24 abril 2020

QUANDO AS NOTÍCIAS SÃO IMPORTANTES...

24 de Abril de 1990. Ofuscada pela profusão de notícias que dão conta das cerimónias domésticas a ter lugar no dia seguinte, a discreta notícia de primeira página acima do Diário de Lisboa, dá conta que a Alemanha Ocidental, «o governo de Bona concordou em converter a moeda alemã oriental em marcos alemães ocidentais, à taxa de câmbio de um-para-um.» Contudo, devido às circunstâncias da paginação, o desenvolvimento da notícia teve que ser remetido lá para o interior na página 10, mas não sem deixar vincado previamente, porventura consequência da inércia das simpatias ideológicas, que se tratara de uma cedência «a pressões da República Democrática Alemã». Na verdade, e como os acontecimentos viriam comprovar, a "linha das trincheiras" passava por dentro do próprio governo da Alemanha Federal, em que a fracção política, encabeçada pelo próprio chanceler Helmut Kohl se confrontava com a fracção técnica da economia e finanças que contrariava a ideia de sobrevalorizar de maneira tão excessiva a divisa da antiga Alemanha comunista. Fora a fracção de Helmut Kohl que triunfara e o tempo encarregar-se-ia de demonstrar que, ao contrário das ilusões de quem escrevia estas coisas socialisto-líricas no Diário de Lisboa, a capacidade de pressionar os acontecimentos dos governantes este-alemães era, naquela altura, assaz diminuta.
Mas o que na altura não se sabia é o quanto a consequência desta decisão iria ficar registada para a posterioridade. Comprovava-se que na Alemanha nem todos são assim tão quadrados e que há quem possa pensar para além das regras rígidas das finanças. Desde este momento e quando há crises na União Europeia e os alemães se recusam a negociar certo tipo de soluções, tornou-se evidente que os alemães não as aceitam porque não querem transigir, e não porque não as conseguem compreender, como havia sido a sua linha de argumentação do passado. Atente-se, para exemplo, neste caso mais recente da sua recusa obstinada na mutualização da dívida dos países do Euro. Trata-se de uma decisão política e não se deve ao facto dos alemães serem financeiramente muito rigorosos. Há trinta anos não o foram...

8 comentários:

  1. Mas esta decisão foi um desastre econômico para o leste da Alemanha. Conduziu a actual clivagem econômica vincada na alenta entre leste e oeste do país. O tecido produtivo do leste foi obliterado com o adopter de um marco demasiado valorizado. Alimenta a nostalgia que eles experimentam com a RDA e o apoio político ao partido AfD e primos... só e sustentado graças a aenormes transferências federais de fundos das regiões ricas do oeste para o leste. Semelhante de resto aquilo que se passa com o norte e sul da Itália.
    O crux da questão eu rodeia e que Alemanha não só não muda a sua posição na questão da valorização monetária e também nem sequer admite as transferências que pratica internamente e que lhe aguentam a coesão territorial. Obviamente que a UÉ fica assim condenada a desagregação. Quase sucedeu em 2012. Aguentou para grande surpresa minha só porque houve grande. Vontade política para sustentar o insustentável. Veremos o que sucede agora, desta vez não arrisco predições catastrofista mas as hipóteses parecem-me piores que em 2012.

    ResponderEliminar
  2. Desculpar-me-á Lowlander, mas aquilo de que fala no primeiro parágrafo do seu comentário e aquilo a que me refiro no meu poste são, em meu entender, dois aspectos distintos.

    A estrutura produtiva da Alemanha Oriental estava desadaptada para a competição com as suas concorrentes capitalistas como o estavam a de todos os países do Leste nos princípios da década de 90. Não foi apenas a economia Leste-alemã que colapsou nos anos seguintes, foi também a polaca, a checa, a húngara, etc. E em qualquer destes últimos países não se pôs o problema opcional do câmbio das suas moedas. O problema económico de economias obsoletas detecta-se a prazo e a questão cambial pode, quanto muito, acentuar e precipitar, ou diluir e atrasar a expressão dessa obsolescência.

