Muita controvérsia se gerou naquela altura sobre aquela resposta. Para além das interrogações sobre a oportunidade com que surgira a pergunta, a versão de Roosevelt manteve-se que a expressão apenas lhe ocorrera em consequência de um famoso episódio da história norte-americana em que um seu antecessor, U.S. (Ulysses Simpson) Grant*, enquanto general, assim respondera a um pedido de termos de rendição.
Ainda mais controvérsia se gerou posteriormente especialmente entre aqueles que se dedicaram a estudar a Segunda Guerra Mundial. Como poderia ela ter decorrido se a declaração de Roosevelt não tivesse empurrado Hitler e arrastado o resto da Alemanha para uma luta até ao fim. O que me parece uma deliciosa especulação histórica feita a partir de pressupostos completamente forjados.
Em primeiro lugar porque tudo indica que aquela expressão fora ensaiada para ser dita – daí a pergunta – e, mais do que isso, para ser espalhada Havia várias razões políticas naquela altura para isso. Em segundo lugar porque nem sequer foi cumprida: foram negociados termos quando a Itália se rendeu em Setembro de 1943. E, finalmente, porque a verdade é que fora decidido que, desta vez e ao contrário de 1918, o povo alemão ia ter que se sentir derrotado.
Muito se tem falado da participação e da mobilização das opiniões públicas nas guerras modernas. Entre as guerras da Antiguidade, apenas me lembro das narrativas das Guerras Púnicas entre Roma e Cartago em que aparece uma entidade parecida com uma opinião pública romana que se recusa a aceitar as derrotas militares e navais que Roma tinham sofrido e mobiliza novos meios materiais e humanos para a desforra.
O período Medieval e Moderno decorrem sem me lembrar de quem tenha descrito uma participação relevante de uma opinião pública numa guerra. A Revolução Francesa e o conceito de nação em armas acaba por o fazer, embora seja o episódio da Comuna de Paris de 1871 que mostre pela primeira vez uma opinião pública urbana que ganha uma expressão autónoma ao poder político instituído que, nesse caso, havia aceite a derrota frente à Alemanha.
O vigor demonstrado por aquela insurreição, ao arrepio da gramática convencionada para os conflitos até então, e embora tivesse sido inconsequente do ponto de vista militar, pode ter sido determinante para o comportamento posterior assumido pelos vencedores alemães. E pode ter sido também determinante para o comportamento cauteloso assumido por sua vez pelos vencedores franceses, quando as fortunas da guerra mudaram, em 1918.
A verdade crua é que, vista com o distanciamento de Washington em 1943, a opinião pública alemã acabara por ter sido tão mal castigada em 1918 que nem sentira como sua a derrota da Primeira Guerra Mundial a não ser que ela fosse explicada por traições, como Hitler clamava. E mais importante do que o seu discurso, eram as concordâncias que, quanto a esse ponto (o da traição de 1918), Hitler recolhera junto das multidões alemãs.
Uma geração depois, a América ia gastar mais uma vez os seus imensos recursos humanos e materiais para atravessar o Atlântico e ir repor os equilíbrios europeus de acordo com as suas conveniências. Ao menos desta vez que as coisas ficassem bem feitas, a ponto de os alemães perderem quaisquer ilusões, deviam ter sido os pensamentos de Roosevelt em Casablanca, pensamentos que um presidente não pode traduzir em voz alta...
* US é simultaneamente a sigla do nome de Grant, e das expressões em inglês para rendição incondicional (Unconditional Surrender) e Estados Unidos (United States).
Excelente post (como, aliás, é habitual)!
ResponderEliminarSaber enciclopédico é uma coisa. Conhecer os meandros da História, ser capaz de ir buscar ideias e factos, ligá-los, encontrar-lhes o fio condutor,o denominador comum, captar o que é essencial e comparável, isso é outra coisa, esse é o talento.
ResponderEliminarAh, este Herdeiro! Só lhe falta admitir que Jean Gabin é o mais perfeito Maigret, para ser ele próprio quase perfeito...
Agradeço-vos os cumprimentos Sofia e Paciente mas há que reconhecer que raramente se está próximo da perfeição. Nem mesmo Jean Richard...
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