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E isso começa logo pelo princípio: Luís Napoleão Bonaparte é um sobrinho de Napoleão Bonaparte… que não é sobrinho biológico de Napoleão Bonaparte. Embora a sua mãe fosse a enteada de Napoleão, Hortense de Beauharnais, filha de Josefina, que estava casada com um dos irmãos mais novos de Napoleão, Luís. E naquelas épocas remotas, antes do DNA, embora ainda não houvesse testes para se saber quem seria o pai, havia outros métodos, seguros, que asseguravam quem não podia ter sido o pai…
Nem seria aquele que estaria mais bem posicionado pelas regras de sucessão hereditárias para vir a usar o título do tio: antes dele havia o filho do próprio, seu primo direito, designado por Napoleão II, que faleceu em 1832 e o seu próprio irmão mais velho, que tinha falecido em 1831. Em rigor, só com a morte dos irmãos de Napoleão, José, em 1844, e do seu pai Luís, em 1846, é que Luís Napoleão Bonaparte se tornou o titular indiscutível da herança napoleónica.
Mas a sua carreira política como líder político dos bonapartistas já havia começado em 1836. E a carreira política havia começado logo com uma tentativa de golpe de estado, incitando a insurreição da guarnição militar de Estrasburgo, cidade do Nordeste da França. Falhou e exilou-se. Em 1840, tentou repetir a façanha, mas em melhor, desta vez com a guarnição de Bolonha, cidade portuária que fica no Norte da França. Tornou a falhar, mas já não o deixaram exilar-se desta vez.
Foi preso, condenado a prisão perpétua, embora em condições confortáveis, que aproveitou para passar para livro os seus pensamentos políticos. Uma obra, intitulada Extinção do Pauperismo, adiciona até ao bonapartismo elementos de socialismo e de preocupação pelo bem-estar do povo. Após seis anos de estadia, rapou o seu bigode de marca, vestiu-se de operário (a prisão estava em obras) e evadiu-se saindo pela porta principal de cachimbo na boca e tábua ao ombro, exilando-se novamente.
Não fiquem dúvidas que havia muitos entre o povo francês que lhe apreciasse o empenho e este jeito para as encenações. Quando no Outono de 1848, depois da Revolução que depusera o rei Luís Filipe em Fevereiro desse ano, se realizaram eleições para a presidência da II República francesa, Luís Napoleão Bonaparte ganhou-as com uns esmagadores 5,5 milhões de votos (cerca de 75% da votação), numas eleições onde 20% dos cidadãos puderam votar (o que era uma participação inigualável para aquela época).
Mais do que a pessoa, há quem considere que o resultado esmagador do príncipe-presidente (como era conhecido, e por esta ordem, o que é em si um programa prenunciador do que estava para acontecer…) naquelas eleições, como o sufrágio de uma ideia de um passado glorioso da França. Que ele não demorou a explorar, porque aquele cargo de presidente era por quatro anos e não reelegível, demasiado curto para as ambições do príncipe-presidente.
Em 2 de Dezembro de 1851, a um ano do fim do mandato, o mais alto magistrado da República Francesa promoveu um Golpe de Estado... contra a sua própria República. Vale a pena citar um trecho da proclamação que na altura dirigiu às tropas, típico do seu estilo: Soldados! Conto convosco, não para violar a lei, mas para que se faça respeitar a primeira lei do país, a soberania nacional. Mas nela não se explica quem está a ameaçar a soberania nacional…
Sem perder o balanço (a 22 e 23 de Dezembro), organiza-se um plebiscito onde se pergunta ao eleitorado se ele queria manter no poder Luís Bonaparte e encarregá-lo de elaborar uma constituição? Entre os 8 milhões de eleitores, 7,5 milhões disseram que sim. Essa nova constituição já estava preparada: entrou em vigor logo em 14 de Janeiro de 1852 e será, com retoques, a mesma que estará em vigor durante o período do II Império.
Nela, Luís Napoleão Bonaparte recebia pessoalmente os poderes executivos e legislativos por um período de 10 anos. As assembleias (Assembleia Legislativa e Senado) ficavam sem nada para fazer, embora pudessem apresentar emendas à constituição. Foi assim que alguém lhes sugeriu que eles talvez pudessem propor que o Chefe de Estado se passasse a designar por Imperador, proposta que foi, naturalmente, muito bem acolhida em Novembro de 1852.
E em 2 de Dezembro de 1852 (a data tem o simbolismo da coroação de Napoleão I em 1804 e da sua vitória de Austerlitz, um ano depois), após mais um plebiscito (21 e 22 de Novembro) com os resultados esmagadores do costume, que a França se tornou num Império, com Napoleão III como seu imperador, sem que nada tivesse ocorrido em termos de expansão territorial ou populacional em França que justificasse esta nova designação…
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No fim, ainda podemos ler Luís Napoleão Bonaparte (agora como Napoleão III, Imperador dos franceses) no seu estilo inconfundível a comentar e sintetizar todos as manobras tortuosas que acabaram por o levar ao trono: Só saí da legalidade para regressar ao direito. Uma fórmula trapalhona mas simpática, típica do que um adolescente poderia designar por um grande tangas a tentar dar-nos música.
São episódios como este, quando a França teve a fraqueza de acreditar nas palavras de um adorável mentiroso e lhe permitiu erigir um regime que, mesmo assim, acabou por durar 18 anos, que tornam, para mim, a França num país simpático nas suas fraquezas... A alguém lhe está a ocorrer o nome de Pedro Santana Lopes?...
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