O episódio que aqui pretendo narrar tem uma data precisa, 8 de Abril de 1945, quase no fim da Segunda Guerra Mundial, passou-se em Berlim no bunker que Adolf Hitler havia transformado no seu Quartel-General, e o narrador (e, ao mesmo tempo, interveniente) do que se passou chamava-se Gotthard Heinrici (abaixo), um nome que será desconhecido para a maioria dos leitores, talvez mesmo para aqueles que se considerem conhecedores dos assuntos da Segunda Guerra Mundial.
Heinrici foi um general alemão que atingiu o topo da carreira militar com a patente de coronel-general mas que nunca gozou das simpatias da hierarquia nazi durante a Guerra, nem, por outro lado, veio a gozar das simpatias dos autores ocidentais depois dela, para serem usados – agora no quadro da Guerra Fria – como exemplo dos generais alemães que se haviam mostrados competentes mas que não haviam sido nazis – como eram os casos de Erwin Rommel ou de Erich von Manstein.
Foi só em 1966, mais de 20 anos depois do fim da Segunda Guerra, que Cornelius Ryan no seu livro A Última Batalha, que relata a conquista de Berlim e os últimos dias de resistência do exército alemão, que a figura de Heinrici veio a ganhar alguma notoriedade. Aliás o episódio a que este poste se refere começou por ser escrito precisamente para esse livro. O coronel-general Heinrici era o comandante do Grupo de Exércitos alemães que defendia a Frente Leste dos Exércitos soviéticos.
Como se pode notar no mapa acima, essa Frente acompanhava praticamente o Rio Óder, e o objectivo da presença de Heinrici em Berlim era o de relatar a situação a Hitler, que estava acompanhado pelos mais altos dignitários militares do regime: Göring, Himmler, Dönitz, Keitel, Krebs, etc. Heinrici não estava preocupado de imediato com as ameaças ao seu Exército que se localizava a Norte: as enchentes causadas pelo degelo da Primavera mantinham um caudal forte no trecho mais a jusante do Rio Óder.
O seu outro Exército (IX), no Sul, é que já perdera essa protecção natural, o que tornava os rios atravessáveis em diversos locais para as unidades blindadas soviéticas. Era de esperar que a próxima ofensiva soviética se concentrasse brevemente naquele local (foi o que veio a acontecer) e não os ajudava nada que o Alto Comando ainda lhes retirasse as poucas unidades móveis em reserva (3 divisões blindadas) para as enviar para a Eslováquia e a Hungria, para o Grupo de Exércitos vizinho, comandado pelo General Schörner (abaixo)…
Escutar tudo aquilo era de mais para Adolf Hitler. Interrompeu Heinrici e, para além de uma elaboração sobre a decadência progressiva da infantaria do Exército Vermelho (composta por forçados recuperados dos campos de concentração e levados para a frente de combate à chicotada…), a opinião de Hitler era completamente diferente sobre quais seriam as intenções do inimigo: os soviéticos não iriam atacar na direcção de Berlim, já que se tratava de um objectivo desprovido de qualquer interesse estratégico…
Os russos iriam atacar na direcção da Saxónia, da cidade de Dresden, a fim de se reunirem no Danúbio aos exércitos soviéticos que atacavam Viena, efectuando uma gigantesca manobra de cerco. É por isso que não alterarei a minha decisão de enviar a Schörner essas 3 divisões blindadas. Ele é que vai precisar delas. Acessória e supletivamente, Hitler também tinha aproveitado a ocasião para promover Ferdinand Schörner (que era um dos seus generais favoritos) ao posto de Marechal-de-Campo…
Mas persistia o problema da falta de reservas que levara ali o general não-favorito… E foi naquele momento que começou o embaraçoso leilão. Primeiro foi Hermann Göring: - Meu Führer, envio-vos para a vossa batalha do Óder cem mil homens da minha Luftwaffe! Depois ripostou Heinrich Himmler: - Meu Führer, envio-vos para a vossa batalha vinte e cinco mil dos meus SS! E Karl Dönitz não lhes quis ficar atrás: - Meu Führer, envio-vos para a vossa batalha doze mil dos meus marinheiros!
