15 novembro 2006

POR QUEM OS SINOS DOBRAM?

Foi por acaso que me deparei na SIC Notícias com um senhor que se apresenta como o representante das inúmeras empresas ligadas ao sector da saúde que têm convenções com o Estado para o tratamento dos doentes do SNS. E que ali estava para se queixar dos abusos da posição dominante do Estado que, unilateralmente, anunciou não ir proceder à actualização dos preços convencionados para o próximo ano.

Até aqui tudo bem, desenvolvia-se uma simpatia natural por mais uns a quem os tempos se anunciam difíceis. Mas depois seguiu-se a apresentação da sua argumentação que enveredou por um percurso não muito rigoroso. Assim, segundo ele, actualmente 96% desses cuidados de saúde eram prestados em regime de convenção, colmatando as carências das estruturas inexistentes do SNS, que o Estado não instalara.

Ora isso é uma inverdade (eufemismo na moda para mentira…) grosseira. Durante muitos anos foi do interesse de muitos agentes do SNS a existência de estruturas paralelas onde trabalhassem e onde pudessem complementar os vencimentos. A história da máquina de ressonância magnética do hospital que permanece por reparar meses a fio, enquanto a instalada na clínica (privada) da frente prospera, não é fruto da imaginação...

Portanto, por 30 anos, sempre foi do interesse de alguns cidadãos – e não do Estado… – preservar uns nichos de mercado (as análises clínicas, a hemodiálise, a imagiologia…) onde se constituíram e robusteceram algumas pequenas e confortáveis fortunas, que considero, apesar de tudo, completamente merecidas na maior parte dos casos, por resultarem da aplicação e do trabalho e não de mera especulação.

A minha simpatia por eles diminui, contudo, quando percebo que, por causa disso, nunca foi do seu interesse pessoal, enquanto agentes do SNS, que ele funcionasse com eficiência… Consola-me, e era um elemento de equilíbrio, a fragilidade da posição negocial de todas essas pequenas empresas que resulta do facto de terem apenas um grande (descomunal) cliente. Que não tem exercido os seus poderes despóticos. Mas as coisas parecem estar a mudar…

Que o Estado tenha denunciado unilateralmente um contrato – a grande queixa do referido representante na SIC Notícias – não parece coisa nova: as ditas reformas da segurança social não passam disso mesmo, para quem trabalha e estava a contar com determinadas condições materiais quando se aposentasse. Mas parece-me que o fenómeno da aparição do tal representante contém algo de genuinamente novo.

Em períodos difíceis e de austeridade, sempre aparecia a queixa que as medidas difíceis tocavam sempre aos mesmos. E, corroborando essa afirmação, parecia estar estabelecida uma espécie de rotina dos queixosos profissionais, com quem já estabelecemos uma certa cumplicidade acompanhada do efeito anestésico do seu discurso de lamúria, que já conhecemos de ginjeira.

Desta vez, algo parece diferente. Além dos tradicionais Carvalho da Silva e João Proença (que magnífico exercício de equilibrismo no último Congresso do PS!) e sucedâneos, é um bom sinal que venham aparecendo umas caras novas a queixarem-se à televisão… Pelo menos interpreto-o como um sinal que, para a resolução desta crise, está a tocar a mais gente do que é costume.

3 comentários:

  1. É uma observação justa e pertinente (como sempre), sinal de que alguma coisa está a mudar.
    Contudo, há certos traços de encenação para "épater le bourgeois", algo que sugere cosmmética mal disfarçada, por exemplo, na pretensa ofensiva contra o IRC da Banca.
    Seria bom que o socrático Primeiro nos explicasse por que razão antes dele e no presente os bancos (que fazem milhões de lucro) beneficiam de um regime de favor?

    Também seria bom que alguém explicasse por que razão as empresas que oferecem seguros de saúde recusam pessoas com mais de 60 anos? Será legal? Ético não é, mas será, ao menos, legal?
    Quem sabe responder?

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  2. Sinal reforçado que aparecem mais caras novas nas entrevistas queixosas é o caso de Maria Antónia Palla (ver em http://defenderoquadrado.blogspot.com), com a presidente do sindicato dos jornalistas a queixar-se do fim do financiamento público dos subsistemas de base profissional para cuidados de saúde, como o que existe para os jornalistas, previsto para 2007. É uma bela ocasião para verificar a compreensão e a solidariedade da classe para com os sacrifícios que nos tocam a todos mas, a atender pelo exemplo da presidente descrito naquele blogue, começou mal…

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  3. Para mim, a crise é sempre a mesma… Só mudam os politicos!!!

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