30 outubro 2014

RACISMO NEGRO

Na Zâmbia, morreu o presidente Michael Sata (1937-2014), mas o que irá acontecer com a sua sucessão é, para além de exótico, uma demonstração inequívoca não apenas da existência daqueles cargos políticos simbólicos que estão destinados a serem ocupados pelos membros de minorias nacionais para melhor cosmética dos regimes, como sobretudo que, mesmo depois do fim do colonialismo, o racismo não precisou da sua existência para continuar a subsistir em África. Recorde-se que a Zâmbia é um país que completou recentemente (26 de Outubro) os 50 anos de independência. É um país sólido das suas instituições, um daqueles raros países africanos onde já se processaram alternâncias de poder por força da vontade popular expressa nas urnas. E onde é pacífico que no caso da morte do presidente em exercício, o vice-presidente – no caso, Guy Scott (1944), acima à esquerda – assume interinamente o cargo. E contudo, parece haver um preceito constitucional que impede Scott de concorrer às próximas eleições: porque os seus pais – não o próprio – eram de ascendência britânica e não nasceram na Zâmbia... Embrulhado na curiosidade de se tratar do primeiro caucasiano a presidir a um governo africano desde há vinte anos (depois do sul-africano F.W. de Klerk), a redacção das notícias a este respeito mostram uma condescendência para com esta descriminação que só pode atribuir-se a uma certa obtusidade quanto ao seu significado. Alguém já imaginou o que serão os comentários (justamente) ultrajados se António Costa não puder concorrer a primeiro-ministro por causa da ascendência goesa de um pai que não nasceu cá?

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