![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhw_e6hToWhKfIMrx7PUSx8WyPYb-vJrpnnpfIVPCRjEs3WzY6ZzgsGZ1Bo1xT0g92Nu4m1Ew7D1hO7J5aL0f1gDjucQH002ENgeAydHR93qc8_tbXIQl37psLUwCkLeqSQ0Dp2/s280/Babushka.jpg)
Ainda a propósito da enorme epopeia que foi a vitória dos soviéticos contra os alemães na Frente Leste durante a Segunda Guerra Mundial, ocorreu-me a oportunidade de aqui contar, naturalmente de uma forma muito reduzida, a história do
Cerco de Leninegrado, um cerco a que os alemães submeteram deliberadamente a cidade durante quase 900 dias (mapa abaixo), com a intenção confessa de a vergar pela fome, nunca de a capturar.
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A História do
Cerco de Leninegrado é uma história que, para efeitos de propaganda, teria um conteúdo tão ou ainda mais épico quanto a muito mais conhecida história da
Batalha de Stalinegrado, tanto mais que incluiria todos aqueles pequenos episódios de heroísmo do cidadão comum
(*), ao contrário do puro embate militar que ocorreu em Stalinegrado, cidade de onde a população civil fora previamente evacuada.
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Mas, por se tratar de Leninegrado, a grande rival de Moscovo, há muitas partes da história do seu cerco que precisaram de ser retocadas. Leninegrado, então chamada Petrogrado, é que fora o local da
Revolução de Outubro de 1917 que levara os bolcheviques ao poder. Mas estes decidiram transferir a capital da União para Moscovo em 1918 e começaram a partir daí a pagar o
preço dessa decisão com a antipatia dos seus cidadãos.
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A partir da década de 1920, a mais cosmopolita, desenvolvida, sofisticada e rebaptizada Leninegrado (1924) assumiu-se como uma espécie de sede da
oposição ao poder central (tanto quanto se pode ser
oposição com
tanta democracia e liberdade…). A cidade era a base de poder de
Grigori Zinoviev (1883-1936, acima), um dos rivais de Staline para a sucessão de Lenine. Zinoviev veio a ser substituído por
Sergei Kirov (1886-1934, abaixo).
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Kirov foi assassinado em circunstâncias misteriosas em 1934, sendo o acontecimento o
detonador das célebres purgas que devastaram o aparelho do Partido Comunista durante os cinco anos seguintes. Alega-se que Staline estaria implicado no assassinato de Kirov em quem ele veria um potencial rival
(**). O seu sucessor a dirigir Leninegrado,
Andrei Zhdanov (1896-1948, abaixo), pertencia já à
nova geração bolchevique, fiel à Staline.
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Se o lugar de Zhdanov nunca pareceu invejável, tornou-se ainda menos em Setembro de 1941, quando a cidade se viu cercada pelos exércitos alemães (abaixo), dispostos a levar os seu habitantes à
inanição. Como estava a acontecer por toda a União Soviética a falta de preparação das autoridades para as contingências da Guerra revelou-se: as reservas alimentares da cidade, concentradas todas num só local,
foram o primeiro alvo da aviação alemã…
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Mas, apesar de cercada, Leninegrado não estava isolada do resto da União Soviética e podia ser reabastecida através de um complicado e acidentado circuito logístico que atravessava o
Lago Ladoga, cujas costas ainda eram parcialmente controladas pelos soviéticos (mapa abaixo). Embora as prioridades logísticas fossem naturalmente as militares, o grande problema da cidade desde o princípio foi o abastecimento alimentar.
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No primeiro Inverno do cerco, o de 1941-42, o racionamento para cada habitante não qualificado de Leninegrado – dependentes e trabalhadores não fabris – chegou a baixar para os 125 gramas de pão diários. Enquanto isso, o circuito logístico pelo Lago Ladoga (que entretanto gelara) passou a ser feito em camiões (abaixo). Mesmo assim, tomando em atenção as prioridades militares, o volume de tráfego continuava a ser insuficiente...
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Na cidade cercada, tanto a morte como os mortos, a maioria dos quais devido à inanição, tornaram-se uma fatalidade e uma banalidade (abaixo). Com aquele
seu particular gosto pelas estatísticas as autoridades soviéticas registaram 96.694 mortes no mês de Janeiro e 96.072 no de Fevereiro de 1942. Mas, com a sociedade abeirando-se de um colapso, certamente que nem todos os óbitos eram devidamente reportados.
