25 novembro 2006

KONSTANTIN ROKOSSOVSKY, O MARECHAL RUSSO DE NOME POLACO

É curioso como às vezes são as autocracias que se podem permitir gestos de generosidade ou tolerância, permitindo-se a liberdade de romper com as convenções, para com elementos de valor, mas de grupos desfavorecidos, que não estariam destinados a ocupar os postos de destaque que vieram de facto a ocupar, se não houvesse o tal poder despótico que os promovesse.

Por exemplo, Mehmed Koprulu (1575 ou 78 ou 83-1661), que nasceu pobre na Albânia e foi recrutado à força, enquanto jovem, para servir como janízaro na guarda do Sultão turco, ali fez carreira até chegar a ser o Grão-Vizir – uma espécie de primeiro-ministro – (1656-1661) todo poderoso do Sultão otomano Mehmed IV, numa espécie de reedição oriental do quase contemporâneo cardeal Richelieu da França.

Entre nós e mais próximo no tempo, embora numa escala mais modesta, só o poder absoluto de Salazar em 1936 pode explicar a ascensão de um capitão do exército de 37 anos (Fernando Santos Costa) às responsabilidades da implementação da grande reforma das Forças Armadas – embora com o título discreto de subsecretário de estado – numa sociedade pouco propensa a precocidades desse género.

E, na União Soviética, mais ninguém, à excepção do próprio Staline, se atreveria a dar publicamente mostras de desagrado chauvinista por um dos três maiores comandantes militares das unidades do Exército Vermelho que, em finais de 1944, se preparavam para conquistar Berlim e concretizar a vitória soviética ter o nome distintivamente polaco – embora russificado – de Rokossovsky.

As primeiras dúvidas colocam-se logo sobre as origens de Rokossovsky – ou melhor, Rokossowski, na forma polaca do nome que era o de origem de seu pai. E dividem-se as opiniões quanto ao local de nascimento, Varsóvia ou Velikie Luki, na província de Pskov (Rússia), e quanto à origem social da família, um funcionário dos caminhos-de-ferro ou um pequeno proprietário rural, ramo menor de uma família abastada.

Não há dúvidas quanto à data de nascimento, 21 de Dezembro de 1896 (é 19 dias mais novo que Zhukov e um ano e 7 dias mais velho que Koniev, os outros dois grandes Marechais), nem que, a ter nascido na Rússia, era muito novo quando a família se mudou para os arredores de Varsóvia: apesar de bilingue (admite-se que a sua mãe fosse russa), o seu russo sempre manteve uma acentuada entoação polaca.

Mas é preciso não nos esquecermos que, durante a infância e a juventude de Rokossowski, a Polónia fazia parte do Império Russo. Segundo as biografias oficiais – há duas, uma soviética, outra polaca, esta paradoxalmente mais ideológica – em1914, com 18 anos, alistou-se como voluntário para lutar pelo Exército Russo, onde obteve, até 1917, uma excelente folha de serviços.

Como terá acontecido a muitos outros naquela altura, o jovem Rokossovsky – terá sido por esta altura que terá russificado o seu nome – com aquela idade pouco mais sabia fazer do que combater e juntou-se aos bolcheviques durante a Guerra Civil que sacudiu a Rússia (1917-21), onde teve oportunidade de se tornar um excelente e reputado oficial de cavalaria montada* no Exército Vermelho.

Em consequência disso, Rokossovsky tornou-se uma estrela em ascensão, depois de se ter distinguido em operações onde esteve envolvido no Extremo Oriente, contra os chineses (1929). Em 1930, com 34 anos, tornou-se o comandante da 7ª Divisão de Cavalaria – o equivalente ao posto de general (os postos haviam sido abolidos, só vieram a ser reintroduzidos em 1935).

Em 1936 já comandava um Corpo de Exército, mas Rokossovsky era um alvo bom demais para escapar às purgas ordenadas por Staline naquela época, de que os escalões superiores do Exército foram uma das piores vitimas. Preso, acusado de espiar para a Polónia, depois torturado, objectivamente Rokossovsky deve ter tido a sorte de ter escapado vivo. Foi libertado na primavera de 1940.

A invasão alemã de Junho de 1941 criou a necessidade no Exército Vermelho, que havia ficado decapitado pelas purgas dos finais dos anos 30, que uma nova geração de comandantes – Rokossovsky e Zhukov tinham 45 anos e Koniev 44** – aparecesse para o dirigir, geração que iria ser formada sobretudo pela competência que os novos generais demonstrassem em combate.

