03 julho 2021

A NOTÍCIA DO QUE SE VIRIA A REVELAR UM MAU NEGÓCIO

3 de Julho de 1981. A primeira página da edição desse dia o Diário de Lisboa dava conta da intenção da Força Aérea Portuguesa de comprar aviões de combate A7 Corsair aos Estados Unidos. A clarividência dos vinte anos que se seguiriam irá demonstrar que se tratara de um muito mau negócio. Convém explicar que, como tradicional, o dinheiro que Portugal possuía à época para comprar novo equipamento militar eram as verbas que os Estados Unidos pagavam pela utilização da base das Lajes, e que os americanos estavam prestimosamente disponíveis para trocar por equipamento militar. A escolha do equipamento cingia-se por isso, a material daquela origem. O avião desejado pelos portugueses para substituir o venerável F-86 era o F-5E Tiger II, porém, como eram os americanos os donos do jogo, o dinheiro era deles e eram também eles a fixarem os preços dos produtos, assistiu-se a uma espécie de jogo da vermelhinha em que os americanos acabaram por nos impingir aquilo que, como se percebeu depois, nos queriam impingir desde o princípio*. Sem entrar em explicações muito detalhadas quanto às diferenças entre o F-5E Tiger II desejado pelos portugueses e o A7 Corsair que os americanos lhes venderam, vale a pena esclarecer que, enquanto o primeiro esteve em utilização em mais de 30 países para além dos Estados Unidos, o segundo só foi exportado para mais 3. A cerimónia oficial da entrega do primeiro lote de aparelhos teve lugar em 18 de Agosto de 1981 nos Estados Unidos. Os primeiros aparelhos só chegaram a Portugal em Dezembro desse ano. Por muito que as publicações oficiais da Força Aérea o tentem disfarçar, por muito interessantes que sejam as fotografias promocionais (abaixo), impõe-se concluir que a prestação operacional do A7 Corsair foi um fiasco. Um primeiro indício disso é o facto de, numa instituição (FAP) reputada de, por escassez de meios, fazer render ao máximo os que dispõe, os A7 só estiveram ao serviço por 18 anos (1981-1999). Os problemas de substituições de peças começaram a multiplicar-se, aviões começaram a ser sacrificados para fornecerem peças para os outros, uma operação conhecida por canibalização. Mas, mais objectiva é a taxa de acidentes ocorridos nesses 18 anos de serviço: 16 em 50 aviões, ou seja 32%, foram destruídos. (Assinale-se, para comparação, que na Luftwaffe os F-104 Starfighter tiveram uma taxa idêntica e, por causa disso, foram crismados de «fazedores de viúvas») Mas de todo o episódio ganhou-se contudo, entre os militares portugueses, a percepção que os americanos também podem ser uns perfeitos vigaristas quando se trata de impingir o seu armamento. Ele há negócios que parecem umas pechinchas e que vêm a revelar-se caríssimos.     
* A primeira proposta era para a aquisição de 20 F-5E Tiger II, por um preço total de 120 milhões de dólares. Porém, como o saldo a favor de Portugal por conta da utilização das Lajes era apenas de 72 milhões, isso implicaria a contracção de um empréstimo de 48 milhões. Outra proposta, mais moderada, era a da aquisição de um mínimo de 12 F-5E Tiger II mas, ainda assim, o preço - 79 milhões - ainda ultrapassaria o saldo. Mais em conta, adiantavam os americanos, havia uma terceira proposta, a dos portugueses comprarem 30 A7 Corsair por apenas 49 milhões. É verdade que os A7 não possuíam as capacidades de intercepção e as características originalmente desejadas pelos portugueses, mas estavam a um preço tão interessante que lhes ainda sobravam verbas para reconfigurar tecnologicamente os aparelhos... No final, os portugueses acabaram por ficar com 50 A7 Corsair.

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