Uma das nossas deficiências colectivas é a de não exigirmos responsabilidades até ao fim às pessoas que se enganam, erram, cometem faltas. Há sempre quem venha dizer que é «chato», e eu acho que só é «chato» quando as pessoas visadas dão mostras de arrependimento. O que não me parece ser, de todo, o caso. A meio do mês passado eu tinha assinalado aqui no blogue o aparecimento de um «guru da coronahisteria» que, catapultado pelo Observador, e alicercado no seu estatuto de matemático, antecipara dois cenários de terror da propagação da infecção (um benigno, assinalado a verde no mapa acima, outro maligno, a vermelho). A história começava mal porque o «guru» em questão, começara a sua carreira de «guru» manifestando uma opinião radicalmente oposta, e aquilo que ele escrevia, mais do que os números, estava redigido com um vocabulário catastrofista. Em termos de jornalismo, porém, era um sucesso. Era uma das primeiras antecipações do que nos esperava e todos falavam do artigo; eu também. Dois dias depois, quando comentei o artigo aqui no Herdeiro de Aécio, já se percebia que as previsões não pareciam aderir lá muito à realidade, enquanto o seu autor, embriagado pela notoriedade súbita, não oferecia confiança. Mas o futuro iria tornar cristalino quem tinha razão. E tornou-o, como se pode apreciar no gráfico acima. Cinco dias depois da última previsão do modelos do matemático Jorge Buescu, os casos hoje reportados (11.278) estão muito abaixo dos mais de 16 mil que haviam sido estimados na sua versão benigna, isto para não falar dos 48 mil da versão maligna. Os seus modelos revelaram-se uma merda, a sua insistência em defendê-los com teorias da conspiração (estavam a sonegar dados ou então há um exército de infectados não contabilizados a polular por aí...) transformaram-no, ao autor, noutra (merda). Mas há ainda uma terceira merda em tudo isto: o Observador. O jornal devia ter feito aquilo que se esperaria: no fim do período, a 31 de Março, avaliar o resultado das previsões, para mais num jornal que se enche de fact checks e de gráficos numa rubrica intitulada "Como Portugal se compara com outros países no número de novos infectados". Há por lá muitos gráficos mas não o das previsões de Buescu e a sua comparação com a realidade. Esse (que publiquei acima) teve que ser feito cá em casa... Mas melhor que isso: não apenas o Observador não denunciou o bluff que ajudara a montar, como ainda por cima lhe foi fazer uma entrevista! Cinco dias é uma eternidade em jornalismo moderno, mas parece-me que ainda podemos ir a tempo de não ser «chato» e chamar pasquim a um pasquim, não será? (até fico com o coração derretido ao ler estes apelos...)
Pois, era bom que Buescu e o Observador comentassem os desvios entre os números reais e os da previsão. Mas isso era pedir honestidade intelectual, do primeiro, e jornalismo a sério, do segundo.
ResponderEliminarEste gajo já se enganou tantas vezes que qualquer dia ainda acerta nalguma coisa. publiquei o texto no face com a devida ressalva da autoria deste blog. Abraços.
ResponderEliminarO Buescu, e a sua dificuldade em compreender para que servem os modelos teóricos, é aquilo que se designa por um «cromo». E o Observador, e o seu desconforto quando a verdade desmente o que publica, é aquilo que se designa por «uma caderneta de cromos».
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