A carreira de Rokossovsky é meteórica. Em Dezembro de 1941 comandava o 16º Exército, encarregado de impedir que Moscovo fosse tomada pelos alemães, um anos depois, em Dezembro de 1942, comandava a Frente do Don, englobando 7 exércitos e responsável pela manobra de cerco e aniquilamento do VI Exército alemão em Stalinegrado.

São também as forças sob o seu comando – agora designada por Frente Central – que estão envolvidas na Batalha do Kursk, em Julho e Agosto de 1943, onde os soviéticos conseguem deter uma enorme contra-ofensiva alemã, naquela que foi considerada a maior batalha de blindados de toda a Segunda Guerra Mundial. Rokossovsky foi promovido a Marechal em Junho de 1944.

E foram também, paradoxalmente, as tropas sob o seu comando – agora a Primeira Frente da Bielo-Rússia – que estiveram envolvidas na controvérsia que perdura até hoje sob a ausência de qualquer apoio do Exercito Vermelho à Revolta de Varsóvia que a resistência polaca resolveu desencadear contra a ocupação alemã, que durou de Agosto a Outubro de 1944.

Como era a Frente de Rokossovsky que se encontrava mais bem posicionada para vir a conquistar Berlim, Stalin decidiu que o comando dela deveria passar para Zhukov e Rokossovsky fosse transferido a Segunda Frente da Bielo-Rússia, o que aconteceu em Novembro de 1944. Foi uma decisão que, embora fosse compreensível do ponto político, Rokossovsky nunca aceitou com razoabilidade.

No final da Segunda Guerra Mundial, como acontecia com alguns dos seus camaradas, como Marechal da União Soviética, com inúmeras condecorações, Rokossovsky tinha atingido o pico da sua carreira militar antes de fazer cinquenta anos. E como ícones populares, Staline sabia que tinha de tratar dos seus egos com métodos diferentes aos que empregara nas purgas dos anos 30.

A origem de Rokossovsky foi agora aproveitada para lhe atribuir colocações na Polónia, primeiro como Comandante em Chefe das forças soviéticas (1945-49) e depois, através de uma naturalização tão inesperada como espectacular, Ministro da Defesa polaco, Marechal da Polónia e membro do Politburo do Partido Operário de Unidade Polaco (nome comprido do Partido Comunista Polaco).

Como polaco, Rokossovsky, mais os assessores militares soviéticos que instalou no país, acabou odiado pelos seus compatriotas, personalizando como ninguém o domínio russo sobre a Polónia. Acabou em desgraça nas revoltas de 1956, quando se pretendeu opor à substituição do antiquado Bierut pelo mais moderado Gomulka. A União Soviética recebeu-o de volta, com todos os títulos e honras.

Faleceu em Agosto de 1968. Com boa figura e boa presença, o que apenas aumentava ainda mais as especulações sobre as suas origens aristocráticas polacas (que seriam inadmissíveis num Marechal da União Soviética), Rokossovsky foi sobretudo um dos melhores oficiais generais da sua geração, com uma carreira excepcional na sua pátria de adopção – ou não, isso ficará sempre por esclarecer…

* Ainda muito utilizada e valorizada na Guerra Civil russa (1917-21) pela sua mobilidade, a cavalaria tradicional havia já sido completamente abandonada na Frente Ocidental da Primeira Guerra Mundial (1914-18) e foi depois substituída pela cavalaria dos blindados.

** Os generais soviéticos da Segunda Guerra Mundial são geralmente 5 a 10 anos mais novos que os seus homólogos alemães e ocidentais: enquanto os soviéticos mencionados nasceram em 1896 e 1897, Rommel nasceu em 1891 e Manstein em 1887, Montgomery em 1887 e Alan Brooke em 1883, Eisenhower em 1890 e Patton em 1885.

2 comentários:

  1. Ora aqui ficou explicada a vantagem das “purgas estalinistas”!
    Os generais soviéticos eram mais novos... porque os “velhos” já não constavam do “baralho”!!!
    E ainda há quem conteste o modo soviético (e agora russo!) de fazer política: quem faz sombra, abate-se!

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  2. Mais a sério: outra das causas para as idades dos generais de Staline foram as circunstâncias em que ocorreu a Revolução Russa com a transferência de militares do Exército imperial para o Exército Vermelho.

    Obviamente os oficiais que se transferiram do primeiro para o segundo estiveram sempre sob suspeita e essa suspeita aumentava quanto maior a patente (e a idade)

    Casos como Mikhail Tukhachevsky (nascido em 1893 e executado em 1937) e Boris Shaposhnikov (1882-1945, de morte natural...) são mesmo excepcionais.

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