21 novembro 2007

AS REGRAS DE COMPETIÇÃO DOS SALTOS DE ESQUI

Deixem-me fazer mais uma evocação de tempos passados, onde havia épocas para cada fruta e também épocas para desportos. Próximo do Natal, o desembrulhar e o gozo das prendas novas eram acompanhados de infindáveis transmissões televisivas de desportos de inverno, como a patinagem artística ou os saltos de esqui, estes originários de locais impronunciáveis como Garmisch-Partenkirchen.
É preciso ser-se fervoroso adepto daquela última modalidade para a vir a apreciar. A transmissão não passava de um encadeamento de gestos iguais, sempre repetidos: um esquiador que descia uma rampa de declive acentuado o mais agachado possível para ganhar velocidade e para depois se esticar no ar executando um salto, descendo colina abaixo, salto que chegava a ultrapassar os 100 metros!

Pensava eu na minha ingenuidade que o vencedor da competição era o que saltava mais longe – desde que chegasse devidamente equilibrado em cima dos esquis!... Mas não: descobri depois que, a meio do voo, há uns jurados que dão uma espécie de notas artísticas à figura voadora do atleta e que estas notas também contam para a classificação final da competição…
Acho um critério de classificação tanto estúpido como desnecessariamente complexo. Suponho que as figuras mais eficazes deveriam ser as que resultam em voos mais prolongados, desde que os atletas mantenham o equilíbrio à aterragem. As apreciações estéticas só existem para complicar e dar importância ao que não a tem. Mas lembro-me frequentemente dela porque se trata de uma prática com escola.

Por exemplo: quando não se percebe do assunto da conferência, apreciam-se os arranjos florais que ornamentavam a mesa e mais diversos… Uma tese de doutoramento – e é bom sinal que se façam centenas, senão milhares delas em Portugal por ano – costuma ser um trabalho de investigação com uma orientação muito específica, que interessa a um núcleo restrito. Não é concebida para vir a ser um livro…

Depois há os candidatos a doutores que saem na televisão (como Manuel Carvalho da Silva) e onde as editoras vêm a possibilidade de uma boa aposta, convertendo a tese numa edição pública – evidentemente que por causa da notoriedade do autor, não por causa da matéria da investigação em si. Dessa última haverá apenas um punhado de especialistas que terá interesse no seu conteúdo.
Eu não li, nem faço tenções de ler, a tese de Manuel Carvalho da Silva. Ele também não a escreveu a pensar em dirigi-la a pessoas como eu. O que me surpreende é que pessoas como Francisco José Viegas, que deve saber muito melhor que eu tudo o que aqui escrevi sobre edições de teses, se disponha a emitir um conjunto de apreciações beirando o trivial das generalidades sobre o livro contendo a tese de doutoramento de Carvalho da Silva.

Como seria de antecipar e lembrando-me os jurados dos saltos de esqui de Garmisch-Partenkirchen de outrora, os comentários de Francisco José Viegas acabaram por derivar para apreciações artísticas sobre um assunto científico, de onde eu quero destacar a expressão elegância teórica, coisa que a tese, pelos vistos, não tem suficiente, e cujo desenvolvimento explicativo, apesar de solicitado, ainda hoje aguardo do comentador…
Enfim, lamento concluir que a apreciação de Francisco José Viegas me lembrou uma versão bastante mais sofisticada daquela famosa notícia sobre um Congresso de Física Nuclear: o orador apresentou um trabalho sobre quarks muito aplaudido no final mas tinha deficiências de dicção (não pronunciava os Rs) e apresentava-se com uma gravata de cores berrantes… Só que esta versão de Francisco José Viegas parece ser um bocadinho mais condescendente quanto ao orador…
Adenda: Os meus agradecimentos públicos ao Rui Esteves, que me assinalou a minha propensão para ficar tenso quando devia somente tencionar...

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