Esta semana houve quem assinalasse - «e bem!», como diria enfaticamente o Jorge Coelho - a passagem do 45º aniversário da aprovação da Constituição da República Portuguesa. Porém, aquilo de que eu normalmente sinto falta nestas evocações é de um contexto explicativo, não apenas do acontecimento, mas da época. Um contexto que, se devidamente explorado, estou em crer que tornaria aquilo que se escreve a respeito da ocasião mais vivo, menos soturno e formal. Vale a pena recordar que, nessa mesma semana em que se aprovava a constituição, o top de vendas discográfico era encimado pela música petite demoiselle, interpretada pelo belga Art Sullivan. Aparentemente, o povo cansara-se de tanta qualidade em todas aquelas canções de intervenção que blindavam as rádios contra a música burguesa e, como não havia produção pimba doméstica, substituíra-a pelo que conseguira arranjar, em francês, adoptando os padrões de gosto que lhes chegavam via emigração...
Outra abordagem contextualizada para a época, seria inquirir o que fazia então o actual presidente da Assembleia da República. Entre outras actividades, Eduardo Ferro Rodrigues era o director do jornal Poder Popular de que exibimos abaixo a edição dessa semana. O momento não parecia ser de grandes celebrações, como se depreende pelo título enviesado que o jornal publica, concentrando-se em atacar a direita e não em celebrar o documento que acabara de ser aprovado por ampla maioria. Nas páginas do interior era-se mais explícito quanto às razões para que no MES não fossem uns grandes entusiastas: «É que a Constituição, apesar de não conter as mais importantes conquistas revolucionárias das massas trabalhadoras, reflecte o período de luta de classes anterior ao 25 de Novembro...» Era assim naqueles tempos, hoje estou convencido que Ferro Rodrigues teria uma certa relutância em emprestar o seu nome a uma publicação onde se propusesse rever aquela mesma Constituição pela esquerda... mudou (muito) de opinião.
Constituição essa que já foi muito revista, mas pela direita... Mas registem como, relembrando duas ou três coisas como estas, as narrativas se tornam muito mais interessantes.
Os contextos e as pessoas mudam, felizmente. Na entrevista que Maria José Morgado deu a Fátima Campos Ferreira ela diz enfaticamente que, nos seus tempos revolucionários, era doida, e que ainda bem que "não fizeram a revolução" (a deles, do MRPP).
ResponderEliminarPois, cada pessoa com seu estilo. Essa sinceridade de Maria José Morgado é desarmante.
ResponderEliminarEduardo Ferro Rodrigues - e tantos outros como ele e ela - também deu muitas entrevistas e nunca lhe(s) ouvi referências senão muito vagas e evasivas a esses seus tempos em que pensaram diferente.
Não é obrigatório que todos adoptem a atitude de Maria José Morgado e confessem os seus «pecados», mas também não deixa de ser curial, perante comportamentos tão evasivos, recordar que quem hoje proclama certos princípios de forma tão enfática, nem sempre pensou assim.