26 julho 2019

O FIM OFICIAL DA GUERRA DE KARGIL

26 de Julho de 1999. Término oficial da Guerra de Kargil. Opôs a Índia e o Paquistão durante quase três meses. O objectivo da operação inicialmente desencadeada pelos paquistaneses era a ocupação de várias posições tacticamente vantajosas em elevações situadas do lado indiano da Caxemira. A infiltração foi inicialmente atribuída pelos paquistaneses a guerrilheiros seus apaniguados, mas os factos subjacentes vieram a desmentir essa ficção. Tratava-se realmente de um desses raros conflitos militares tradicionais entre dois estados, com a agravante de se tratar de dois países com capacidade nuclear. Mas a iniciativa fora do Paquistão, faltava-lhe o lado Moral da guerra, ainda para mais quando a sua história inicial dos guerrilheiros se desmoronou, através de uma habilidosa intercepção pelos indianos de uma conversa telefónica entre o comandante-em-chefe do exército paquistanês e o seu chefe de Estado Maior, que provava a dimensão da mentira. Com a publicitação da conversa, o Paquistão ficou politicamente isolado: nenhum dos seus dois grandes aliados tradicionais, os Estados Unidos e a China, se dispuseram a apoiá-lo. No terreno, o contra-ataque indiano para recuperar as posições entretanto ocupadas pelos paquistaneses  foi mais demorado e sobretudo mais custoso em termos de vidas humanas: apesar da tradicional discrepância entre os números admitidos e atribuídos pelas duas partes, o número de mortos cifra-se nas largas centenas dos dois lados (500-700), o que é muito significativo se se tomar em consideração a escassa duração do conflito e o facto de se ter tratado de uma guerra de montanha, que envolve comparativamente poucos efectivos. Militarmente a Índia limitou-se a restabelecer o "statu quo" na linha de demarcação que a separa do Paquistão. Mas politicamente teve uma vitória retumbante ao desacreditar internacionalmente o seu inimigo de sempre. Nomeadamente, a política externa norte-americana passou a ser muito mais equilibrada do que fora até aí.
Dois anos depois do fim da Guerra de Kargil, este livro acima - que é nitidamente pró-indiano - para além de fazer uma recapitulação do conflito interminável entre a Índia e o Paquistão, não escondia as esperanças do resultado da inflexão gerada por aquele último episódio. E mesmo depois de 2001, com a invasão e presença norte-americana do vizinho Afeganistão, consolidou-se uma impressão entre quem se preocupa com estes assuntos nos Estados Unidos, que o Paquistão possui uma agenda muito própria quanto a assuntos que nos próprios Estados Unidos eles qualificam de enorme prioridade. O clímax dessa impressão, que não é propriamente de uma grande melhoria das relações entre os Estados Unidos e a Índia, mas antes de um azedamento progressivo e assumido nas relações com o Paquistão, o clímax, escrevia, pode ser facilmente identificado pelo dia em que teve lugar a execução de Osama bin Laden (2 de Maio de 2011), que teve lugar no Paquistão, mas ao arrepio do conhecimento das autoridades daquele país. Isto é um resumo compacto do que havia a dizer a respeito da questão de Caxemira até à Segunda-Feira passada, quando Donald Trump recebeu o primeiro-ministro paquistanês Imran Khan e, como contrapartida do auxílio paquistanês para que os Estados Unidos se desengajem do Afeganistão, se propôs mediar o conflito da Caxemira entre a Índia e o Paquistão. A política externa da administração Trump, especialmente quando protagonizada pelo próprio, tornou-se de uma imprevisibilidade previsível: adopta uma atitude absolutamente contrária à dos seus antecessores. E é tão ignara quanto bem-intencionada, aldrabona e maledicente a respeito do trabalho dos que a precederam. Normalmente dá bronca porque não faz(em) a mínima ideia de onde é que se vai meter: neste caso, para agradar aos paquistaneses, irritou os indianos com as suas mentirolas, o que é um péssimo começo para qualquer aspirante a mediador.

2 comentários:

  1. Gostei de como o senhor tratou do assunto. E imagino que deva acompanhar a recente mobilização de tropas em suas respectivas fronteiras, tanto Índia como China. Como o senhor destacou que o Paquistão tem apoio da China e dos EUA, imagino que a Índia tenha apoio da Rússia, evidente que não seja por hora possível um conflito entre Rússia e China, dado seu histórico de cooperação mútua no conselho de Segurança da ONU.
    Como o senhor analisa essa última manobra militar entre ìndia e China?

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  2. Esta última manobra militar entre a Índia e a China, como a designa, é, sobretudo mais uma manobra de uma animosidade latente que se tem expressado episodicamente no terreno desde há quase 60 anos.

    Se me quiser fazer o favor de ler algumas coisas que já aqui deixei escritas:

    - http://herdeirodeaecio.blogspot.com/2007/06/guerras-esquecidas-1-guerra-sino.html
    - https://herdeirodeaecio.blogspot.com/2008/02/disputa-por-arunachal-pradesh.html
    - http://herdeirodeaecio.blogspot.com/2017/09/sobre-discricao-e-exuberancia-de-certos.html

    A rivalidade sino-indiana é a mesma de sempre. O que me parece estar a mudar são as alianças dos dois antagonistas, que resultam do facto de os Estados Unidos terem deixado de considerar a União Soviética/Rússia como o seu principal rival, para elegerem a China. E isso obriga a realinhamentos e a uma alteração das «mandalas» da geoestratégia indiana. Veja aqui: http://herdeirodeaecio.blogspot.com/2015/04/as-mandalas-da-geoestrategia-indiana.html

    Mas antes de tudo e circunstancialmente, os Estados Unidos têm um cretino a dirigi-los e isso tem dado muita força à China.

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