a pergunta importante, a do sistema económico, que seria fundado na reforma agrária e na nacionalização das indústrias básicas. Note-se que, como de costume nos países da Europa de Leste nessa época, a referência abstracta à reforma agrária é omissa quanto à forma como essa reforma será implementada. Depois, como já vimos no caso da Roménia e da Hungria, ela seria feita através da colectivização das terras*.
Segundo os resultados oficiais então apresentados, o Sim ganhou com 68% na primeira, com 77% na segunda e com 91% na terceira pergunta. No entanto, os indícios de uma enorme chapelada eleitoral eram mais do que evidentes: os resultados na segunda cidade do país (Krakow), onde a oposição conseguira acompanhar e controlar o escrutínio, os resultados afirmativos foram, respectivamente, 16%, 41% e 70%.
Eram diferenças demasiado significativas para não suspeitar que tivesse havido manipulação dos dados... Reconstituições efectuadas depois de 1989 e do fim do regime, a que pessoalmente ponho as maiores reservas (não às conclusões, mas ao rigor das conclusões), procuram demonstrar que, num referendo correcto, apenas a terceira pergunta teria sido aprovada: teria havido 27% de Sins à primeira, 42% à segunda e 67% à terceira questão.
Mas convém não nos esquecermos que os países europeus que fundaram a CEE, que foi a antepassada da actual União Europeia, fizeram-no mostrando uma superioridade moral e um desprezo não disfarçado pelos expedientes eleitorais como estes que aqui acima descrevi. A Polónia, tanto como Portugal ou a Espanha do outro lado ideológico, eram indignos de pertencer à CEE também por causa destas caricaturas de actos eleitorais que promoviam…
E o que descrevi acima não terá acontecido assim há tanto tempo para que pessoas com responsabilidades em Portugal e noutros países, não tenham de ter em atenção os comentários que produziram na sequência de um referendo eleitoral que correu de forma diversa àquela que desejariam. É que só ficou por sugerir abertamente ao primeiro-ministro irlandês que, da próxima vez, como Bolesław Bierut, ele tem de organizar devidamente o referendo…
Depois espantam-se porque a União Europeia não é muito popular. O regime comunista polaco nunca o foi...
* É uma confusão de conceitos que também existe em Portugal. A reforma agrária que o PCP tentou implementar em 1974-75 no Alentejo correspondia integralmente ao modelo de colectivização soviético. Uma reforma agrária pode ser muito distinta daquilo.
É evidente que o cerne da luta política que então se travava na Polónia andava muito longe dos benefícios ou inconveniências de um Parlamento uni ou bicameral. Houve mesmo sectores da oposição conhecidos por terem apoiado a supressão do Senado antes da Guerra que agora faziam campanha pelo Não àquela pergunta, para que o resultado não fosse interpretado como um apoio ao governo.
Quanto ao traçado da nova fronteira ocidental da Polónia, que fora obtido à custa da Alemanha, era absolutamente ridículo que só se fizesse aquela pergunta, uma vez que nada era perguntado ao eleitorado sobre o traçado das novas fronteiras orientais (ver mapa abaixo), onde também havia alterações, mas em que essas alterações haviam sido feitas em prejuízo da Polónia e em benefício da União Soviética…
Restava a pergunta importante, a do sistema económico, que seria fundado na reforma agrária e na nacionalização das indústrias básicas. Note-se que, como de costume nos países da Europa de Leste nessa época, a referência abstracta à reforma agrária é omissa quanto à forma como essa reforma será implementada. Depois, como já vimos no caso da Roménia e da Hungria, ela seria feita através da colectivização das terras*.
Segundo os resultados oficiais então apresentados, o Sim ganhou com 68% na primeira, com 77% na segunda e com 91% na terceira pergunta. No entanto, os indícios de uma enorme chapelada eleitoral eram mais do que evidentes: os resultados na segunda cidade do país (Krakow), onde a oposição conseguira acompanhar e controlar o escrutínio, os resultados afirmativos foram, respectivamente, 16%, 41% e 70%.
Eram diferenças demasiado significativas para não suspeitar que tivesse havido manipulação dos dados... Reconstituições efectuadas depois de 1989 e do fim do regime, a que pessoalmente ponho as maiores reservas (não às conclusões, mas ao rigor das conclusões), procuram demonstrar que, num referendo correcto, apenas a terceira pergunta teria sido aprovada: teria havido 27% de Sins à primeira, 42% à segunda e 67% à terceira questão.
Mas convém não nos esquecermos que os países europeus que fundaram a CEE, que foi a antepassada da actual União Europeia, fizeram-no mostrando uma superioridade moral e um desprezo não disfarçado pelos expedientes eleitorais como estes que aqui acima descrevi. A Polónia, tanto como Portugal ou a Espanha do outro lado ideológico, eram indignos de pertencer à CEE também por causa destas caricaturas de actos eleitorais que promoviam…
E o que descrevi acima não terá acontecido assim há tanto tempo para que pessoas com responsabilidades em Portugal e noutros países, não tenham de ter em atenção os comentários que produziram na sequência de um referendo eleitoral que correu de forma diversa àquela que desejariam. É que só ficou por sugerir abertamente ao primeiro-ministro irlandês que, da próxima vez, como Bolesław Bierut, ele tem de organizar devidamente o referendo…
Depois espantam-se porque a União Europeia não é muito popular. O regime comunista polaco nunca o foi...
* É uma confusão de conceitos que também existe em Portugal. A reforma agrária que o PCP tentou implementar em 1974-75 no Alentejo correspondia integralmente ao modelo de colectivização soviético. Uma reforma agrária pode ser muito distinta daquilo.
É verdade! Ao contrário, por exemplo, do referendo de Dezembro na Venezela onde se pôde dizer "não" sem consequências de maior, para desgosto de muitos "Europeístas", não pelo não em si, mas por não ter havido as consequências...
ResponderEliminarAh! Comparou!
ResponderEliminarOs nossos governantes, tanto nacionais como europeus, nunca pensaram nisso ou, se pensaram, melhor não o fizeram!