Metódico, o Führer fez as contas: 100 000 + 25 000 + 12 000 = 137 000 homens, cerca de 12 divisões. - Eis as suas reservas, coronel-general Heinrici!. O presenteado ainda tentou argumentar que não bastam homens para fazer unidades combatentes: era preciso armamento, enquadramento e treino. A isso, Göring fingiu indignar-se com a pretensa insinuação às capacidades combatentes dos homens da sua Luftwaffe. E Heinrici acabou por calar-se, como o faria numa enfermaria de um hospício…
É evidente que à frente de combate acabaram por chegar apenas uma mísera fracção das dezenas de milhares de efectivos prometidos. É evidente que, mesmo esses, impreparados, foram os primeiros a fugir quando a ofensiva soviética começou – Heinrici guardou o saboroso prazer de o dizer pessoalmente a Göring… É difícil escolher o que terá sido mais penoso em toda aquela cena: se a própria existência do leilão, se o facto de aquilo que se leiloava afinal não existir, se o facto da causa pela qual se leiloava já não fazer qualquer sentido…
Foi só em 1966, mais de 20 anos depois do fim da Segunda Guerra, que Cornelius Ryan no seu livro A Última Batalha, que relata a conquista de Berlim e os últimos dias de resistência do exército alemão, que a figura de Heinrici veio a ganhar alguma notoriedade. Aliás o episódio a que este poste se refere começou por ser escrito precisamente para esse livro. O coronel-general Heinrici era o comandante do Grupo de Exércitos alemães que defendia a Frente Leste dos Exércitos soviéticos.
Como se pode notar no mapa acima, essa Frente acompanhava praticamente o Rio Óder, e o objectivo da presença de Heinrici em Berlim era o de relatar a situação a Hitler, que estava acompanhado pelos mais altos dignitários militares do regime: Göring, Himmler, Dönitz, Keitel, Krebs, etc. Heinrici não estava preocupado de imediato com as ameaças ao seu Exército que se localizava a Norte: as enchentes causadas pelo degelo da Primavera mantinham um caudal forte no trecho mais a jusante do Rio Óder.
O seu outro Exército (IX), no Sul, é que já perdera essa protecção natural, o que tornava os rios atravessáveis em diversos locais para as unidades blindadas soviéticas. Era de esperar que a próxima ofensiva soviética se concentrasse brevemente naquele local (foi o que veio a acontecer) e não os ajudava nada que o Alto Comando ainda lhes retirasse as poucas unidades móveis em reserva (3 divisões blindadas) para as enviar para a Eslováquia e a Hungria, para o Grupo de Exércitos vizinho, comandado pelo General Schörner (abaixo)…
Escutar tudo aquilo era de mais para Adolf Hitler. Interrompeu Heinrici e, para além de uma elaboração sobre a decadência progressiva da infantaria do Exército Vermelho (composta por forçados recuperados dos campos de concentração e levados para a frente de combate à chicotada…), a opinião de Hitler era completamente diferente sobre quais seriam as intenções do inimigo: os soviéticos não iriam atacar na direcção de Berlim, já que se tratava de um objectivo desprovido de qualquer interesse estratégico…
Os russos iriam atacar na direcção da Saxónia, da cidade de Dresden, a fim de se reunirem no Danúbio aos exércitos soviéticos que atacavam Viena, efectuando uma gigantesca manobra de cerco. É por isso que não alterarei a minha decisão de enviar a Schörner essas 3 divisões blindadas. Ele é que vai precisar delas. Acessória e supletivamente, Hitler também tinha aproveitado a ocasião para promover Ferdinand Schörner (que era um dos seus generais favoritos) ao posto de Marechal-de-Campo…
Mas persistia o problema da falta de reservas que levara ali o general não-favorito… E foi naquele momento que começou o embaraçoso leilão. Primeiro foi Hermann Göring: - Meu Führer, envio-vos para a vossa batalha do Óder cem mil homens da minha Luftwaffe! Depois ripostou Heinrich Himmler: - Meu Führer, envio-vos para a vossa batalha vinte e cinco mil dos meus SS! E Karl Dönitz não lhes quis ficar atrás: - Meu Führer, envio-vos para a vossa batalha doze mil dos meus marinheiros!
Metódico, o Führer fez as contas: 100 000 + 25 000 + 12 000 = 137 000 homens, cerca de 12 divisões. - Eis as suas reservas, coronel-general Heinrici!. O presenteado ainda tentou argumentar que não bastam homens para fazer unidades combatentes: era preciso armamento, enquadramento e treino. A isso, Göring fingiu indignar-se com a pretensa insinuação às capacidades combatentes dos homens da sua Luftwaffe. E Heinrici acabou por calar-se, como o faria numa enfermaria de um hospício…
É evidente que à frente de combate acabaram por chegar apenas uma mísera fracção das dezenas de milhares de efectivos prometidos. É evidente que, mesmo esses, impreparados, foram os primeiros a fugir quando a ofensiva soviética começou – Heinrici guardou o saboroso prazer de o dizer pessoalmente a Göring… É difícil escolher o que terá sido mais penoso em toda aquela cena: se a própria existência do leilão, se o facto de aquilo que se leiloava afinal não existir, se o facto da causa pela qual se leiloava já não fazer qualquer sentido…
Bolas!
ResponderEliminarDeste Heinrici já tinha ouvido falar, assim como da cena do "leilão", mas o Maurício continua atravessado...
Do "quem dá mais" ao quem leva menos.
ResponderEliminarMuito interessante. Desconhecia em absoluto.