08 fevereiro 2016

JÁ ESTÁ TUDO A EMBANDEIRAR EM ARCO...

É um infortúnio constrangedor ter-se nascido português e, ao mesmo tempo, os genes terem-nos dado um comportamento sóbrio e modesto quando da gestão das expectativas. É que, mesmo havendo uma remota hipótese de António Guterres se vir a tornar no próximo secretário-geral da ONU, já está tudo a embandeirar em arco. E quem nasceu assim fica desconfortável. Tomara que fosse apenas por ser carnaval para que tudo pudesse acabar já na quarta-feira de cinzas, mas suspeito que este carnaval se vai prolongar por meses, talvez até quase ao fim de este ano. Toda esta exuberância - que me parece, para já, muito mais mediática do que genuína - é, não apenas um disparate, como também um embaraço. Um disparate porque, para ir buscar o exemplo acima, que o Expresso esqueceu-se de o mencionar naquele cabeçalho, os candidatos mais fortes são, pelo menos, cinco e as hipóteses que Guterres terá de ser eleito (como acontece, de resto, com os seus (e as suas) rivais) dependerão de imensas circunstâncias, começando pela vontade das potências, sobretudo a dos Estados Unidos. Um embaraço previsível porque o resultado mais provável é que a sua candidatura seja derrotada: à partida, só entre os tais candidatos mais fortes, a sua probabilidade matemática de sucesso é de 20%. Mas há uma dúzia e meia de nomes falados a propósito dessa candidatura...
Há quem não se incomode com estas figuras tristes. Mas eu incomodo-me por mim e por eles. O que mais me aborrece contudo nestes processos é a adopção de um ambiente de fanfarra que é ao mesmo tempo patrulheiro das vozes dissonantes e dissidentes. Pergunte-se: quais são as vantagens de ser um compatriota nosso a ocupar aquele cargo? Que é que no Gana se pode dizer em abono do facto de Kofi Annan (1997-2006) ser ganês? Quantos, fora do Gana, saberão que ele era (e é) ganês? Ou então, noutro cargo, também de projecção internacional, que balanço positivo para Portugal se pode fazer da presidência da comissão europeia de José Manuel Barroso (2004-2014)? Quantos, na União Europeia, saberão que ele é português? E entre nós, quem consegue identificar de imediato a nacionalidade de Jean-Claude Juncker? E já agora, qual o nome e a nacionalidade do actual secretário-geral da ONU, aquele a que Guterres é um candidato dos mais fortes à sucessão? Haja contenção. António Guterres recuperou a popularidade nos últimos quinze anos, teria sido o presidente eleito nas últimas eleições - suponho mais do que certo que Marcelo não concorreria se as circunstâncias fossem essas - mas quando abandonou o poder (o pântano) em 2001, fê-lo sob críticas de ineficácia e de indecisão. Eram os tempos em que o boneco de Toneca Guterres (acima) decidia... não decidir. Ou, como hoje é dia de citações, e para usar a de Oscar Levant sobre Dwight Eisenhower: «Once he makes up his mind, he's full of indecision» (qualquer coisa como: Assim que ele arruma as ideias, é assaltado pelas dúvidas). Claro que a este conhecemo-lo, aos outros não e os meus votos de sucesso são sinceros mas são para ser endossados com muita calma - ao menos até à formalização da candidatura.

4 comentários:

  1. Faltou ainda referir aquele que foi, talvez, o melhor exemplo do enorme prestígio internacional que o país tem obtido com o exercício por portugueses de tão honrosos cargos: o de Freitas do Amaral, Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas.

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  2. Também. Com esse cargo importante e a quem o tinha por tal, eu costumava aplicar um truque: perguntava pelo nome (e nacionalidade) do antecessor de Freitas do Amaral; depois pelos do sucessor; e finalmente pelos do em exercício. Se à terceira o meu interlocutor não percebia a ironia das perguntas era altura de desistir...

    E ainda hoje pergunto pela nacionalidade do Kofi Annan, quando a conversa se encaminha para a importância dos nacionais de um país ocuparem um determinado posto internacional. Os mais documentados costumam cair no nome e nacionalidade do antecessor... E depois haveria sempre o antecessor de Durão Barroso...

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  3. Esta candidatura é um "remake" mais requintado de uma outra candidatura portuguesa - há cerca de mais ou menos vinte anos -, então à presidência da UNESCO, e que foi personificada por Victor de Sá Machado.

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  4. Lembro-me do episódio porque me lembro de uma intervenção televisiva de Sá Machado que me ficou na memória por ter sido uma daquelas inesquecíveis agressões à inteligência do telespectador: diante dos resultados da primeira votação do colégio eleitoral e quando confrontado pelo jornalista da RTP com o resultado de ZERO votos, Sá Machado teve o desplante de lhe responder que as possibilidades da sua candidatura haviam MELHORADO.

    É o tipo de comentário esperto, quiçá para desarmar o interrogador, mas que me provoca uma reacção urticária, especialmente quando o jornalista, e foi o caso, não tem a capacidade de devolver o insulto.

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