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Algo que afectou perniciosamente a moral dos cidadãos foi a percepção de haver um tratamento injustamente preferencial dado aos quadros do Partido ou da Administração ou aos membros dos serviços de segurança (KGB), àquilo que várias décadas mais tarde veio a ser designado pelo nome colectivo de
Nomenklatura… Mas refira-se que esta censura popular nunca incidiu sobre os militares, mais bem abastecidos que a população.
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O cerco veio a ser levantado a 27 de Janeiro de 1944 tendo durado precisamente 872 dias. Contudo, a situação alimentar da cidade, mercê de um aperfeiçoamento contínuo dos circuitos logísticos e da produção própria de alimentos nunca mais voltou a ser tão desesperada como no primeiro Inverno. Mas dentro desta história com um final, apesar de tudo, feliz, vale a pena contar ainda outra, menor, que começa em Dezembro de 1941.
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Em 24 de Dezembro foram descobertos vários panfletos contestatários escritos à mão numa das estações ferroviárias de Leninegrado. Quem os escrevera intitulava-se
O Rebelde:
Cidadãos abaixo um regime que nos deixa a morrer à fome. Estamos a ser roubados por canalhas que nos enganam, que guardam a comida e nos deixam passar fome. Devemos agir. Exijamos mais pão às autoridades distritais. Abaixo estes líderes!
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No seguimento do incidente o KGB colocou a estação sob vigilância e começou a patrulhar os arredores. Entretanto, a escrita de 18.000 ferroviários foi comparada com a dos panfletos. Não se encontrou nada. Dali a nove meses uma carta anónima endereçada a Zhdanov queixando-se da distribuição de comida foi interceptada. A letra era a do
Rebelde. Da identificação das especificidades do envelope resultou que mais 1.023 autores de cartas e suas famílias fossem interrogadas pelo KGB. Não encontraram o
Rebelde.
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O
Rebelde continuou mandando cartas e o KGB investigando
pistas que podiam levar a ele: foi a escrita de 13.000 habitantes de dois distritos da cidade, foram 27.860 registos militares, foi a escrita de 5.732 empregados de algumas fábricas seleccionadas, até que, em 12 de Dezembro de 1943, a mês e meio do fim do cerco, chegaram a um operário metalúrgico de 50 anos chamado Sergei Luzhkov que, confrontado, confessou ser o
Rebelde. Agira sozinho.
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Como escreveria o António Vilarigues:
Pensem nisto. Constate-se a dimensão dos recursos que, numa cidade sitiada e esfomeada, foram dedicados à investigação das actividades de alguém cuja actividade sediciosa não passava de escrever panfletos contestatários e mandar cartas insolentes aos responsáveis políticos. Não concebo explicações
entre o filosófico e o rebuscado nem jogos de semântica para que
aquilo se assemelhe sequer
a democracia ou a liberdade...
(*) Que os britânicos usaram com os bombardeamentos (a blitz) das suas cidades, por exemplo.
(**) Nunca se encontraram provas que suportassem essa alegação. No entanto, existem-nas a comprovar o incómodo que a popularidade de Kirov causava em Staline.
A censura foi sempre um grande aliado das ditaduras - tanto na nossa como na soviética.
ResponderEliminarQuanto à fundação de "Leninegrado", quando Pedro grande a fundou foi a capital marítima, liberal, mercantil, expansionista, face à obscura e continental Moscovo.
É natural que as coisas não mudassem assim tanto.
Por momentos ainda pensei que São Petersburgo (até por ser mais pequena) voltasse a ser capital da Rússia.
Francamente são estas pequenas/grandes histórias da História que eu gosto de aqui vir ler. Está espectacular.
ResponderEliminarE, francamente, concordo contigo, não há jogos de semântica, que consigam disfarçar o que aquilo era de facto. Uma ditadura cruel.
Eu já suspeitava que irias gostar destas pequenas histórias intimas dentro dos grandes acontecimentos, Donagata.
ResponderEliminarAchas que vale a pena continuar a contar a hístória de Zhdanov e dos seus acólitos?
É que vai acabar mal. Aliás, as histórias no tempo de Estaline tendiam a acabar sempre mal...
Como cantava o Sérgio Godinho: "Uns acabaram de maca e outros ainda mais deitados, o coveiro que o diga..."
Excelente post, mais uma vez, e sim, eu gostaria de saber o resto da história de "Zhdanov e dos seus acólitos".
ResponderEliminarE claro, tal como a Sofia não só acho que vale a pena contares a história de Zhdanov e dos seus acólitos, como ficaria muito defraudada se o não fizesses.
ResponderEliminarE tu não me queres ver defraudada, pois não?
Se acabaram ainda mais deitados é porque estavam todos sobre um campo minado.Com "minas" que eles criteriosamente colocavam. Azar o deles!
Já estás menos defraudada, Donagata?
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