18 julho 2008

NELSON E WINNIE

Entre as mais variadas referências ao aniversário dos 90 anos de Nelson Mandela que encontrei espalhadas pela blogosfera, tenho de destacar a que consta do blogue O Tempo das Cerejas, talvez saudosista de outros tempos, talvez um pouco revisionista (mas no sentido mais neutral do termo), mas sobretudo por, em vez de conter uma fotografia recente, ser encimada por uma daquelas fotografias canónicas da cerimónia da libertação de Nelson Mandela em Fevereiro de 1990, onde se vê o próprio Nelson e a mulher Winnie de mãos dadas e punho cerrado, numa verdadeira estética de companheiros revolucionários, que suponho seja a gosto do autor. Se sim, são gostos e não se discutem...
Mas não deixa de ser irónico que, vigorasse na África do Sul o tal regime revolucionário que os tais punhos cerrados da fotografia parecem sugerir, e haveria uma séria possibilidade que as fotografias daquele acontecimento tivessem desaparecido ou então sofressem alguns retoques. Com o embaraçoso percurso subsequente de Winnie Mandela, envolvida num escândalo de homicídio em 1991, demitida do governo em 1995, divorciada de Nelson em 1996 e condenada por fraude em 2003, ela reúne todos os ingredientes para ser considerada como tendo caído em desgraça, tal qual aconteceu com Trotsky e Kamenev, que retocadamente desapareceram da companhia de Lenine na fotografia da direita, abaixo…

15 comentários:

  1. Se não não se importa, permito-me classificar este poste como despiciendo, o anterior chegava bem para assinalar o aniversário de Mandela.
    A "oportunidade" da deriva sobre a fotografia de Trotsky vai, cada vez mais, perdendo a "nitidez" e
    no que respeita a punhos cerrados, esquerdos ou direitos, estão sempre actuais, mas não havia necessidade...
    Até porque, poder-se-ia ter arranjado uma foto de um dos carrascos de Mandela, um tal John Vorster, ultra-branco, de braço estendido e palma da mão para baixo, a não ser que, também, as tenham apagado todas.
    Sempre a lê-lo com interesse, mesmo longe, concordando ou não.
    Bom fim de semana

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  2. Não considero o poste despiciendo porque quero chamar a atenção que, mesmo na celebração, há maneiras diferentes de "celebrar".

    Escolher uma fotografia velha de 18 anos é uma maneira de limitar Mandela a uma fase da sua vida.

    Ora, na minha opinião, o Mandela que hoje se homenageia é muito mais do que o prisioneiro de 27 anos do "apartheid", é também o presidente que, sem ter dado mostras de rancor, conduziu a transição da África do Sul para a liberdade e a democracia.

    E esse é um feito que não se costuma associar a punhos cerrados...

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  3. Ops! Esqueci-me do PS... Será que conta?...

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  4. Opiniões.
    Talvez conte se for flácido...

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  5. Eu já estava admirado, caro A. Teixeira. Qualquer foto, qualquer comentário que radique nas mesmas convicções em que radicou a luta de Mandela serviria para os seus ataques. Mas respeito a covicção com que o faz. Só me intriga a motivação, mas há-de ser forte.

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  6. Desculpar-me-á António Marques Pinto, mas terá de me explicar o que já o estava a admirar.

    Quanto à hipótese que me pareceu que levanta, a de que as convicções de Vítor Dias coincidirão com as de Nelson Mandela (embora escrito de uma forma mais redundante), ela parece-me um pouco remota...

    O ANC englobou o SACP mas é muito mais do que ele. E a África do Sul depois da chegada ao poder do ANC permaneceu um país capitalista...

    Terá sido Vítor Dias que se tornou mais pragmático, abandonou a defesa da via revolucionária para o socialismo e eu não dei por nada?

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  7. Naquilo a que eu me referia, a luta de Mandela radica na convicção de que é justo, é legítimo, quando necessário , usar da violência revolucionária para combater a violência dos poderes autoritários, isto é, impor a democracia contra a tirania ainda que seja necessário recorrer à força.

    Qualquer marxista reconhece isto, pelo que me permiti deduzir em relação ao Victor Dias. Mas não quero ser aqui intérprete do seu pensamento para além deste raciocínio lógico.

    E como a biografia de Mandela diz muito mais do que eu diria sobre o seu pensamento, dispenso-me de demonstrar que, no contexto específico da sua luta, o pensamento dele estaria bem mais próximo das correntes marxistas do que de quaisquer outras.

    Quanto ao “que me estava a admirar” era que há algum tempo o António Teixeira não usasse os temas dos seus “posts” como pretexto para invocar, por mais insólita que seja a relação, a má opinião que tem de tudo quanto represente pessoas, organizações ou expressões conotadas com as forças progressistas – no sentido em que os marxistas usam o termo.

