12 setembro 2018

COMPREENDER O QUE É TER-SE SIDO CHARLIE

J.K. Rowling é uma escritora de imaginação prodigiosa e autora de uma saga de livros infantis que a tornou famosa mundialmente. Mas isso só a tornou famosa, não lhe deu particular discernimento. Um dos problemas das redes sociais é o de dar-nos a possibilidade de constatarmos directamente que as pessoas famosas são pessoas estupidamente normais. A mesma J.K. Rowling que em Janeiro de 2015 tweetava a sua simpatia pela causa do Charlie Hebdo e os seus cartoons (acima) é agora recuperada como protagonista das críticas a um outro cartoon recente mostrando a tenista Serena Williams a ter um ataque de fúria, por causa de um conteúdo que é considerado por ela racista e sexista (abaixo). A questão de tantos terem querido ser Charlie em 2015 parece-me ter tido a ver com a liberdade de expressão dos desenhadores e com a ferocidade como essa liberdade foi atacada.
Além do episódio em concreto do ataque às instalações do jornal, que tanta comoção provocou, coexistia o principio filosófico da liberdade de expressão, mesmo quando, ou sobretudo(!) quando essa liberdade criadora pudesse interferir com sensibilidades alheias. Reconheça-se que as sensibilidades incomodadas que agora se manifestam não o fazem com a mesma violência que espoletou o episódio do Charlie Hebdo. Porém, alguma coisa a reacção terá tido de excessivo em volume e veemência para que o desagrado com um mero cartoon, ainda por cima publicado num jornal australiano, se tenha transformado numa notícia transversal ao noticiário mundial. E, se fui buscar este exemplo de J.K. Rowling, não é apenas pela proeminência da escritora, mas por a considerar emblemática, pela minha desconfiança que, abstraídos da contradição essencial, entre os mais empenhados críticos do alegado racismo e sexismo do cartoon abaixo se contarão muitos dos que outrora também se contaram entre os que mais empenhadamente foram «Je Suis Charlie».

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