Num artigo hoje publicado em A Bola, Manuel Sérgio começou tipicamente por evocar quando há mais de quarenta anos encetou uma análise epistemológica do desporto que o levou, desenhando ainda tremulamente as palavras, pela consciência dos seus limites, ao seio das ciências hermenêutica-humanas. Na continuação percebe-se o quanto o imodesto autor daquelas frases de estilo tão personalizado acredita que Jorge Jesus lhe deverá pelo seu sucesso do momento… Mas, mais do que escrever daquela forma rebuscada e quase ininteligível, o que é interessante em Manuel Sérgio Vieira e Cunha, mais conhecido pelos dois primeiros nomes (...como José Sócrates), é que ele fala de forma convicta e tal qual como escreve. Quando se apresentou como cabeça de lista no círculo de Lisboa pelo Partido da Solidariedade Nacional (PSN) às eleições legislativas de 1991, a sua aparição televisiva nos tempos de antena do PSN (ainda só havia a RTP) tornou-se num inesperado fenómeno de popularidade comunicativa.
Mesmo no universo dos pequenos partidos, o partido era recente (1990), não parecia possuir quaisquer financiamentos especiais, a sofisticação do marketing promocional era mesmo risível (aprecie-se acima a imagem do candidato e o símbolo do partido), não gozava da simpatia mediática de um PSR de Francisco Louçã, nem dos pergaminhos históricos na política portuguesa de um MRPP de Garcia Pereira, mas os tempos de antena do PSN (onde quase só Manuel Sérgio aparecia e onde ele praticamente monologava) eram um verdadeiro sucesso. Havia quem dissesse maledicentemente que nem o próprio percebia o que dizia, mas era daquelas figuras a que se atribui o epíteto de comunicador, de onde o espectador sai embalado (...à semelhança do que viria a acontecer e ainda hoje acontece com Marcelo Rebelo de Sousa) e não tem dúvidas em elogiar a beleza do discurso, embora possa não ter compreendido nada do conteúdo.
No dia das eleições, o PSN e Manuel Sérgio receberam 96.000 votos, mais 50% do que o academismo brilhante do PSR e Francisco Louçã (64.000), mais 100% do que o militantismo arrogante do MRPP e Garcia Pereira (48.000) e, sobretudo, por causa do seu brilhantismo discursante (que os politólogos – que ainda não se chamavam assim – reputavam de penetrar muito eficazmente na classe dos reformados), Manuel Sérgio tornou-se o único deputado eleito naquelas eleições por uma dessas pequenas formações políticas. Mas, ao contrário da de Acácio Barreiros (1976-79), que pelos seus méritos transformara a existência do deputado da UDP num adereço bem-quisto da casa da Democracia portuguesa, o desempenho como parlamentar de Manuel Sérgio, malgrado os requintes na prosa e na oratória foi olvidável, pelo menos assim o consideraram os seus eleitores: nas eleições seguintes, em 1995, o PSN recebeu menos de 13.000 votos.
As duas lições de democracia de todo este episódio é que, numa primeira fase, os políticos que têm um discurso de que o povo realmente gosta (caso de Manuel Sérgio) não são propriamente aqueles que os jornalistas acham que o povo deve gostar (caso de Francisco Louçã); e numa segunda fase, esse mesmo povo também parece saber avaliar quanto esse mesmo discurso de grandes méritos estéticos e que tanto o seduzira à primeira vista se revela afinal inconsequente... Atendendo a que o artigo de Manuel Sérgio hoje publicado em A Bola é o 25º de uma série, os jornalistas é que parecem ser um pouco mais lerdos do que o povo nesta última avaliação.
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