3 de Março de 1919. Através do jornal Die Rote Fahne (A Bandeira Vermelha) do KPD (Partido Comunista da Alemanha), em nome dos comités operários de Berlim, proclama-se a Greve Geral:
«Trabalhadores! Proletários! Mais uma vez chegou a Hora! Mais uma vez a Morte ameaça! O Governo "socialista" de Ebert-Scheidemann-Noske tornou-se no carrasco do Proletariado alemão... Em qualquer local que o proletariado controle, Noske envia os seus cães de fila. Berlim, Bremen, Wilhelmshaven, Cuxhaven, Gotha, Erfurt, Halle - essas são os pregos sangrentos da cruz na cruzada de Noske contra o Proletariado alemão. Milhares de irmãos estão a ser maltratados, jogados nas cadeias, assassinados - abatidos como se se tratasse de cães raivosos! Lembrem-se de Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht. Os assassinos saem em liberdade protegidos por Ebert-Scheidemann-Noske enquanto os vossos camaradas apodrecem na prisão.
A Revolução só pode avançar passando por cima das sepulturas da maioria Social Democrata.
Pela Greve Geral!
Pela nova Luta Revolucionária!
Pela nova batalha contra os opressores!
Que cesse todo o trabalho! Permaneçam quietos nas fábricas. Não deixem que as tropas as ocupem. Reúnam-se em assembleias. Expliquem as coisas aos camaradas hesitantes ou derrotistas. Não se envolvam em tiroteios inúteis. Noske está apenas à espera disso para ter um pretexto para derramar mais sangue. Agrupem-se nos vossos locais de trabalhos, prontos para a acção às primeiras ordens.
A mais elevada disciplina!
A mais elevada discrição!
Uma Calma de Ferro!
Mas também uma Vontade de Ferro!
Trabalhadores! Proletários! O destino do Mundo está nas vossas mãos! Abaixo com Ebert, Scheidemann, Noske e todos os traidores e assassinos. Abaixo com a Assembleia Nacional (constituinte)! Para a Batalha! Para a Greve Geral!»
Apesar dos cem anos transcorridos, reconhece-se no texto a retórica comunista típica de sempre, mas sublinhei passagens significativas dos tempos que se viviam na Alemanha (não imagino Ana Avoila, por exemplo, a recomendar aos funcionários públicos portugueses que não se envolvam em tiroteios inúteis ...). Depois de uma primeira insurreição em Janeiro de 1919, lançada imediatamente antes das eleições para a Assembleia Constituinte, e que lhes haviam custado a vida aos seus dois dirigentes teóricos de maior envergadura (Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht, expressamente mencionados no apelo acima), os comunistas alemães voltavam à carga com uma nova acção insurrecional, cujos contornos eles pretendiam limitar nas fronteiras para cá da violência armada, território que já haviam aprendido que lhes era desfavorável. Era ao governo - social democrata, frise-se, que os odiados Ebert, Scheidemann e Noske do editorial acima são todos políticos social democratas - era a esse governo (também de esquerda) que convinha precipitar os acontecimentos. E eles precipitaram-se dia 9 de Março, com o rumor de que uma das esquadras de polícia de Berlim havia sido assaltada pelos revolucionários, causando 70 mortos. Era um boato, mas era o boato necessário para que, mais do que o exército regular, os elementos paramilitares dos Freikorps (veteranos de guerra acabados de desmobilizar e que, vendo-se sem emprego, regressavam às fileiras) passassem ao ataque. Quando a situação foi dada como controlada, a 13 de Março de 1919, 1.200 a 1.500 pessoas haviam morrido e uma esmagadora maioria dos mortos havia resultado de execuções sumárias. Por exemplo, não é garantido que o prisioneiro da fotografia acima haja sobrevivido muito tempo depois dela. Estes são os episódios da Alemanha de há cem anos, vários anos antes da ascensão de Adolf Hitler ao poder. Quem os desconhece nunca compreenderá verdadeiramente como germinou a ascensão do nazismo, de que Hitler é apenas o expoente.
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