    Aliás, não imagino a fracção política que, em 1990, era contra a paridade dos marcos dos dois lados e contra Kohl, ter essa opinião por estar muito "preocupada" com a sobrevivência da indústria e da agricultura do Leste.

    A questão, na minha opinião, e tal qual se punha em 1990, era do âmbito estritamente financeiro (e não económico) e consistia em contabilizar que responsabilidades a Alemanha Federal se dispunha a assumir numa futura Alemanha reunificada. Não apenas os salários dos "ossies", mas também as prestações sociais em vigor naquela parte da Alemanha, que representariam no futuro pesos distintos conforme a cotação que se desse ao Marco oriental.

    Havia quem quisesse fazer o negócio mais "baratinho", mas o custo político da medida, na perspectiva de Kohl que foi a que prevaleceu, seria qualificar à partida os alemães do Leste ("ossies") como alemães de segunda. Acessoriamente, como seria de prever e aspecto não despiciendo, a decisão deu a Kohl uma enorme popularidade no Leste.

    ResponderEliminar
  3. Mas concordo substancialmente com o que escreve no segundo parágrafo, Lowlander. Não tem é nada a ver com a primeira parte.

    Há trinta anos que se deu a reunificação alemã e o contraste entre as duas antigas partes foi muito pouco atenuado. Nesse aspecto, só se pode levar à conta de paródia as repetidas insistências de Wolfgang Schäuble para que os «todos os países da Europa» procedessem «reformas estruturais para assegurar que a Europa seja mais competitiva», sem que ninguém o confrontasse com a pergunta óbvia: porque é que as reformas estruturais não funcionam na região Leste do seu próprio país?

    ResponderEliminar
  4. Caro A.Teixeira,
    Sobre o que se passou no bloco leste nos anos 90, a caixa de comentarios e simplesmente inadequada para dizer tudo que se deveria dizer.
    Mas tentarei fazer notar, no entanto, que todos esses paises depois do colapso da URSS foram "intervencionados" pelo FMI. Ora o FMI e uma instituicao spectacular e respeitadissima... porem, eu na minha pobre e miseravel existencia nunca vi um unico exemplo de uma unica economia que se tornasse um "su-sexo" ou, va la, pelo menos minimanete sustentavel e functional seguindo as "receitas economicas" que eles preconizam nestas alturas de crise. Da America Latina, a Africa, da Europa de Leste aos PIIGS...

    O tecido industrial criado pelo regime sovietico era deficiente nos anos 90? Entao e o tecido industrial europeu ou japones no final no final dos anos 40? Ou, ja agora, o tecido industrial chines no inicio dos anos 90?
    A economia nao e uma ciencia natural, por muito que os sacerdotes modernos da disciplina o proclamem, aquilo e um artefacto humano, em certa medida tem muito mais a ver com o funcionamento do motor de um automovel que os movimentos celestiais dos planetas - alias o nome correcto da disciplina e: economia politica.
    Quero com este arrazoado dizer que economia politica nao ha inevitabilidades. Senao, de resto, a UE ja tinha colapsado ha muito tempo...

    ResponderEliminar
  5. Dito isto tudo, o A.Teixeira tem razao quando diz que o meu primeiro paragrafo foca-se num tema que em rigor nao era sua intencao focar no corpo do seu texto.
    Mas as conversas sao como cerejas.
    Alem de que e fundamentalmente incorrecto tentar distinguir demasiado vincadamente como frequentemente se tenta fazer "politica" e "economia". A politica e que e a rainha das disciplinas de conhecimento sociais, a economia politica, uma mera sub-disciplina.

    ResponderEliminar
  6. Caro Lowlander,

    uma boa maneira de manter estas conversas compatíveis com uma caixa de comentários é não nos dispersarmos no tratamento do tema. No caso, em 1990, o governo de Helmut Kohl decidiu valorizar os activos na posse dos 16 milhões de novos cidadãos alemães de uma maneira assaz generosa. E é isso.

    ResponderEliminar