    Que o António Teixeira visse até alguma coisa de maquiavélico na escolha que Victor Dias fez de uma foto histórica e manifestamente representativa de um momento chave na vida de Mandela, como só um ex-preso político poderá sentir, isso pareceu-me exagerado mesmo que respeite as suas convicções ideológicas.

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  8. Começo por lhe agradecer os esclarecimentos, António Marques Pinto. Assim ficou mais claro o que pretendia dizer com a frase. De certa forma, elogia-me ao classificar as relações que faço de insólitas. E a má opinião que acha que tenho de muitas práticas associadas aos comunistas (sinceramente, penso não ter qualquer cabimento a expressão progressista nos dias que correm) tem cura, se aqueles que se reconhecem comunistas se confrontarem seriamente com o seu passado. Mas, se não se importa, já lá volto.

    Na sua resposta, se me permite o comentário ao comentário, creio que sobrestima um autor (Marx), subestima outro (Maquiavel) e esquece-se de mencionar um terceiro (Lenine). Os conflitos sociais e nacionalistas e as revoluções existiram muito para além de Marx, que lhes descreveu um mecanismo de funcionamento. Agora, se estou bem lembrado, a questão da violência revolucionária é mais de Lenine. Acredito que Mandela possa ter professado ideias marxistas-leninistas durante a sua vida (até Mário Soares…), mas isso não parece ter-se notado nos momentos cruciais em que teve de tomar decisões.

    Em contrapartida, Maquiavel é do “clube” de Lenine, escreve sobre coisas bem concretas, nomeadamente sobre formas de conquistar e manter o poder. Considerasse eu o gesto de Vítor Dias maquiavélico e estaria a atribuir à selecção de uma fotografia consequências portentosas… Pelo contrário, trata-se de meras manobras comunicacionais (que suponho que ele tenha exercido profissionalmente no PCP, corrija-me se estiver enganado), mas que acho valer a pena serem analisadas pela parte dos conteúdos das notícias a que se quer dar destaque.

    Ali, na fotografia de 1990, o que causará empatia com as lutas revolucionárias do marxismo-leninismo é o aspecto do Mandela prisioneiro, vítima do regime opressivo do “apartheid”. Mas, como disse, o prestígio mundial de Mandela veio a consolidar-se muito mais depois disso, pela forma como exerceu o poder (1994-99). E aí, na faceta do exercício do poder, o marxismo-leninismo possui 72 anos de “experiência” (1917-89) que hoje parecem ser, infelizmente, um tema “tabu”.

    Como a Igreja que também tem um “Manifesto” lindo (a Bíblia), mas que também é julgada pelas práticas dos seus membros responsáveis (a inquisição, a simonia, o nepotismo, a pederastia,…), só por ingenuidade é que o Comunismo e os comunistas podem pensar que se “passar uma borracha” e esquecer o que foram as práticas dos responsáveis pela implantação de um modelo de sociedade marxista-leninista quando estiveram no poder. Sobre qualquer comunista que quiser discutir com um grau de profundidade para além das trivialidades essa História, por exemplo o grau de distorção social que permitiu a existência de fotografias como as que afixei no fim do poste, sobre ele, asseguro-lhe, não terei qualquer má opinião…

    PS – A discussão pode não ser sobre isso… Aqui estou eu a discordar frontalmente de si e, com toda a franqueza, tem sido um prazer fazê-lo.

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  9. Sobretudo depois de me ter dado a saber como se diz em russo: “Aprender, aprender, aprender sempre...”, de Lenine, é certo, não me atrevo a duvidar que conheça tão bem ou melhor que eu o pensamento expresso de Marx. Mas por isso mesmo estranho que o separe de Lenine a respeito do conceito e legitimidade da violência no tratamento teórico. Creio que Lenine não lhe perdoará (passe a ironia). Se Marx se ficou pela violência verbal e Lenine teve oportunidade e capacidade de protagonizar a revolução com bandeiras e com armas, essa julgo ser a sua questão.

    Um à parte: a sua expessão “práticas associadas aos comunistas” parece-me extremamente feliz porque junta mas não confunde o que são práticas com aquilo que são falsas acusações.

    Por estranho que possa parecer-lhe, também subscrevo a crítica à “dificuldade” que muitos comunistas têm de confrontarem algumas teses do passado com certas realidades conhecidas hoje. (Eu sei que estou a adaptar as suas palavras ao meu ponto de vista). E creia que aquela é uma questão central da minha militância extra-partidária de agora. Com efeito, não bastam umas frases tímidas e inconsequentes, perdidas no meio de uma conferência ou até de um congresso, para corrigir conceitos e práticas instalados e sistematicamente recuperados.

    Quanto à expressão “maquiavélico” que uso aqui no sentido corrente embora nem concorde que ele corresponda ao contexto de O Príncipe, e também quanto à transcendência das lutas sociais aquém e além de Marx – é obvio – dariam muito pano. Nos blogues parece-me mais adequado ir tratando estas coisas a retalho.

    Muito obrigado pelas palavras finais que retribuo sinceramente.

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  10. Só para rematar, convém esclarecê-lo que a citação em russo foi uma graça, uma "proeza" menor. Quem me dera que tivesse a fluência para ler Lenine no original...

    Se o fiz cair num erro, peço-lhe desculpa, e aí acho mais do que merecido que o blogue, o autor, os postes e as caixas de comentários sejam classificados por pomposos...

    Только истина заключается в революционных
    (Só a verdade é revolucionária)

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  11. Caro A.Teixeira,
    Factos e só factos:
    1. O ANC ENGLOBA o Partido Comunista da África do Sul;
    2. O Presidente do SACP foi eleito no último congresso do ANC seu secretário-geral;
    3. Vários membros da Comissão Política do SACP pertencem ao Comité Executivo do ANC;
    4. O mesmo se aplica a vários militantes do SACP dirigentes da COTASU (confederação sindical)e igualmente membros do Comité Executivo do ANC;
    5. Vários dirigentes do SACP são ministros e secretários de estado no governo da África do Sul;
    &. Por último, mas não menos importante, convém recordar que o sucessor designado de Nelson Mandela, Chris Hani, era o secretário-geral do Partido Comunista. Por isso mesmo foi assassinado em 1993...

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  12. Obviamente não é COTASU mas sim COSATU (Congress of South African Trade Unions)
    As minhas desculpas pelo erro.

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  13. Como acontece com o juramento das testemunhas nos tribunais de Direito Anglo-saxónico que juram dizer a Verdade, Toda a Verdade e nada mais que a Verdade, também aqui, além de Factos e só Factos, convém acrescentar, todos os Factos e nada mais que os Factos.

    Ora, se os outros 5 são Factos, o seu ponto 6 é uma especulação. Não o assassinato, mas as causas que aponta para o mesmo.

    De resto, Thabo Mbeki também é um antigo militante do SACP.

    O resto dos Factos, para serem aquilo que considero Todos os Factos estão no meu poste intitulado "MARX, ENGELS, LENIN, STALINE E… MANDELA?"

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  14. não quero polemizar, ainda para mais já uns dias depois, mas parece-me que V. não tem grande razão nisto: a foto que V. Dias coloca é basto significativa (até mais do que as actuais), o pós-libertação, não só pelos 28 anos mas porque simboliza o fim do apartheid (e, já agora, da guerra fria)
    e, como já foi referido aqui, a importância seja do PCRAS como do marxismo e da sua simbologia foi grande no ANC enquanto frente de libertação, que era a sua característica ideológica constituinte.
    A campanha de 94, que conduziu Mandela à presidencia, e a qual tive o enorme privilégio de assistir, era tambem polvilhada da simbologia marxista e da constante presença do PC. Já então se via as diferenças, até corporais, entre Mandela (e Mbeki) e outros dirigentes (como Winnie ou Ramaphosa)
    enfim, sem grandes detalhes, haverá bem melhor para pegar no blog do Vitor dias

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  15. Desculpe só agora lhe responder, JPT, mas estive de férias. E preferia fazê-lo contando a história de dois comerciantes que havia na minha vizinhança que se enganavam frequentemente com os trocos. A diferença é que os enganos do dono do quiosque de jornais eram ecléticos, tanto a seu favor como a favor do cliente, enquanto que os do dono do café eram sempre em prejuízo do cliente.

    O Vítor Dias, mais os textos que ele redige com aqueles exemplos históricos “casuais” que escolhe, fazem-me lembrar os enganos nos trocados do dono do café: são “casuais” mas o “acaso” calha sempre para o mesmo lado. E, como aconteceu com o Vítor Dias, também não devo ter escolhido o dia em que o dono do café me quis pregar a maior falcatrua com o troco para lhe chamar aldrabão.

    Dito isto, tenho de lhe dar razão no que escreveu quanto à iconografia do passado. Mas na substância, e nas consequências para a África do Sul capitalista actual, desculpar-me-á não considero estar a ser excessivamente exagerado quando equiparei num poste posterior o impacto ideológico da foice e o martelo como quase equivalente ao da roda dentada do Rotary Club…

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